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Radicais do bolsonarismo atacam até ações do Exército contra covid-19

Em reação aos extremistas, general Cardoso defende apartidarismo da Força e lembra luta contra garimpos e o desmatamento ilegal na Amazônia

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Foto do author Marcelo Godoy

O Exército publicou um post em sua conta no Twitter no dia 20 de junho: "Militares de Saúde do Exército participam da Operação Atalaia do Norte na região de Tabatinga (AM)". Homenagear o trabalho dos profissionais de saúde da corporação em meio à pandemia de covid-19 é visto como um dever pelo Comando. A comunicação institucional nos últimos 20 anos foi a forma de a corporação buscar consenso e exibir "a mão amiga". O bolsonarismo subverteu essa lógica. Militantes digitais da extrema-direita passaram a atacar as publicações do Exército. A Força Verde-oliva ainda não virou o Exército Vermelho, mas falta pouco.

O almirante Ilques, o general Pujol e o brigadeiro Bermudez: distância dos radicais Foto: Marcos Corrêa/PR

A extrema-direita debocha e despreza o Exército, que pretende usar como milícia, como guarda pretoriana para degradá-lo, transformando-o em instrumento de uma facção, força auxiliar de ressentidos e amalucados. No dia 20, depois de a instituição publicar o post sobre seus esforços na luta contra o coronavírus, um extremista gaiato adicionou ao post uma foto do Alto Comando do Exército e escreveu: "Olha os velhinhos no jogo do bingo". Nem é preciso mensurar o desrespeito com os generais. O perfil que insultou o Alto Comando exibe uma foto onde se lê: "Eu sou Bolsonaro". Nem precisava dizer.

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O mesmo gaiato dizia mais abaixo sobre o Exército: "Venha trabalhar na maior empresa de jardinagem e paisagismo do mundo". É assim que os radicais do bolsonarismo falam das Forças Armadas, as mesmas que querem transformar em instrumento de uma tirania, fechando Congresso e Supremo Tribunal Federal (STF). Outro fanático escreveu: "O povo brasileiro de bem anseia pela libertação desta Nação do regime ditatorial comunista!" O cidadão esqueceu que o regime tem como presidente Jair Bolsonaro e um Exército que veste verde-oliva.

A caixa de comentário do Twitter do Exército incomoda os militares. Ali não é só a extrema-direita que se manifesta com pedidos como "participem da higienização do STF". A oposição a Bolsonaro também publica seu descontentamento com a instituição, que vê como coautora dos desmandos do governo. No mesmo post do gaiato que viu nos generais um clube de tômbola, um opositor do presidente publicou uma charge na qual um tanque de guerra deixa um rastro de covas rasas. A presença do general da ativa Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde, com sua tentativa de pedalada sanitária, apresenta sua conta ao Exército.

Eduardo Pazuello é o 12° ministro do governo Bolsonaro a contrair covid-19 Foto: Adriano Machado/ Reuters

Esse clima radicalizado começou a mover pedras silenciosas. A contínua tentativa do bolsonarismo de envolver as Forças Armadas em disputas partidárias desgastou os comandantes. Tornou-se quase consenso sentir desconforto pela presença de oficiais da ativa em cargos políticos no governo. Ninguém no Alto Comando do Exército entendeu, por exemplo, a razão de o ministro-chefe da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, ter comparecido fardado à cerimônia de passagem de comando do general Antonio Miotto para o general Valério Stumpf, no Comando Militar do Sul, no dia 30 de abril.

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O ministro Ramos é militar da ativa e exerce cargo político, permanecendo com um pé no Exército e outro no Planalto. Comporta-se como Pazuello. Há dez dias disse que ia entregar seu requerimento para passar à inatividade. Não o fez.  Ramos deve conhecer a história de Jarbas Passarinho. Quando estava na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, ele ouviu do comandante, o futuro marechal Castelo Branco: "Não se pode servir ao mesmo tempo a dois senhores. Ou se é militar ou se é político".

Generais de Bolsonaro parecem olvidar essa lição de Castelo. E assim aumenta o mal-estar com a "patota do Rio", uma referência ao fato de a maioria dos militares do governo ser paraquedista e ter servido naquele Estado, em 2016. Mesmo assim, não se pensa em chamá-los de volta para a Força. Acredita-se que a mera ida à reserva seria suficiente para uma détente, minimizando o desgaste da imagem do Exército. Esquecem que Passarinho também demorou para deixar a caserna. Foi um híbrido de 1964 a 1967, quando governou o Pará. Uma vez iniciado, o processo é difícil de parar.

É nesse contexto que deve ser lido o artigo O Exército dos brasileiros, do general Alberto Cardoso, publicado no Estadão, no dia da prisão de Fabrício Queiroz, ex-assessor do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro. Cardoso reafirmou a independência da Força dos partidos e a importância de seu papel na Amazônia, "retirando garimpo ilegal de terras indígenas e combatendo o desmatamento ilegal". Lembrou da assistência médica aos índios nos pelotões de fronteira e nos hospitais da Amazônia. "Sempre com o lema do marechal Rondon, fundador do Serviço de Proteção ao Índio, sobre a relação com os indígenas:'Morrer, se preciso for. Matar, nunca'."

Os radicais da reserva acusaram o golpe. Logo recordaram a proximidade de Cardoso com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Tentaram recriar uma velha disputa no Exército, a divisão entre tarimbeiros e bacharéis para atacar o general como alguém distante da tropa. A manobra não fica de pé. É que Cardoso foi um dos generais que se deixaram seduzir nos primeiros dias do governo Bolsonaro. Agora, não é o único que se distancia dos extremistas. Ele, Gleuber Vieira e Francisco Albuquerque são generais que têm ojeriza da tentativa de se envolver as Forças Armadas na política. Cardoso não fala apenas por si, mas em nome de muitos.

Nenhum dos atuais comandantes, por exemplo, quer pôr seu nome em uma nota com tom ameaçador ao Supremo ou ao Congresso. Eles sabem que a situação ainda não é clara, mas não desejam escalar uma crise, ainda que muitos nas Forças discordem de algumas decisões recentes do Supremo. Os generais sabem que há militares que ainda veem o presidente como um instrumento contra os males da política tradicional, contra o esquerdismo da imprensa ou perseguições da Justiça. Mas o discurso bolsonarista aos poucos mostra a sua impostura.

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A leitura das 80 páginas do pedido de prisão de Fabrício Queiroz devia bastar para acabar com o mito da "perseguição". Quem acha que há provas para condenar Luiz Inácio Lula da Silva pelo triplex não pode ignorar o que foi reunido contra o filho do presidente. O resto é balela, conversa de militante, de quem pretende nos convencer de que Queiroz pulou o muro da casa do advogado ou entrou voando no imóvel de Frederick Wassef, então defensor de Flávio Bolsonaro. Se não era para se esconder, por que Queiroz desligava o celular ao chegar a Atibaia? Ou como disse um general:  "Se não estava foragido, por que precisa ocultar o paradeiro?"

Por mais que existam centenas de outros como Queiroz na política brasileira, o bolsonarismo não foi eleito para ser mais um deles. Nem para usar a corrupção alheia como desculpa para sua bandalheira. Entre os generais, há quem avalie que a prisão de Queiroz e a demissão do bailarino Abraham Weintraub possam inaugurar novos tempos no governo. Em vez de abreviar o caminho do impeachment, levariam à normalização da República, à certeza de que a carta da radicalização, do golpe e da força fracassou. De agora em diante– esperam–, o governo será cada vez mais parecido com os outros. Como se isso fosse possível com Bolsonaro.

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