Caro leitor,
o Exército vai ter de apagar o incêndio criado pelo presidente Jair Bolsonaro em torno da preservação e desenvolvimento da Amazônia. Essa é uma das constatações dos generais ouvidos pelo Estado. A crise atual envolve um dos temas mais sensíveis para os militares: a garantia da soberania do País na região e a integridade territorial diante de ameaças externas.
Na ordem do dia sobre o Dia do Soldado, o comandante do Exército, general Edson Pujol, escreveu: “Aos incautos que insistem em tutelar os desígnios da brasileira Amazônia, não se enganem! Os Soldados do Exército de Caxias estarão sempre atentos e vigilantes, prontos para defender e repelir qualquer tipo de ameaça.”
De fato, generais ouvidos pelo Estado afirmam que a Amazônia é a prioridade indiscutível do Exército. A cúpula da Força conversa com o governo para achar uma solução para a crise. Mais uma vez, o problema vai cair em seu colo. Foi assim em 2018 no Rio de Janeiro, com a intervenção na segurança pública. É assim agora também com a Amazônia.
Desde os anos 1970, o Exército ampliou a ocupação da Amazônia. E não foi apenas a guerrilha do Araguaia que fez os militares aumentarem a presença na região. O temor de que a questão indígena fosse utilizada para patrocinar o surgimento de algum Estado autônomo em áreas, como a reserva ianomâmi, também entrou no cálculo dos militares. A preocupação geopolítica se traduziu na criação de unidades no meio da floresta –brigadas de infantaria de selva, como a 17.ª, em Porto Velho (RO), e a 23.ª, em Marabá (PA).
A partir dos anos 1990, esse movimento se intensificou. Tropas foram transferidas de outras áreas do País: a 1.ª Brigada de Infantaria Motorizada deixou Petrópolis (RJ) e foi para Boa Vista (RR), a 2.ª Brigada de Infantaria Motorizada deixou Niterói (RJ) e foi para São Gabriel da Cachoeira (AM) e a 1.ª Brigada de Infantaria Motorizada deixou Santo Ângelo (RS) e foi para Tefé (AM). Todas foram transformadas em brigadas de infantaria de selva.
No ano passado, foi criada a 22.ª Brigada de Infantaria de Selva, em Macapá (AP), protegendo a foz do Amazonas. O Exército ainda mandou para lá um grupamento de helicópteros, um batalhão antiaéreo e forças especiais. Força Aérea e Marinha também transferiram unidades para a região.
Reflexo da preocupação com a Amazônia pode ser encontrado ainda na produção de monografias e estudos da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme). Por fim, neste ano, o Exército abrirá em Manaus uma emissora de rádio: a Rádio Verde-Oliva. Será a primeira estação da Força fora de Brasília.
A presença militar na Amazônia não é apenas uma forma de ocupar o terreno e garantir a soberania. É também instrumento de dissuasão. Essas tropas estão preparadas, inclusive, para operações irregulares – guerra de guerrilha – diante de um invasor. Essa foi mais uma razão para o general Eduardo Villas Bôas citar, hoje, em seu Twitter, Ho Chi Min.
Lembrar o líder comunista que conduziu a guerra de independência do Vietnã contra a França não é apenas uma forma de criticar Emmanuel Macron, o presidente francês que quer o G7 discutindo as queimadas na Amazônia. É também lembrar aos franceses a sua mais dura derrota militar após a 2.ª Guerra Mundial: a batalha de Dien Bien Phu, quando Ho e o general Vo Nguyen Giap cercaram e derrotaram as tropas da então potência colonial.
“Não sejamos ingênuos. Nós sabemos muito bem quais interesses estão por trás dessas manifestações sobre a Amazônia”, afirmou um general da ativa. Villas Bôas e outros generais querem agora convencer o País da justiça de seus propósitos. Sua visão sobre a Amazônia não é diversa do pensamento do presidente Bolsonaro.
Os militares, no entanto, fazem apenas uma ressalva ao ocupante do Planalto: faltou habilidade para o político. “Ele deu munição para inimigo com suas declarações”, afirmou um general. O leitor viu aqui como Bolsonaro atacou os dados de desmatamento divulgados pelo Inpe. Para o general, não se entra em um debate sem ter cartas na manga, sem apresentar soluções.
“O que está acontecendo na Amazônia (as queimadas) não é muito diferente do que acontece todos os anos. Talvez um pouco pior”, disse outro oficial da ativa. A diferença é que, desta vez, o mundo político pôs fogo no capim seco. E a bomba foi cair no colo das Forças Armadas, que vão ter de fazer o controle de danos. “É. Vamos ter de apagar o incêndio”, concordou um militar. Em suma, a defesa da Amazônia não apaga a inabilidade do governo.
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