O Brasil caiu cinco posições no ranking de desenvolvimento humano das Nações Unidas, o IDH, que avalia os países de acordo com indicadores de saúde, escolaridade e renda da população. Embora o índice do País tenha passado de 0,762, em 2018, para 0,765 no ano passado, sua posição na lista recuou da 79ª para a 84ª no mesmo período.
Uma evolução mais favorável do IDH de outros países, um crescimento ínfimo dos indicadores de saúde e renda e a estagnação da educação foram as principais causas do resultado. O ritmo está derrubando o País no ranking global de forma continuada.
O aumento do IDH brasileiro de 0,003 é classificado pelos pesquisadores do PNUD como um “crescimento lento”. No ranking de 189 países, o Brasil está bem atrás de outros países da América Latina, como Chile (43º), Argentina (46º), Uruguai (55º), Peru (79º) e Colômbia (82º). Mesmo assim, ele continua no grupo de países considerado “de alto desenvolvimento”.
“O resultado é ruim”, avalia o economista Daniel Duque, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). “Não estamos conseguindo melhorar as condições de vida da população. Até temos alguns avanços, mas eles são muito tímidos e são mais lentos do que os avanços dos demais países em situação próxima da gente. Isso faz com que o Brasil esteja mais estagnado.”
Em 2019, a expectativa de vida no Brasil era de 75,9 anos, ligeiramente maior que a registrada um ano antes, 75,7. Em 2015, o índice era de 75 anos. Já a renda per capita anual saiu de US$ 14.182 em 2018 para US$ 14.263 no ano seguinte. Em 2015, o valor era de US$ 14.775.O desempenho do País na educação foi ainda pior. A expectativa de anos na escola (medida a partir das matrículas) está parada em 15,4 anos desde 2016. A média de anos de estudo de toda a população, por sua vez, passou de7,8 em 2018 para 8 anos em 2019.
“O Brasil sempre mostra algum avanço na saúde e a renda tem uma certa recuperação”, avalia Duque. “Mas na educação o País tem mais dificuldade de avançar.”
O Relatório de Desenvolvimento Humano da ONU apresenta o IDH de 189 países. O índice varia de 0 a 1. Quanto mais próximo de 1 for o número, melhor a classificação do país no ranking. A Noruega encabeça a lista, com 0,957, seguida por Irlanda, Suíça e Hong Kong. O último lugar da lista é ocupado pelo Níger (0,394).
Quando a desigualdade econômica entra no cálculo do índice, no entanto, a queda do Brasil no ranking é ainda maior. O País perde nada menos que 20 posições. O IDH cai de 0,765 para 0,570 - uma redução de 25%. Isso acontece porque a concentração de renda no Brasil é uma das mais altas do mundo. A parcela dos 10% mais ricos da população têm 42% da renda total. O índice ajustado para a desigualdade é calculado para 150 países.
“Essa é uma fotografia muito ruim, mas já muito conhecida do Brasil, não acho que tenha sido uma surpresa”, afirmou o economista Marcelo Neri, do FGV social. “Até houve uma variação positiva, mas dado o tamanho do nosso problema não é animador.”
O Pnud também calculou um Índice de Desigualdade de Gênero (IDG), no qual o Brasil tampouco se sai bem. O País perdeu seis posições e fica na 95ª posição entre 162 nações.
Embora as mulheres tenham uma expectativa de vida maior (79,6 anos contra 72,2 dos homens) e passem mais tempo na escola do que os homens (8,2 anos contra 7,7 anos), a renda delas ainda é muito menor. As mulheres brasileiras recebem o equivalente a 58% da renda dos homens. A participação política das brasileiras também é muito baixa: elas ocupam apenas 15% dos assentos no Parlamento.
“O rendimento das mulheres ainda é muito abaixo do dos homens”, constata Neri. “A situação deve piorar por conta da pandemia, em que elas foram mais afetadas e tiveram uma queda maior de renda e trabalho por conta de sua função dupla no mercado de trabalho e no trabalho domiciliar mais pesado.”
Em média, em todo o mundo, as mulheres recebem 56,57% da renda dos homens. Mesmo nos países com altíssimo IDH, como a Noruega, há diferenças significativas de renda (as mulheres recebem 79% da renda dos homens).
O relatório deste ano inclui um novo indicador, o Índice de Desenvolvimento Humano Ajustado às Pressões Planetárias (PHDI), que é um número ajustado do IDH de acordo com o nível de emissões de dióxido de carbono e de pegada de material per capita (volume de recursos naturais usados pela população). De acordo com a ONU, o índice deve servir como incentivo para a transformação. O PHDI do Brasil é de 0.710, ocupando a 74ª posição no ranking mundial.
Segundo o documento, a Amazônia corre o risco de se transformar de floresta tropical em uma savana com o aumento da devastação causada principalmente por incêndios e mudanças de uso das terras. "Em 2018 e 2019, a Bolívia e o Brasil vivenciaram grandes perdas florestais - a Bolívia devido a incêndios e à agricultura em larga escala e o Brasil principalmente pela exploração madeireira e desmatamento para outro uso das terras".
Um dos trechos do relatório destaca a importância da conscientização da sociedade para a preservação do meio ambiente. Mesmo com 78% das pessoas em todo o mundo concordando que sustentabilidade é importante, as ações concretas para proteger recursos naturais ainda são escassas.
Para a ONU, existem "incentivos que trabalham de forma subconsciente contra os valores das pessoas", como empresas que criam a percepção de novas necessidades sociais com investimentos de bilhões de dólares em marketing para supostos novos produtos "essenciais".No Brasil, o valor investido em marketing por apenas duas empresas - não citadas nominalmente no documento -, de US$ 1.48 bilhão, é quase oito vezes maior que o orçamento integral do Ministério do Meio Ambiente (US$0.19 bilhão).
O relatório reúne dados de 2019. Ou seja, não leva ainda em conta os impactos da pandemia de covid-19. O Pnud já sinalizou no entanto que o IDH médio do mundo (atualmente em 0,737) deve ter uma queda em 2020 por conta da doença. Isso nunca aconteceu desde que o relatório foi criado, em 1990. A queda do índice global está estimada em 0,020.
Segundo o Pnud, o novo coronavírus exacerbou as desigualdades existentes em todos os países. Pelas contas da ONU, a covid pode ter empurrado cerca de 100 milhões de pessoas para a extrema pobreza este ano, o pior revés de uma geração.
Ranking do 10 melhores colocados:
- Chile - 0.851 (43º no mundo)
- Argentina - 0.845 (46º no mundo)
- Uruguai - 0.817 (55º no mundo)
- Peru - 0.777 (79º no mundo)
- Colômbia - 0.767 (83º no mundo)
- Brasil - 0.765 (84º no mundo)
- Equador - 0.759 (86º no mundo)
- Paraguai - 0.728 (103º no mundo)
- Bolívia - 0.718 (107º no mundo)
- Venezuela - 0.711 (113º no mundo)
Ranking Mundial
- 1Noruega (0.957)
- Irlanda (0.955)
- Suíça (0.955)
- Hong Kong (0.949)
- Islândia (0.949)
- Alemanha (0.947)
- Suécia (0.945)
- Austrália (0.944)
- Holanda (0.944)
- Dinamarca (0.940)
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