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Casarão destruído em Salvador era patrimônio da humanidade e está em obra de Jorge Amado; saiba mais

Antigo restaurante Colon desabou após mais de três anos interditado; está em perímetro do centro histórico reconhecido pela Unesco desde 1985, devido ao ‘alto grau de autenticidade’

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Foto do author Priscila Mengue
Atualização:

Uma nuvem de poeira e destroços tomou o entorno da Praça Conde dos Arcos, na Cidade Baixa de Salvador, na quinta-feira, 25. Pedestres correram, enquanto vizinhos observaram o arruinamento de um dos principais símbolos dos tempos áureos do bairro Comércio: o antigo casarão do centenário restaurante Colon, conhecido pelo filé mal assado, elogiado até mesmo em livro de Jorge Amado.

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O Estadão identificou que o imóvel — com construção estimada no século 19 — integra o perímetro do centro histórico de Salvador considerado como patrimônio mundial (popularmente chamado de “patrimônio da humanidade”) pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

A degradação do imóvel já havia sido identificada pela Defesa Civil, com a determinação do esvaziamento em 2020. Na véspera do desabamento, o entorno foi isolado. Em nota ao Estadão, o Centro do Patrimônio Mundial da Unesco respondeu que “aguarda informações das autoridades do Brasil para realizar uma revisão técnica das informações recebidas”.

Com a iminência de queda de mais destroços, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (Sedur) realizou a demolição complementar de partes instáveis da construção nesta semana. Em nota, afirmou que a prefeitura da capital baiana e o Instituto do Património Histórico e Artístico Nacional (Iphan) estão desenvolvendo estudo técnico para avaliar a necessidade de intervenções complementares.

Casarão do antigo restaurante Colon desabou no centro histórico de Salvador Foto: @Transalvador1 via X

Já o Iphan destacou que há processo aberto de fiscalização para apurar “possível degradação do imóvel” e salientou que está em área tombada, mas não é tombado individualmente. Salientou que fez vistoria no imóvel horas antes do desabamento.

“O Iphan vem acionando órgãos públicos para adoção das medidas cabíveis, podendo gerar multa aos proprietários, em caso de negligência. Foi emitido um auto de infração em nome dos proprietários”, apontou.

Além disso, respondeu que “o ocorrido não fere ou compromete o valor universal excepcional do bem inscrito na lista do patrimônio mundial”. “A superintendência do Iphan na Bahia seguirá acompanhando o caso e atuando para garantir a devida preservação do conjunto”, completou.

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Ao menos desde 2020, o endereço foi incluído na lista de imóveis históricos em risco, classificado naquele ano como de “alto risco”. O balanço mais recente da Defesa Civil de Salvador, de 2022, totaliza 2.503 casarões nessas condições, dos quais 15,8% com riscos alto e muito alto.

Segundo a Sedur, o proprietário do imóvel já havia sido notificado sobre a necessidade de “realizar o devido reforço estrutural e a manutenção predial” em 2020. Além disso, apontou que o dono será cobrado a custear os gastos municipais com a demolição e a retirada do entulho.

Imagens do momento do desabamento se espalharam pelas redes sociais, como no vídeo abaixo:

As ruínas do casarão estão nas proximidades da Associação Comercial da Bahia e do Elevador do Taboão. São localizadas a cerca de 700 m da Fundação Jorge Amado, cartão-postal do Pelourinho.

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A estimativa é que o casarão seja datado do século 19. O imóvel não pertencia ao restaurante — considerado como o mais antigo da cidade por anos e que deixou o espaço em 2020, com o encerramento das atividades no ano seguinte. O Colon foi fundado pelo imigrante espanhol José Maria Orge e passou por três gerações até o encerramento das atividades.

Em rede social, descendentes da família Orge lamentaram a situação. “Um vazio na imensidão de um guerreiro gigante. Obrigada por tantas alegrias que proporcionou a milhares de pessoas”, escreveu Mara Orge, que esteve à frente do restaurante nas últimas décadas, junto de Juan Orge, neto do fundador. Ela chamou o caso de uma “tragédia”: “É um momento de luto e reflexão”.

O restaurante era frequentado também por personalidades locais, pela população em geral e por turistas. Foi citado no livro O sumiço da santa, de 1988. A obra era ambientada em Salvador, na passagem da década de 1960 para a de 1970. Em um trecho, narrou o hábito de um dos personagens de almoçar uma vez por semana no Colon:

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“Havia mais de vinte anos, todas as sextas-feiras, o chefe de Danilo, o tabelião Wilson Guimarães Vieira, além de chefe, amigo, levava um grupo de convidados a um restaurante da Cidade Baixa, o Colon, onde se comia um mal assado cujo sabor oscilava entre o sublime e o divino. Adalgisa aproveitava a ausência do marido para preparar e se regalar com miolo ensopado, seu prato preferido”, diz o trecho, retirado da edição da Companhia das Letras de 2010.

Entorno do casarão foi isolado na véspera do desabamento  Foto: @Transalvador1 via X

O reconhecimento como patrimônio mundial do centro histórico da capital baiana ocorreu em 1985, diante do que foi chamado de “alto grau de autenticidade em termos de localização e configuração, formas e desenhos, materiais e substâncias”.

“Salvador da Bahia é um dos principais pontos de convergência das culturas europeias, africanas e indígenas americanas dos séculos XVI a XVIII”, destaca material da Unesco sobre o local.

Nos últimos anos, entidades têm apontado casos de má conservação de casarões no centro histórico de Salvador. Uma carta-denúncia sobre o “estado de abandono” foi emitida à Unesco em 2015 após 31 imóveis serem demolidos após o impacto de chuvas intensas, com a solicitação do reconhecimento de “patrimônio mundial em risco”.

O documento é assinado pelo departamento baiano do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-BA), o Conselho de Arquitetura e Urbanismo da Bahia (CAU-BA) e o Sindicato dos Arquitetos e Urbanistas do Estado da Bahia. À época, representante da Unesco declarou que não havia risco de perda do título de patrimônio mundial, mas destacou que o centro histórico soteropolitano enfrenta esse problema há anos, com diversas iniciativas de recuperação, com menor e maior sucesso.

A Prefeitura tem destacado que a responsabilidade de manutenção é do proprietário. “De acordo com o Código de Polícia Administrativa de Salvador (Lei nº 5503/99) e com o Decreto Municipal nº 13251/01, é dever do proprietário zelar pela unidade imobiliária e realizar a manutenção preventiva e periódica das edificações”, destaca a Sedur em nota.

Veja abaixo postagem com fotografia do entorno do casarão na década de 1930:

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