Mauricio Ferrazza cresceu numa chácara em Birigui, no interior de São Paulo, rodeado de 365 arvores frutíferas. "Eu cresci com o pé no chão, jogando pedra em caixa de abelha e correndo, empinando papagaio. Essa foi minha infância", lembra com carinho o paulista que também adorava desenhos animados: Tio Patinhas, Perna Longa e Mickey Mouse eram alguns dos favoritos. "Assistia a todos que passavam na televisão, adorava todos", diz. "Era um humor que sempre gostei, um humor inteligente". Mauricio, hoje com 48 anos, ainda assiste desenho animado - mas não só como hobby ou para se entreter. Ele também os cria, se tornou um dos nomes mais reconhecidos no meio da animação nos Estados Unidos e acaba de abrir o maior estúdio de animação da costa leste do país. "Nem empresas, estúdios de animação têm uma estrutura dessa", diz Mauricio, orgulhoso, principalmente, dos objetivos por trás do espaço que ele visualizou e elaborou com o apoio de US$ 13 milhões do Estado da Flórida para alunos do Miami Dade College, uma das maiores faculdades públicas e centros profissionalizantes do país. "O aluno vai ter acesso a toda tecnologia de ponta usada hoje pelas indústrias de animação e videogame". Mauricio criou um programa acadêmico de dois anos do qual os alunos saem com um diploma e experiência prática para conseguirem um emprego na área, que vem se expandindo cada vez mais.
A animação em 3D está transformando vários setores, como de educação, medicina, arquitetura e outras, diz ele. "Hoje universidades de medicina, por exemplo, usam animação em 3D para mostrar como operar um paciente, você mostra como é feito", diz. "Na indústria de arquitetura, hoje você pode criar um prédio antes de ser construído, e o cliente pode entrar no apartamento, ver como vai ser, como vai estar - e tudo isso é criado pelo ramo de animação". Mauricio preparou uma exposição extensa da atividade para apresentar ao Estado junto à direção do MDC para aprovação do currículo na instituição com verba estadual. Ele mapeou todas as empresas que utilizam animação na Flórida. Há 16 mil empresas no Estado que usam animação em várias indústrias. "O potencial de emprego hoje é de 2 mil por ano [no condado de Miami-Dade], com projeção de crescimento de 6% em 10 anos, ou seja, é uma indústria que está crescendo". Mauricio vai dirigir o novo departamento do MDC: Animation & Game Development (Animação e Desenvolvimento de Videogames), localizado no novo estúdio MAGIC -Miami Animation & Gaming International Complex (Complexo Internacional de Animação e Desenvolvimento de Videogames), tudo planejado por ele, inclusive o nome. Ele desenvolveu dois currículos. Um é "Animação e Arte para Videogames", que envolve arte para desenho animado ou outro ramo da animação, e arte para criação de videogames. O outro é "Desenho e Desenvolvimento de Videogames", que é mais voltado à programação do que criação. A primeira turma começa em agosto com 40 alunos, com todas as vagas já preenchidas. A meta é atingir a capacidade máxima, de 600, nos próximos anos. O estúdio tem 107 estações de computadores com todos os softwares mais modernos usados na indústria, uma ilha de edição de vídeo, gravação de áudio, correção de cores, um cinema, além de salas de aula e uma sala de reuniões com equipamento de alta qualidade para videoconferência, já pensando na relação profissional com grandes líderes do ramo, como Disney, Cartoon Network, Nickelodeon, Dreamworks, entre outros, e todos que fazem parte de amizades e relacionamentos que Mauricio foi conquistando ao longo dos anos. "Todo ano passo duas semanas em Los Angeles para ir na Disney, onde Walt Disney trabalhava", diz, rindo. "Tenho que passar no escritório dele todo ano, só para ver". Sua paixão por animação começou 20 anos atrás, quando assistiu ao primeiro "Toy Story", da Pixar Animation Studios. "Um desenho totalmente animado em 3D, mudou o mundo da animação e da indústria cinematográfica", diz Mauricio, que começou sua história com os Estados Unidos e o mundo criativo bem antes.
Mauricio Ferrazza conta o segredo do seu sucesso e deixa um lição para os jovens. Por Chris Delboni. from Chris Delboni on Vimeo.
Seus avós, todos italianos, insistiam em que os netos - ele e duas irmãs mais velhas - tivessem uma experiência fora do Brasil, e todos fizeram o colegial numa escola em Denver, Colorado. Como suas irmãs, com 15 anos, ele pegou um avião sozinho em São Paulo e desceu nos Estados Unidos. "Foi uma das experiências mais interessantes da minha vida. Você cresce não sei quantos anos em uma semana - porque não tem muito jeito - tem que cozinhar, passar, lavar - tive que aprender a fazer tudo isso", conta. "Foi ótimo, foi uma experiência maravilhosa que me abriu a cabeça mesmo". As irmãs voltaram sem o menor problema, mas ele não queria ir embora quando o curso terminou. "Quando cheguei aqui, tudo parecia estar no lugar certo, da maneira certa - eu me encaixei no mundo, na vida americana, no mundo americano como uma luva", conta. "Foi um mundo que se abriu na minha frente de possibilidades que eu não tinha - teatro, música, viagens com a escola - nunca tinha passado por isso". Mas, quando o curso acabou, a família não permitiu que ele ficasse. Voltou ao Brasil, fez faculdade de propaganda e marketing na FAAP - mas nunca trabalhou na área. Formou-se e foi ser ator, com 21 anos. Fez várias peças de teatro, como "Blue Jeans", interpretações de Shakespeare, e na televisão participou do elenco da novela "Mulheres de Areia",da Rede Globo, e do seriado "Anos Rebeldes", entre outros. Trabalhou 10 anos, com sucesso, como ator e produtor de peças, até que uma viagem de férias para Miami mudou sua vida. Veio visitar uns amigos, 21 anos atrás, em South Beach e nunca mais voltou.
"Tinha casa, minha vida inteira no Brasil", diz. "Liguei para minha mãe e disse: 'dá para a senhora tirar todos os móveis do apartamento e alugar, por favor', e ela fez. Foi para São Paulo, pegou os móveis e alugou o apartamento - alugado até hoje no Itaim Bibi".Mauricio ficou em Miami Beach e resolveu fazer dois anos de mestrado em animação na Miami International University of Art & Design, aos 27 anos."Fui pra rua, arrumei emprego de garçom no Front Porch Café na Ocean Drive e fiquei lá três anos", diz Mauricio, que antes de se formar já foi contratado pela Univision, rede de televisão hispana com sede em Miami, onde ele começou no departamento de promoções e saiu, 15 anos depois, como diretor de arte, tendo sido responsável por gráficos e animações de grandes coberturas ao vivo como vários Grammys e Copas do Mundo.Mas, determinado e sempre em busca de novos desafios, isso não era o suficiente.Quando, em 2004, o Art Institute of Pittsburgh, uma das escolas mais antigas de arte dos EUA, o convidou para criar um departamento de animação para o programa online, ele não resistiu e acrescentou a atividade acadêmica às suas responsabilidades na Univision.Tudo ia bem, mas em 2010 Mauricio sentiu que faltava algo mais prático para os alunos, e assim criou um festival de animação em Miami, MIA ANIMATION Conference & Festival, que este ano será realizado em 16 e 17 de outubro em Miami, pela primeira vez, na sede do MAGIC.No primeiro ano, o festival teve pouco mais de 100 participantes e 12 trabalhos submetidos para avaliação. Este ano, o edital abriu em 1 de maio, e mais de 100 curtas metragens de animação já foram recebidos. O prazo para entrar na competição é 15 de setembro. Tem duas categorias: estudante e jovens diretores. A expectativa é que o numero de participantes ultrapasse 1.000."Toda missão do festival e da conferência é ajudar alunos e profissionais recém-formados a se lançarem na vida, conseguirem um emprego", diz Mauricio, fundador e presidente do MIA ANIMATION. "Durante um ano, a gente promove o trabalho do vencedor do festival, daquele artista, daquele animador".O vencedor não recebe dinheiro, mas ferramentas necessárias para crescer profissionalmente, diz Mauricio, que traz grandes líderes da indústria para julgar os trabalhos e fazer palestras e workshops durante dois dias.E foi o sucesso do MIA ANIMATION que levou o MDC, sede do festival há dois anos, a convidá-lo a criar um novo departamento e estúdio de animação na instituição acadêmica, constituindo-se uma perfeita união."Acreditamos [eu e MDC] na mesma proposta - que você realmente transforma vidas através da educação. Não adianta você dar uma casa para uma pessoa, dar um carro, dar US$ 50 por mês", diz ele. "A partir do momento em que a pessoa tem uma educação, adquire esse conhecimento, ela passa a se sentir orgulhosa dela mesma. Todo ser humano quer trabalhar, quer produzir, e quando você começa a produzir, a trabalhar, isso transforma o ser humano, tira o ser humano da pobreza, tira o ser humano de drogas, tira o ser humano de qualquer caminho que possa ter desviado esse indivíduo na vida. A educação transforma vidas, transforma tudo".E agora para completar sua missão, só falta uma coisa: "Que nenhum aluno do MAGIC precise pagar para estudar", diz Mauricio. "Já estou trabalhando nisso".Serviço: Para mais informações do MIA ANIMATION Conference & Festival, visite: http://www.miaanimation.com. O prazo para concorrer com um trabalho de animação é 15 de setembro de 2015. O evento será realizado 16 e 17 de outubro em Miami.
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