Nesta semana faz quatro anos que rompeu a barragem da mineradora Vale, em Brumadinho (MG). Entre as famílias das 270 vítimas da tragédia, três seguem à espera de uma chance de ter velório, enterro e uma despedida: os corpos não foram achados sob o mar de lama. Na esperança de dar ponto final a este capítulo, a força-tarefa de bombeiros e policiais mantém buscas e trabalhos de análise dos vestígios coletados no lugar que um dia foi a Mina do Córrego do Feijão.
“Nossos amados não pertencem ao lugar da tragédia. As buscas são uma forma de reparação com as vítimas sendo recuperadas”, diz Patrícia Borelli, filha de Maria de Lurdes da Costa Bueno, de 59 anos, corretora de São José do Rio Pardo (SP) que estava hospedada em uma pousada em Brumadinho. Ela, o marido, Adriano Ribeiro, dois enteados, Luiz e Camila Taliberti, e a nora Fernanda Almeida, grávida, foram soterrados junto com mais hóspedes, funcionários e os donos do local.
Os planos eram de fazer uma visita ao museu Inhotim. As famílias de Nathália de Oliveira Porto Araújo, de 25 anos, e de Tiago Tadeu Mendes da Silva, de 34, – ela estagiária e ele funcionário da Vale – são as outras que seguem na espera.
Com o passar do tempo, a preocupação dos bombeiros e da Polícia Civil é de que se perca a qualidade do material ainda existente, por causa das chuvas e da decomposição, prejudicando que se encontrem resquícios das demais vítimas.
Trabalho de campo continua diariamente
Quase 6 mil bombeiros militares atuaram nas sete fases de buscas. Hoje, a 8ª etapa atua com cinco estações, que consistem em equipamentos de peneiramento, acompanhados de bombeiros que verificam possíveis fragmentos. São processadas cerca de 200 toneladas por hora em cada equipamento. Nesse tempo, duas interrupções atrapalharam: a pandemia e as fortes chuvas que assolaram a Grande Belo Horizonte no fim de 2021 e início de 2022. O trabalho continua diariamente.
Se para muitos soa improvável ainda achar restos mortais, uma notícia em dezembro reavivou a esperança: foi identificada a supervisora da Vale Cristiane Antunes Campus, de 35 anos – a 267ª vítima.
Familiares dos desaparecidos criaram a Comissão dos Não Encontrados – no início eram 11 – e fazem a ponte entre as instituições (como Polícia Civil, bombeiros e Ministério Público) e os parentes dos outros. “Toda família merece sepultar o seu. Ninguém pode ficar lá perdido. Pode demorar, a gente não sabe que dia, é tudo no tempo de Deus”, diz Natália de Oliveira, professora em Brumadinho e irmã de Lecilda, identificada no fim de 2021.
Ela e dois parentes de outras vítimas, Josiana Resende, mais conhecida como “Jojo”, e Geraldo Resende, levam informações às outras famílias, mesmo após os seus já terem sido achados. “Sempre me emociona muito, eles têm carinho com minha família, sempre representam e homenageiam minha mãe na minha ausência”, diz Patrícia, que vive nos Estados Unidos e quer visitar o grupo em Brumadinho em abril.
Identificação de vítimas é feita por diferentes métodos
Por causa do tempo, o material biológico que sai da mina e chega ao Instituto Médico-Legal (IML) vem mais deteriorado, relata o médico legista responsável pelas identificações de 2019 até agosto de 2022 na Polícia de Minas, Ricardo Araújo. Ele era da diretoria do IML até o desastre, quando foi designado para realizar identificações e manter contato com as famílias.
Dentre os métodos científicos usados, estão a papiloscopia (impressão digital), o exame da arcada dentária e o de DNA. Na primeira semana, a impressão digital foi capaz de reconhecer 79 vítimas, e no primeiro mês, cerca de 120. Mas, diante do tipo de acidente, muitos foram mutilados, o que faz com que diversas partes da mesma pessoa sejam encontradas em momentos distintos.
As reidentificações, desde o início, já ultrapassaram o número de primeiras identificações. Significa que foram encontradas mais partes de uma mesma vítima do que de pessoas diferentes. São 1.003 casos levados pela frente de busca até dezembro, de um total de 270 atingidos, reflexo da segmentação dos corpos.
Foi preciso criar um banco de dados com as digitais dos desaparecidos, para fazer o reconhecimento por meio de leitor biométrico. Houve ainda entrevistas com as famílias para saber características, como tatuagens, tratamentos odontológicos, coleta de DNA e busca ativa em hospitais e clínicas por exames das vítimas.
Agora, impressões digitais e elementos dentários não funcionam mais e se usa o exame de DNA. Mas como o material biológico usado também se decompõe, é preciso analisar tecidos duros, como ossos. Para Araújo, será possível identificar todos. “Tecnologicamente estamos preparado e não trabalhamos com data-limite”.
Outras famílias seguem acompanhando as buscas na esperança de que mais partes de seus familiares sejam achadas, apesar de já terem sido identificados. Dentre eles, Arlete, mãe de Vagner Nascimento e Eva, mãe de Renato de Souza. “O que se encontrou do familiar deles era tão pouco que não quiseram por no caixão”, afirma Natália, da Comissão.
No Brasil, 84 barragens estão em nível de alerta e emergência
Apesar dos graves acidentes de barragens da última década, como o rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana e o Córrego do Feijão, em Brumadinho, que deveriam deixar o País em alerta, o Brasil ainda tem muitos casos de situações de risco no meio.
O último relatório divulgado pela Agência Nacional de Mineração (ANM) em dezembro de 2022, mostra que o ano foi finalizado com 84 barragens em situação de alerta ou emergência declarada, estando 52 delas em Minas Gerais.
São 926 barragens de mineração cadastradas no Sistema Integrado de Gestão de Barragens de Mineração (SIGBM), das quais 463 estão enquadradas na Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB). Em 2022, apenas 281 foram vistoriadas.
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