BRASÍLIA - O Brasil ficou estagnado no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Relatório das Nações Unidas divulgado nesta terça-feira, 21, revela que o País alcançou o indicador 0,754 - o mesmo obtido no ano anterior -, em uma escala de 0 a 1. Com esse desempenho, o Brasil se mantém na 79.ª posição do ranking, empatado com a ilha de Granada. E pior: cai 19 posições na lista quando a desigualdade é levada em conta.
O País permanece no grupo classificado de Alto Desenvolvimento Humano. A Noruega, primeira da lista, alcançou IDH 0,949. A pior colocação foi da República Centro-Africana, com 0,352. O resultado interrompe um ciclo de crescimento nos valores do IDH brasileiro verificado desde 2004, quando o País apresentou a marca de 0,694. “O desempenho acende uma luz amarela”, avaliou a coordenadora do Relatório de Desenvolvimento Humano Nacional, Andrea Bolzon. “Temos de ficar atentos. A série histórica indicava um crescimento ininterrupto. É preciso verificar o que aconteceu.”
Compõem o ranking 188 países e territórios. O IDH brasileiro está um pouco acima da média regional da América Latina e do Caribe, que foi de 0,751 em 2015. A tendência, afirma Andrea, é de que todos avancem nos indicadores. Na edição deste ano, por exemplo, 159 países apresentaram melhora no IDH, 13 diminuíram e 16 ficaram estagnados, entre eles, o Brasil. A queda foi registrada sobretudo em países que enfrentaram condições adversas, como a Síria. Para Andréa, o desempenho brasileiro é reflexo da crise econômica que o País já enfrentava em 2015, ano da coleta dos dados.
Foi naquele ano que João Bosco Oliveira, de 46 anos, ficou desempregado. Até hoje, só uma reforma garantiu o pagamento de algumas contas, no fim do ano passado. O morador da Lapa, na zona oeste paulistana, procurava nesta terça uma vaga no Centro de Atendimento ao Trabalhador (CAT), mas recebeu a mesma resposta que ouve há dois anos: “não há vagas”. “Eu preciso trabalhar”, repetia muitas vezes, em poucos minutos, Rose Xavier, de 32 anos, moradora do Jaraguá, zona norte de São Paulo, desempregada desde setembro. Ela compareceu a duas entrevistas de emprego nesta terça e marcou mais uma para quarta. Ainda em busca de colocação, tem dois filhos e se mantém com a ajuda do irmão e da mãe.
A pesquisadora Andréa observa que entre 2014 e 2015 a pobreza no Brasil aumentou, rompendo um ciclo de queda da década anterior. Dados indicam que 3,63% da população vivia em situação de extrema pobreza, com renda mensal per capita de até R$ 70. Naquele mesmo ano, 9,96% da população era classificada como vulnerável à pobreza, com rendimento de até R$ 140 por mês. O desemprego, por sua vez, cresceu de forma expressiva no mesmo período. Os mais afetados foram jovens. A taxa de desemprego entre 15 a 24 anos em 2015 era de 23,1%, bem acima dos 17% identificados em 2014.
As notas da ONU são dadas com base na avaliação de três quesitos: saúde, educação e rendimento. Nos dois primeiros, o País apresentou discreta melhora. A expectativa de vida (usada na área de saúde) foi de 74,7 anos (74,5 em 2014). Na área de conhecimento, o Brasil obteve pequeno avanço na média de anos de estudo. Passou de 7,7 em 2014 para 7,8 em 2015.
O Palácio do Planalto atribuiu o quadro “à severidade da crise, da qual apenas agora o País vai saindo”. E espera melhoria no futuro, como reflexo de transformações em curso.
Desigualdade. No ranking de desigualdade, porém, apenas dois países têm uma queda maior no ano: Irã (que despencaria 40 posições) e Botsuana (com perda de 23). Se for considerado o Coeficiente de Gini, o Brasil é o 10.º mais desigual de uma lista de 143 países.
Para a coordenadora do Relatório de Desenvolvimento Humano Nacional, essa é uma ferramenta importante para avaliar o quanto o progresso no desenvolvimento humano não atinge a todos da mesma forma. As diferenças, diz, estão presentes até dentro de cidades. “Basta ver a renda no Morumbi, bairro da zona sul de São Paulo. A média é de R$ 13,8 mil. Em Cidade Tiradentes, zona leste, por sua vez, é de R$ 373.”
Andréa observa que há ainda muita gente sofrendo privações. “As médias escondem desigualdades. E o que não se mede não se sabe como lidar.”
Próximo ano deve ter ‘estabilidade, talvez uma queda’
A piora no componente renda já era esperada por causa da recessão que o País atravessa, segundo o economista Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador da área de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV). “Como o IDH não piorou, ficou estável, quer dizer que a gente continua evoluindo em saúde e educação.”
“Em dois anos (2015 e 2016), o PIB per capita caiu 8,5%. É de se esperar que em 2016 o IDH tenha nova estabilidade, talvez uma queda, que é reflexo dessa crise profunda e aguda que a gente atravessa”, diz Barbosa. “Mas a escolaridade média e a expectativa de vida tendem a subir.”
Para Priscila Cruz, presidente executiva do Todos pela Educação, a estagnação é influenciada pela alta evasão escolar e pelo baixo índice de entrada de jovens no ensino superior. "Por questões econômicas ou falta de interesse, só 17% deles entram na faculdade.” / COLABORARAM ISABELA PALHARES E PRISCILA MENGUE
Correções
No fim da tarde, a Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou revisão dos dados da série histórica e as novas informações indicam que a é primeira vez que o Brasil está estagnado desde 2004 e não desde o início da série histórica.
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