Até pouco tempo atrás, um dos grandes temas (prosaicos) de discórdia entre amigos e nas redes sociais eram as tomadas de três pinos. A discussão agora é outra: cardápio em QR Code. A modalidade ganhou impulso durante a pandemia – quando manipular cardápios impressos passou a oferecer algum risco de contágio do vírus da covid-19 – e permanece até hoje. Mas muita gente torce o nariz, e a discussão aos poucos vai chegando às Assembleias Legislativas dos Estados. Na última semana, o Rio aprovou lei que exige que os estabelecimentos ofereçam o modelo físico. Minas Gerais e Distrito Federal também discutem o tema.
No Rio, o projeto de lei 6.392/22, de autoria do deputado Rodrigo Amorim (PTB), foi aprovado na terça-feira,9, e agora só espera a sanção do governador Cláudio Castro (PL). “Alguns estabelecimentos ainda utilizam o cardápio digital de forma exclusiva para diminuir custos. Isso tem criado constrangimentos e transtornos para pessoas idosas e demais cidadãos que não estão com celular no momento da refeição ou mesmo dependem da conexão de internet, muitas vezes nem sequer disponibilizada pelo estabelecimento”, afirmou Amorim.
A lei aprovada pela Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) atinge não somente bares e restaurantes, mas também hotéis, motéis e estabelecimentos similares que comercializem bebidas, refeições ou lanches. De acordo com o texto, os locais passarão a ser obrigados a disponibilizar uma versão impressa do cardápio, e não apenas a digital.
No Distrito Federal, um projeto semelhante do deputado Robério Negreiros (PSD) tramita desde o início do ano passado e aguarda parecer da Comissão de Defesa do Consumidor. Na justificativa do projeto de lei, Negreiros argumenta que cardápios digitais trazem dificuldades para as pessoas mais velhas.
“Com efeito, os idosos têm grande dificuldade de lidar com a tecnologia, pois não viveram uma parte da curva da tecnologia. O processo de aprendizagem para eles tem que ser adaptativo, não é possível ensiná-los da mesma forma que seria ensinado a um jovem”, sustenta o deputado distrital. “Além da dificuldade em relação ao uso da tecnologia, as condições de saúde como baixa visão, perda de visão, catarata, afetam a utilização e o acesso pelos idosos aos cardápios digitais, que se sentem extremamente excluídos de algo que seria simples, escolher o que comer.”
Na Assembleia Legislativa de Minas Gerais também já tramita um projeto nos mesmos moldes. De autoria do deputado Delegado Christiano Xavier (PSD), o texto aguarda parecer da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
“Os cardápios virtuais pressupõem que o cliente tenha um smartphone e internet disponível, o que nem sempre ocorre. Além disso, algumas pessoas, principalmente as idosas, têm dificuldades com tecnologia. Dessa forma, para que não haja exclusão de nenhum cidadão, é preciso haver a opção do cardápio impresso nos estabelecimentos comerciais, de maneira a garantir-se o amplo acesso a informações sobre os produtos comercializados, em conformidade com o que estabelece o Código de Defesa do Consumidor”, justifica o deputado no projeto de lei.
Saiba mais
Para a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), cardápio por QR Code é uma questão de mercado, não de lei. Uma recente pesquisa da entidade (realizada no segundo semestre de 2022) mostrou que 38% dos estabelecimentos adotam e 25% estão em implantação/pretendem adotar cardápios em QR Code (enquanto 11% tiveram e deixaram de adotar após o fim das restrições impostas pela pandemia).
“O cardápio via QR Code já era uma tendência antes da pandemia e ganhou força com ela, assim como aconteceu com o delivery de comida. Os bares e restaurantes são quem melhor conhecem seus consumidores, entendem seus hábitos e preferências. Por isso, é descabida essa tentativa de impor uma obrigação de ter menus impressos nos restaurantes. Veja bem, não estamos dizendo que esse formato é ruim ou desnecessário, e sim defendendo o direito do próprio negócio tomar essa decisão. Para isso vivemos em um ambiente de livre concorrência. Essas leis são a velha e boa mania do estado de interferir onde não é chamado e nem é preciso”, afirma o presidente da Abrasel, Paulo Solmucci.
A pesquisa da Abrasel também ouviu os empresários em relação às vantagens do cardápio eletrônico: só 13% apontaram a substituição dos garçons, bem atrás de agilidade pra atualização (54%), apresentação mais atrativa dos itens (42%) e redução dos custos de produção (39%). Entre os motivos para não adotar, o mais citado é exigência dos clientes pelo cardápio físico (40%), mais vendas quando o atendimento é feito pelo garçom (25%) e dificuldade dos clientes em fazer pedidos usando o cardápio por QR Code (21%).
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.