O que Reino Unido, Austrália e mais países fazem para afastar bets de crianças e adolescentes

Publicidade que liga o futebol às apostas atrai o público infanto-juvenil e preocupa especialistas no mundo todo

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Foto do author Renata Cafardo

A atratividade das bets para crianças e jovens, principalmente pela proximidade com o futebol, tem sido motivo de preocupação em diversos países, que passaram a regular os anúncios das apostas esportivas. Especialistas e legisladores no mundo todo têm comparado o fenômeno à publicidade da indústria do tabaco, que por muitos anos foi permitida e levou à normalização do consumo do cigarro.

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No Reino Unido, a Premier League, um dos mais populares campeonatos de futebol do mundo, anunciou a proibição da propaganda de bets na parte da frente das camisas dos jogadores - em times como Manchester City e Arsenal -, partir da temporada de 2025-2026. Anúncios nas mangas dos uniformes e nos estádios ainda serão permitidos.

O governo britânico também divulgou este ano novas regras para as empresas de apostas, que exigem maior controle de idade nas plataformas e a opção para que o consumidor possa escolher se quer ou não receber propagandas.

As apostas esportivas online cresceram nos últimos anos no mundo todo, especialmente após a Copa do Mundo de 2018, e se intensificaram durante a pandemia em muitos países.

No Brasil, a publicidade excessiva se soma à falta de regulamentação, que só agora começa a ser enfrentada. Isso permitiu também que o público infanto-juvenil ficasse desprotegido e tivesse acesso a uma atividade que é proibida para menores de 18 anos.

Relação com futebol é o grande atrativo para todos os públicos Foto: Seventyfour/Adobe Sto

Na França, atletas populares entre as crianças - como Kylian Mbappé, francês que joga no Real Madrid - não podem mais ser estrelas de propagandas de bets desde 2023. As logomarcas das empresas também não devem estar em camisas esportivas que tenham tamanho infanto-juvenil.

Um dos relatórios mais contundentes sobre o assunto foi publicado por uma comissão do Parlamento da Austrália no ano passado. “O jogo online tem sido deliberadamente e estrategicamente comercializado juntamente com os esportes, o que o normalizou como atividade divertida, inofensiva e sociável”, diz o texto, acrescentando que a “publicidade dos jogos incita as crianças a jogarem e terem comportamentos de risco”. “A enxurrada de publicidade é inescapável”, finaliza.

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O documento chamado “Você ganha um pouco, você perde muito” (em tradução livre) recomenda 31 medidas ao governo australiano para conter o avanço das bets, entre elas regular a publicidade. A exposição aos jogos, segundo o texto, “não tem precedentes, e nunca uma geração viveu isso antes”.

O relatório ainda compara a publicidade das apostas à que foi feita no passado pela indústria do tabaco e pede, assim como foi feito no cigarro, campanhas de conscientização para crianças, famílias e escolas.

Recomenda também claras indicações nessa publicidade sobre os problemas que as apostas podem acarretar às pessoas, o que inclui vício, perdas financeiras, problemas de saúde mental e até suicídio.

“Uma das coisas que aprendemos tão bem com o tabaco é que as mensagens contrárias são parte extremamente importante da prevenção aos danos que esses produtos podem causar às pessoas”, afirma no relatório australiano a professora de Saúde Pública da Deakin University Samantha Thomas, que foi ouvida pela comissão.

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Segundo ela, “as organizações esportivas, as emissoras, a indústria e o governo desempenham um papel na criação de normas sociais em torno do jogo”.

O que cada país tem feito sobre o assunto

  • Reino Unido: campeonato inglês de futebol vai proibir em 2025 propaganda de bets na frente das camisas dos jogadores, regulamentação para mais controle de idade nas plataformas
  • Austrália: relatório do Parlamento pede regras rígidas em publicidade, campanhas com escolas e famílias para conscientização dos riscos das apostas
  • França: grandes nomes do futebol não podem estrelar campanhas de bets, camisetas infantis não podem ter propaganda das empresas
  • Estados Unidos: alguns Estados proíbem propagandas perto de universidades e nova lei tenta impedir propagandas durante eventos esportivos ao vivo
  • Canadá: movimento da sociedade civil pede aprovação de lei que proíbe propagandas de apostas esportivas

O Estadão entrou em contato com o Standing Committee on Social Policy and Legal Affairs do Parlamento australiano, comissão responsável pelo relatório. O órgão informou que o governo ainda vai divulgar as respostas às recomendações do documento. A Austrália já proibiu o uso de cartões de crédito em apostas online.

Nos Estados Unidos, alguns Estados, como Nova York, proibiram recentemente propagandas de apostas esportivas perto de universidades. Este mês, um senador e um deputado democratas apresentaram projeto de lei que impede a propaganda de apostas durante eventos esportivos ao vivo e ainda campanhas com atletas universitários.

As bets são permitidas em 38 Estados do país e lá estão ligadas especialmente ao futebol americano. Estima-se que 7 milhões de pessoas tenham problemas de saúde mental ou financeiros por causa do vício em jogos nos EUA. A nova lei também quer impedir que se use inteligência artificial para mapear hábitos dos apostadores e oferecer jogos de acordo com isso.

“Agora, cada momento solitário, de cada evento esportivo em todo o mundo se tornou uma oportunidade de aposta, seja navegando nas redes sociais, dirigindo pela estrada, passando por outdoors ou ouvindo seu podcast ou rádio favorito. Os anúncios de apostas esportivas estão lá, com uma cascata interminável de promoções chamativas”, disse o deputado americano Paul Tonko, ao canal CNBC.

No Canadá, há forte movimento da sociedade civil para banir totalmente propagandas de bets. A campanha Ban Advertising for Gambling (Proibir publicidade em apostas, em tradução livre) fez representação ao Senado, pedindo a aprovação de lei que possa controlar “anúncios de bets da mesma forma como é feito com tabaco e maconha, já que levam também ao vício”.

Problemas na publicidade online e offline

No Brasil, resolução do Conselho Nacional de Autoregulação Publicitária (Conar), de fevereiro, sobre apostas online, inclui a preocupação com o público infanto-juvenil. Deixa claro que os anúncios precisam ter a indicação de que a atividade é para maiores de 18 anos e não devem usar “símbolos, recursos gráficos e animações, linguagem, personalidades ou personagens reconhecidamente pertencentes ao universo infanto-juvenil”.

Afirma também que as propagandas só podem ser feitas por “influenciadores que tenham adultos como seu público-alvo”. “Há problemas de publicidade offline, por causa dos esportes, nos estádios, nas camisas de time, e online, nas plataformas da internet”, diz a coordenadora do eixo digital do Instituto Alana, Maria Mello.

Segundo ela, mesmo se cumprir os critérios de não ter personagens e linguagem infantil, o futebol está no universo das crianças e adolescentes e afeta fortemente esse público. “É preciso compromisso integral com a criança e o adolescente, que precisa ser feito por outros órgãos, saúde, educação, sobre o como o uso e o vício nessas apostas estão afetando as salas de aula.”

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As pesquisas mostram que as crianças e adolescentes, pelo desenvolvimento cerebral ainda imaturo, têm menor capacidade de controle de impulso e são mais suscetíveis a se envolver em atividades que prometem recompensas rápidas e parecem emocionantes.

O Ministério da Fazenda está finalizando o cadastramento das empresas de bets com novas exigências para atuarem no País. Portaria desta semana dá prazo até 1º de outubro para o fim do funcionamento no País das empresas de apostas que ainda não iniciaram sua regularização no governo.

O presidente do Instituto Jogo Legal, que representa o setor, Magnho José, diz que o grande problema é que o Brasil ficou em um vazio regulatório desde que as bets foram autorizadas em 2018. Mas, na opinião dele, isso está sendo resolvido agora com as novas regras do governo.

“O problema não é o jogo. São esses influenciadores que ficam passando mensagem de que você vai ficar rico. O jogo é entretenimento e nada mais que isso, não é meio de vida”, afirma.

Veja dicas para lidar com o tema com crianças e adolescentes:

  • Compartilhe relatos ou histórias de quem teve problemas com apostas (perdeu muito dinheiro, vício ou efeitos na saúde mental)
  • Não trate apostas como algo divertido
  • Não discuta pretensas habilidades para se conseguir ganhar mais facilmente
  • Atenção à cultura de apostas de adultos na família, isso leva a uma naturalização para crianças e adolescentes
  • Fale de riscos, mas com equilíbrio e bom senso. Ser alarmista com tudo pode fazer a criança ou adolescente ter medo de tudo ou, por outro lado, querer testar os pais
  • Discuta educação financeira e fale do valor do dinheiro, de como ele é ganho e da importância de se poupar o futuro
  • Acompanhe de perto as crianças e adolescentes em celulares e redes sociais
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