Eles vieram em fila. Todos de cabeça baixa e mãos para trás. Um a um, passaram pelo corredor de policiais e embarcaram nos quatro caminhões estacionados na Divinéia. Eram os últimos 74 presos que restavam na Casa de Detenção de São Paulo, no Complexo do Carandiru. O comboio que os levou partiu às 11 horas de hoje. O maior e mais famoso de todos os presídios do País chegava ao fim. A festa, organizada pelo governo estadual, teve música, balão, protesto e até quem chorasse de tristeza. A Casa de Detenção era um dos cinco presídos do Complexo do Carandiru - os demais continuarão onde estão. "Nós não estamos desativando o complexo, mas a Casa de Detenção, que não tinha a menor condição de funcionar, nem mesmo sanitária", afirmou o governador Geraldo Alckmin. O governador chegou às 10 horas. Na Avenida Cruzeiro do Sul, um grupo de moradores de São Bernardo do Campo e militantes petistas esperavam-no com faixas para protestar contra a construção de uma cadeia naquela cidade. "São Bernardo tinha uma cadeia péssima e estamos trocando por uma boa, segura." Alckmin entrou na Detenção, onde era aguardado por secretários de Estado, deputados e funcionários da prisão. Caminhou pelo enorme pátio entre os pavilhões - a Divinéia - e seguiu para o Pavilhão 8, um dos que serão demolidos. Subiu a estreita escadaria e passeou pela Radial, o corredor entre as celas usado pelos presos para os acertos de contas na ponta da faca, geralmente, após as visitas do fim de semana, nas famosas "segundas sem lei" da Detenção. Tudo vazio, exceto algumas celas do Pavilhão 7, onde estavam os últimos presos. Cadillac - Perto dali, agachada em um canto do pátio interno do pavilhão, estava a rainha dos detentos, a cantora Rita Cadillac. Ela chorava. "É uma parte da minha vida que se vai." Ao lado da rainha, um dos mais conhecidos funcionários do presídio, José Francisco dos Santos, o Chiquinho da Detenção. Após 35 anos no presídio, ele agora vai coordenar a comissão que vai cuidar do acervo e dos documentos da prisão. "Eu tenho consciência de que devia acabar, mas também estou triste." Ele lembra do mais mais famoso preso da Detenção, o Lupércio, que após sair da prisão quis voltar, pois não tinha para onde ir. Um dia, um juiz-corregedor passeava com Chiquinho na prisão e viu Lupércio, já de cabelos brancos. O magistrado quis saber o nome do preso para ver se era possível soltá-lo. Lupércio ouviu a conversa e perguntou ao juiz: - O que eu fiz para o senhor querer me tirar daqui? Chiquinho viu o nascimento das facções criminosas, foi feito refém na rebelião de 1982 ao lado de outra lenda da casa, o ex-diretor Luís Camargo Wolfmann, o Luisão. Luisão, que está aposentado, também foi ver a saída dos útlimos presos. No bolso da camisa, ainda carregava a medalha de São Jorge que salvou sua vida em 1982. Refém dos presos rebelados após uma tentativa de fuga, Luisão viu um detento exaltado que disse: "O negócio aqui está enrolado. Vamos matar o diretor para ver se a negociação avança." Com duas facas na mão, o preso avançou, mas parou quando viu a medalha. Riscou uma faca na outra e deu um pulo para trás, dizendo: "O senhor é de Ogum." Alckmin deixou o pavilhão e voltou à Divinéia para assitir à saída dos presos. Vinte e quatro foram enviados à Penitenciária de Casa Branca e os demais, para duas penitenciárias de Hortolândia e um presídio em Campinas. O governador rebateu as críticas sobre a desativação da Detenção enquanto celas de distritos policiais continuam lotadas no Estado. Disse que a manutenção da Detenção era cara, pois até a comida dos presos tinha de ser comprada já que a cozinha ainda estava interditada. Futuro - "Nas novas penitenciárias o preso vai trabalhar, vai cozinhar, e o governo vai fazer economia. O prédio estava em situação péssima, essa foi a razão da desativação: medida de segurança. E a região vai ganhar um parque esportivo." Ao deixar o presídio, ele foi cercado por manifestantes que exigiam a construção de uma universidade no local, em vez do Parque da Juventude. Apesar do protesto, o plano do governo para a Detenção não deve ser alterado. Ele começou a sair do papel no ano passado, após a assinatura de convênio entre os governos estadual e federal para a construção das penitenciárias com cerca de 700 vagas que iam substituir o megapresídio. Desde janeiro o governo estava transferindo os quase 7 mil presos da Detenção para novas penitenciárias construídas no interior, acabando, pouco a pouco, após 20 anos de promessas, com o símbolo de um sistema em que, segundo o secretário da Administração Penitenciária, Nagashi Furukawa, o preso saía pior do que entrava.