Preso pela Interpol no Aeroporto Internacional do Panamá no dia 21 de dezembro, sob suspeita de latrocínio de cidadão brasileiro na Filadélfia, no Estado americano da Pensilvânia, Bruno Menezes de Freitas, de 19 anos, pode ser extraditado para os Estados Unidos, e lá cumprir prisão perpétua sem direito a condicional se o país norte-americano não garantir o cumprimento de um tratado internacional. Natural de Ipatinga, Minas Gerais, o jovem foi detido quando fazia a conexão de um voo que partiu do México para o Brasil. O pedido de extradição já foi feito pela Justiça americana às autoridades panamenhas.
Freitas morava nos Estados Unidos havia três anos e estava acompanhado de ao menos mais um brasileiro no momento do crime, cuja autoria ele nega. Segundo as autoridades americanas, o homicídio foi consequência do outro crime originalmente pretendido: praticar um roubo contra a vítima. Na Pensilvânia, apesar de vigorar uma moratória às execuções capitais (pena de morte), o latrocínio (felony murder) é automaticamente considerado homicídio de segundo grau (second degree murder), e recebe pena mandatória de prisão perpétua.
Mais do que uma extradição comum, o caso de Bruno Freitas assume contornos de potencial imbróglio judicial. A aplicação da pena de prisão perpétua a condenados extraditados fere a Convenção Interamericana sobre Extradição da Organização dos Estados Americanos (OEA).
Segundo o acordo, a extradição não deve ser concedida quando o crime for punido no país requerente com a pena de morte ou de prisão perpétua. “Os Estados Partes não deverão conceder a extradição quando se tratar de delito punido no Estado requerente com a pena de morte, com pena de privação perpétua de liberdade ou com pena infamante, a não ser que o Estado requerido tenha obtido previamente do Estado requerente garantias suficientes, dadas por via diplomática, de que não será imposta à pessoa reclamada nenhuma dessas penas, ou de que, se forem impostas, tais penas não serão executadas”, diz o texto.
Também o tratado bilateral vigente entre EUA e Panamá veda a extradição de indivíduos sujeitos no país requerente a penas proibidas na nação de origem. Caso o requerente se comprometa a não aplicar a prisão perpétua, a pena máxima possível é a mesma do país requerido. Ou seja, no caso de Freitas, se os EUA garantirem o cumprimento do tratado internacional, o brasileiro estará sujeito a pena máxima de 30 anos de prisão, conforme prevê a legislação do Panamá.
Audiência
Dois dias após a prisão, Bruno Freitas foi ouvido, em 23 de dezembro, durante a primeira audiência para a extradição. Sem que a Embaixada brasileira fosse alertada, o jovem – que não fala espanhol – foi assistido por um defensor panamenho e se recusou ser enviado para os Estados Unidos, alegando querer retornar ao Brasil. Por mensagem de áudio, ele conseguiu alertar sua família e um advogado foi contratado no Brasil.
No dia 27 de dezembro, o advogado Bernardo Simões Coelho, representante do escritório Barroso e Coelho Advocacia, chegou ao Panamá para encontrar o rapaz. Apenas no dia seguinte, no entanto, e depois de percorrer uma série de delegacias da Cidade do Panamá, conseguiu localizá-lo já não mais sob a custódia da Interpol, mas sim no prédio da Direção Nacional de Investigações Judiciais.
Segundo Coelho, no presídio o jovem vem sendo bem tratado, dentro das limitações locais. “Não é muito diferente de um presídio brasileiro, mas está sendo bem tratado”, afirma. “Garantiram a ele o direito de falar com sua família e de contratar um advogado. Agora (nesta semana), ele foi transferido para uma prisão de segurança máxima.”
Na última semana, Freitas entrou em contato com a mãe, Ana Cristina de Menezes, de 40 anos, auxiliar de limpeza. “Ele está sendo bem tratado e está num tipo de quarentena, então está sendo mantido sozinho na cela por enquanto, sem contato com outros presos”, afirma ela
A mãe diz que o rapaz tem, aparentemente, se mantido forte, mas teme pela possibilidade de ele passar o resto da vida preso sem possibilidade de liberdade condicional. “Não sei como uma pessoa pode receber essa notícia, ainda mais aos 19 anos”, diz.
De acordo com Ana Cláudia Ruy Cardia Atchabahian, professora de Direito Internacional do Mackenzie, a possibilidade de o jovem ser extraditado para os EUA é grande, assim como do país norte-americano cumprir o tratado internacional e se comprometer a não aplicar a pena máxima prevista no Estado da Pensilvânia. “Certamente o Panamá fará o pedido para que ele não seja condenado à prisão perpétua, caso ele venha a ser condenado”, diz. “Acho difícil de acontecer (os EUA não cumprirem o acordo internacional) pois há um tratado e também conta a relação dos dois países.”
Nesse contexto, o papel do governo brasileiro é o de provocar as autoridades panamenhas para que a regra seja cumprida. Apesar de a defesa pleitear que o caso seja julgado no Brasil, por se tratar de crime envolvendo apenas cidadãos brasileiros, isso não deve acontecer, explica a professora do Mackenzie. Caso Freitas seja condenado, no futuro, o cumprimento da pena pode ser transferido para o País. “O Brasil pode fazer o requerimento de transferência de sentença às autoridades federais dos EUA. Essa é uma possibilidade, pois existem tratados de cooperação judicial entre os dois países”, diz.
O que diz o governo do Brasil
Segundo o Ministério das Relações Exteriores, a Embaixada do Brasil na Cidade do Panamá tem conhecimento do caso de Bruno Freitas e está prestando a assistência em conformidade com os tratados internacionais vigentes e com a legislação local. A pasta afirma que “brasileiros condenados pela Justiça norte-americana e presos nos EUA podem ser transferidos ao Brasil para o cumprimento do restante de sua pena, se assim os dois países concordarem, nos termos da Convenção Interamericana sobre o Cumprimento de Sentenças Penais no Exterior, da qual os dois países são parte”.
Procurado, o Departamento de Estado americano informou que, “de acordo com nossa política de longa data, não comentamos assuntos relacionados à extradição (incluindo se algum pedido de extradição foi feito)”.
Até a publicação desta reportagem, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, assim como a Procuradoria Superior de Assuntos Internacionais do Panamá, não se manifestaram.
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