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Havia retratos, no meio do caminho havia retratos

National Portrait Gallery: uma paixão que o acaso me fez encontrar em Londres

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Os retratos do Rei Henrique VIII e da Rainha Catarina de Aragão produzidos em 1520 Foto: Bruna Toni/Estadão

É preciso admitir certos defeitos. Eu, por exemplo, sou uma pessoa perdida na matéria direções. Sim, uso GPS em viagens sempre que possível, faço cautelosamente download de mapas para usar offline e frito o cérebro tentando entender onde estou e para onde devo ir num lugar desconhecido. Mas admito um segundo defeito: talvez por ansiedade, talvez por alguma preguiça, talvez por ambas, não gosto muito de ter de seguir roteiros estabelecidos sem a brecha do espontâneo. É tão genial poder sair à deriva sem um guia nas mãos…

Ocorre que, em viagens, nem sempre se tem tempo suficiente para deixar apenas o acaso levar a lugares interessantes. E há, claro, pessoas que simplesmente preferem planejar cada passo do roteiro previamente, o que também é válido. 

Assim, faço o tipo de turista que fica no meio do caminho. E, nisso de planejar ir a lugares específicos, deixando frestas de liberdade para poder desviar caminhos, acabei diante da porta lateral da National Gallery, que já estava no meu roteiro prévio de museus de arte imperdíveis em Londres. Entrei sem hesitar. 

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Como disse, não sou uma pessoa que se encontra com facilidade. Às vezes (muitas) acabo me dando mal. Noutras, contudo, me vejo diante de preciosidades como a que encontrei no dia da tal porta lateral. A expectativa era mergulhar nas milhares de obras de arte da National Gallery. A realidade foi que acabei descobrindo – e me apaixonando – pela

National Portrait Gallery

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, museu que faz parte do mesmo complexo, mas que é inteiramente dedicado à longa história da arte dos retratos. 

Se um dia fui apaixonada por retratos não me lembro. Meu caso de amor com a galeria londrina, a maior coleção de retratos do mundo, produzidos entre o século 16 e os dias atuais, entretanto, parece ser um daqueles casos em que a arte desperta na gente algo inimaginável, sentimentos curiosos. Rolou uma fascinação instantânea, maior do que o tempo que eu tinha disponível para dar conta de todas as suas salas. Para se ter uma ideia, só a coleção primária tem onze mil retratos, sendo quatro mil deles pinturas, esculturas e miniaturas, com 60% exposto ao público.

É provável que parte do meu encanto tenha sido a percepção de que é possível contar uma história (ou muitas) a partir de retratos. Aos historiadores, é uma fonte importantíssima a ser considerada e analisada; aos apreciadores de arte, nem preciso dizer, é um universo de técnicas e contextos; aos viajantes, uma aventura que reúne múltiplos interesses entre história e arte. 

A National Portrait Gallery organiza sua exposição permanente pensando na narrativa da história da Grã-Bretanha. Foi ali que, entre tantas coisas, entendi um pouco mais sobre as dinastias Tudor e Elisabetana, que reinaram na região entre o século 15 e 17. E mesmo que você dê de cara com o rosto sisudo do Rei Henrique VIII ou da elegante Rainha Mary I e não saiba de quem se trata, você vai acabar se deparando com rostos ingleses conhecidos como o de William Shakespeare, da Rainha Elizabeth – inclusive em versões de retratos com uso de tecnologia interativa – e da escritora J.K. Rowling, a autora de

Harry Potter

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Isso sem falar de sua riquíssima coleção de gravuras, fotografias e negativos produzidos desde 1840 – a primeira foto de que se tem notícia é de 1826, ou seja, é possível dizer que a história da fotografia está presente na National Portrait desde o início.

Fiz o que pude na primeira visita surpresa e, quando a voz nas caixas de som avisou que o museu estava fechando, percebi que ainda faltavam muitas salas. Pronto, lá estava eu quebrando meu princípio viajante de andar à deriva. O feitiço virou contra o feiticeiro e o acaso me surpreendeu tanto que, no fim, acabei por planejar bem planejado meus dias restantes em Londres só para poder retornar à galeria mais vezes. O que uma paixão não faz, afinal.

*ESCREVA PARA VIAGEM.ESTADAO@ESTADAO.COM.

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