Caro leitor,
Reabilitado na política após a eleição de Arthur Lira (Progressistas-AL) para a presidência da Câmara, o Centrão quer esvaziar o poder de militares na Esplanada e fazer uma espécie de “refundação” do governo. O objetivo do bloco de partidos liderado por Lira é ocupar cargos de destaque no primeiro escalão, como os ministérios da Saúde e de Minas e Energia, mas Jair Bolsonaro resiste a fazer uma ampla reforma na equipe.
Bolsonaro avisou os mais próximos que o ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, permanecerá onde está. “Ele vai continuar com essa jaca aí”, disse o presidente, de acordo com relatos de auxiliares, numa referência ao “peso” dos problemas nas negociações do Palácio do Planalto com o Congresso.
Ramos, porém, é bem-visto pelo Centrão. Sem dar ouvidos às críticas de seus pares na caserna, o general foi o que mais ajudou a reaproximar do Planalto o grupo de Lira, o malvado favorito de Bolsonaro. Com a estratégia, enfureceu o então presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Pouco antes das eleições, Maia telefonou para Ramos e, aos gritos, o chamou de “duas caras” e “general bandido”. Dias depois, pediu desculpas.
A vitória de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) no Senado também passou por Ramos, que se aliou a Davi Alcolumbre (DEM-AP) na ofensiva para atrair votos. Foi no gabinete do general, no quarto andar do Planalto, que ocorreram reuniões com deputados e senadores para acertar nomeações e repasses de recursos extras, às vésperas da disputa no Congresso, como revelou o Estadão. “Nós não negociamos cargos e emendas parlamentares em troca de votos. Isso seria até ofensivo com o Congresso”, afirmou Ramos à reportagem.
Agora, no entanto, além da fatura cobrada por aliados na Câmara, uma outra“jaca” está prestes a cair na cabeça do governo: o MDB no Senado, descontente com a articulação política do Planalto. Ex-presidente da Casa, o senador Renan Calheiros (MDB-AL) – hoje na oposição – deverá ser o líder da Maioria.
Até o momento, Bolsonaro planeja mexer pouco nas peças do Ministério e, mesmo assim, somente depois do carnaval. Por enquanto, Lira e Pacheco destacam como pautas prioritárias as reformas econômicas e o processo de vacinação contra a covid-19. Nos bastidores, porém, integrantes do Centrão defendem até mesmo a abertura dos cassinos e a volta dos jogos de azar, além da agenda armamentista e de costumes.
Para não dar o braço a torcer ao governador de São Paulo, João Doria (PSDB), Bolsonaro não vai trocar agora o general Eduardo Pazuello, ministro da Saúde, apesar dos erros cometidos na condução da pandemia do novo coronavírus. Ex-titular da Saúde na gestão de Michel Temer e atual líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (Progressistas-PR) também continua dizendo que não voltará ao cargo. O indicado pelo partido para a cadeira de Pazuello, hoje, é o deputado Dr. Luizinho (RJ).
Amigo de Bolsonaro e almirante da Marinha, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, também não será removido. “Toda semana a imprensa troca um ministro meu. E tudo é culpa minha: se cair uma manga dessa árvore, a culpa também é minha”, disseo presidente em conversa com apoiadores, recentemente, no Palácio da Alvorada. “Minha vida é um inferno”.
Inferno astral à parte, o fato é que Bolsonaro vai entregar o Ministério da Cidadania, que cuida do programa Bolsa Família, a um partido da linha de frente do Centrão. O próprio presidente já admitiu que a ideia é remanejar Onyx Lorenzoni para a Secretaria Geral da Presidência. Com isso, Cidadania poderá ficar com o Republicanos, partido ligado à Igreja Universal do Reino de Deus.
Após o fim do auxílio emergencial, o presidente quertransformar o Bolsa Família em vitrine social do governo para seu projeto de reeleição, em 2022. O mais cotado para a vaga de Onyx é o deputado Márcio Marinho (Republicanos-BA), bispo da Universal.
Mesmo com a tese do impeachment arquivada após a vitória de Lira e Pacheco, Bolsonaro foi aconselhado a não deixar “ressentidos” no Congresso. É por isso que, agora, ele está atrás do MDB no Senado. Maior bancada na Casa, com 15 senadores, o partido não tem mais, pela primeira vez em muitos anos, qualquer representante no ministério.
Não é de hoje que o líder do governo no Congresso, Eduardo Gomes (MDB-TO), tem o nome lembrado para comandar o Ministério do Desenvolvimento Regional, dirigido por Rogério Marinho (PSDB). A investida foi reforçada, porém, após as eleições no Congresso.
A equação política prevê um aceno ao MDB, que tem reclamado de “abandono” por parte de Bolsonaro. Filiado ao PSDB e sem padrinho político, Marinho foi escolhido por ter bom trânsito no Congresso e também por ser do Nordeste, região fundamental para os planos de Bolsonaro, em 2022. O tucano conta, porém, com a oposição do ministro da Economia, Paulo Guedes.
Só que o antigo “Posto Ipiranga” de Bolsonaro também pode perder “costelas” nessa reforma. Ressuscitar ministérios como o da Indústria e Comércio, além de Previdência e Trabalho, são objetos do desejo do Centrão. Os titulares do Itamaraty, Ernesto Araújo, e do Meio Ambiente, Ricardo Salles, por ora, não entram na dança das cadeiras.
Além da ala ideológica do governo segurá-los mais um pouco, o vice-presidente Hamilton Mourão contribuiu muito para a sobrevivência de Ernesto ao declarar que o chanceler deverá ser trocado. Até as pedras do Planalto sabem que Bolsonaro sempre faz o contrário do que diz Mourão.
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