Cartas podem ter mais impacto que email na defesa de direitos humanos

Protestos enviados pelo correio são mais difíceis de se ignorar do que emails ou manifestações nas redes sociais.

PUBLICIDADE

Na hora de protestar contra alguns casos de violação de direitos humanos, uma carta pode ter muito mais poder do que um email, uma petição online, uma foto compartilhada ou milhares de "curtir" no Facebook. Quando, por exemplo, um ativista brasileiro teve de fugir no ano passado após dezenas de ameaças, a ONG Anistia Internacional incentivou seus colaboradores a usar caneta e papel para pressionar o Ministério da Justiça. "Milhares de cartas em sua mesa é algo bem mais difícil de ignorar do que emails, que você bloqueia ou deleta tudo em um click", diz Renata Neder, assessora de Direitos Humanos da organização. "Mesmo se uma ação entrar no trending topics do Twitter, isso pode ser ignorado. Mas ninguém consegue impedir que uma carta chegue." Outras organizações, como o Greenpeace e Avaaz, também usam métodos "antigos" para pressionar autoridades. "Quando queremos investir em várias frentes, usamos outras iniciativas fora da internet. Foi o caso da campanha ligada ao Código Florestal, no qual incentivamos as pessoas enviar um fax para o gabinete do presidente do DEM, Rodrigo Maia", afirma Elcio Figueiredo, coordenador do Greenpeace Brasil. No caso da Avaaz, em 2011, foram enviadas em uma ação 40 mil cartas ao então secretário da Cultura britânico Jeremy Hunt sobre o caso envolvendo o magnata da mídia Rupert Murdoch. O próprio político chegou a dizer que ter seu gabinete inundado de cartas influenciou sua decisão sobre o caso. Maratona No fim do ano, a Anistia organizou um evento em todo mundo, chamado "Cartas por Direitos", no qual deu destaque a seis ativistas que estavam em situação de risco e pedia para seus colaboradores enviarem cartas pressionando autoridades. No Brasil, foram enviadas ao menos 3 mil cartas pedindo proteção especialmente aos ativistas Nilcilene Miguel de Lima, que luta pelo direito à terra e contra a exploração ilegal de madeira, e Alexandre Anderson, que defende o direito de pescadores na Baía de Guanabara, no Rio. O organização orientava os participantes a enviarem cartas diretamente para a ministra Maria do Rosário, da secretaria de Direitos Humanos da Presidência, ao secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, José Mariano Beltrame, e ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Também era possível mandar cartas para o escritório da Anistia, que enviaria para as autoridades. A ação, divulgada pela mídia e com eventos em cinco cidades, teve como resultado fazer com que a história desses ativistas ficasse conhecida pelo público em geral. Solidariedade Além desse tipo de impacto, Renata explica que há outros dois tipos de resultados esperados nessas "maratonas de cartas". "O principal deles é quando há uma pressão direta nas autoridades competentes e, por exemplo, ocorre a libertação do ativista preso injustamente ou o início das investigações do caso", diz. Esse resultado, segundo Renata, foi obtido em dois casos na campanha organizada pela Anistia no ano anterior. No México, o governo assumiu formalmente a responsabilidade pelo caso em que duas mulheres tentavam provar, até então em vão, que haviam sido estupradas por militares. Já no Azerbaijão, um ativista preso por comentários contra o governo feitos online, recebeu um indulto e foi solto poucos dias após o início da campanha em seu favor. No entanto, a assessora da Anista lembra de um outro tipo de resultado que tem um impacto de menor repercussão mas igualmente importante. "Em alguns casos, pedimos que sejam enviadas cartas a defensores dos direitos humanos que estão presos há muito tempo. E é impressionante a força que isso dá a esses prisioneiros", conta. É o caso do ativista indonésio Filep Karma, preso há 7 anos por participar de um protesto. Em um vídeo, ele falou do impacto que a campanha teve sobre ele: "Queria agradecer a todos que me enviaram cartas, notas e cartões postais. Recebi muitas mensagens de estudantes de todas as cidades. Essas cartas sempre me deram e me dão muita esperança, esperança para continuar." BBC Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização por escrito da BBC.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.