SÃO PAULO E NATAL - O Brasil atingiu em 2016 o maior número de mortes violentas intencionais, como homicídios e latrocínios, da sua história: 61.619 vítimas, o equivalente a 168 óbitos por dia, sete por hora. Os dados foram revelados nesta terça-feira, 30, pelo 11.º Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que mostrou ainda piora em outros índices de criminalidade, como o de policiais assassinados e de mortos por policiais, roubo e furto de veículos e estupro. O recrudescimento da violência acontece em um momento de queda de gastos do governo federal e dos Estados no setor. Pesquisadores pedem que o tema assuma destaque na agenda política dos gestores para reversão do cenário.
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A cada ano, o Fórum, para chamar atenção para a gravidade do número, escolhe uma medida de comparação em relação ao total de assassinatos. Após usar a guerra da Síria no ano passado, agora foi a vez da bomba atômica que explodiu sobre Nagasaki em 1945, durante a 2.ª Guerra Mundial. Os mais de 61 mil mortos por ano no Brasil equivalem às mortes provocadas no momento da explosão.
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“Mesmo assim, agimos como se esse número não nos dissesse respeito”, disse o diretor-presidente do Fórum, o sociólogo Renato Sérgio de Lima, que acredita na continuidade do aumento para este ano.
Mesmo com o recorde de mortes do ano passado, caminhamos para ter um ano mais violento em 2017. O País não tem um projeto para a segurança pública.
Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública
O Fórum, por meio da Lei de Acesso à Informação, requisita anualmente a todos os Estados os dados de homicídio doloso (com intenção de matar) e roubo seguido de morte (latrocínio), além de lesões corporais seguidas de morte e pessoas mortas durante ações policiais, comumente chamados de mortes decorrentes de intervenção policial. Com esses números, compõe o índice Mortes Violentas Intencionais (MVI). Em 2010, o MVI era de 50.126 e cresceu 23% desde então para chegar ao patamar atual. O aumento em relação ao ano passado foi de 3,8%, fazendo com que o País atingisse uma taxa de 29,9 mortes por 100 mil habitantes.
No recorte estadual, os destaques negativos são Sergipe, Rio Grande do Norte e Alagoas, que, respectivamente, têm as maiores taxas do País, com 64, 56,9 e 55,9 óbitos violentos intencionais por 100 mil habitantes. Outros 16 Estados registraram elevação. Roraima (19,8), Santa Catarina (15) e São Paulo (11) tem as menores taxas. Entre as capitais, as mais violentas são Aracaju (66,7), Belém (64,9) e Porto Alegre (64,1).
Gastos
Mesmo com a elevação da criminalidade, os gastos dos entes federativos com o setor caíram em 2016. Os R$ 8,8 bilhões destinados pela União são 10,3% menores do que o valor aplicado em 2015. Nos Estados, sobre quem recai a maior parte das obrigações de segurança, como a manutenção das polícias militares e civis, a verba caiu 1,7%.
O economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Daniel Cerqueira pede qualidade na destinação do recurso para melhoria da segurança. “As experiências de sucesso mostram que é necessário investir na inteligência, não é só colocar mais polícia na rua. O crime sempre cresce mais”, disse.
O Estado solicitou entrevista com o ministro da Justiça, Torquato Jardim, para realizar questionamentos sobre o tema, mas não obteve resposta da pasta.
‘Dor que não se cura’, diz mãe de vítima no RN
“Essa dor que eu sinto ninguém cura. As lembranças lindas do meu amado filho ninguém vai apagar da minha memória e do meu coração.” A dona de casa Rita de Cássia dos Santos ainda espera resposta da polícia sobre quem matou Rodrigo Medeiros dos Santos, de 33 anos, em 25 de março de 2016, em Natal. Ele, que trabalhava em uma revendedora de veículos, havia saído de casa para encontrar amigos e nunca mais voltou.
Em 2016, o crescimento das mortes violentas intencionais no Rio Grande do Norte foi de 18% em relação ao ano anterior e alcançou a taxa de 56,9 mortos a cada 100 mil habitantes. O Estado só ficou atrás do também nordestino Sergipe, que contabilizou 64 assassinatos por 100 mil habitantes.
A dor de Rita é compartilhada pela dona de casa Adriana Lúcia da Silva, que, em Maceió, viu o marido e o enteado serem mortos. No dia 6 de agosto deste ano, ele estava na frente de um bar próximo de casa, no bairro Ponta Grossa, quando homens armados chegaram em dois veículos e descarregaram as armas. O marido, sargento da reserva da PM, foi atingido por 17 disparos. Até agora ninguém foi preso.
A Secretaria da Segurança do Rio Grande do Norte atribui o crescimento a brigas entre facções “alimentadas pelo tráfico de drogas”. A Secretaria de Alagoas não comentou os dados de violência. / COLABORARAM RICARDO ARAÚJO E JOSÉ MARIA TOMAZELA
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