Caso Evandro: revisão de condenação por morte de garoto em 1992 é adiada; entenda o que está em jogo

Na época com 6 anos de idade, o menino teria sido sequestrado e esquartejado em um ritual de magia negra, em Guaratuba, no litoral paranaense

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Foto do author José Maria Tomazela
Atualização:

SOROCABA – O Tribunal de Justiça do Paraná retirou da pauta desta quinta-feira, 1, o julgamento do pedido de revisão criminal que poderia anular as condenações dos acusados do assassinato do menino Evandro Caetano, em 1992. Na época com 6 anos de idade, o menino teria sido sequestrado e esquartejado em um ritual de magia negra, em Guaratuba, no litoral paranaense. O TJ informou que a revisão foi retirada de pauta “para possível readequação do quórum de julgamento”. Ainda não há nova data para a apreciação do caso.

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O pedido de revisão criminal em favor de Beatriz Abagge e outros dois condenados pelo assassinato de Evandro foi apresentado no final de 2021 pelo escritório Figueiredo Basto Advocacia, de Curitiba. A decisão beneficia também os réus Davi dos Santos Soares e Osvaldo Marcineiro, que ainda cumprem as sentenças. Outra acusada, Celina Abagge, mãe de Beatriz, foi beneficiada pela prescrição do crime. O réu Vicente de Paula Ferreira morreu em 2011 na prisão, cumprindo a pena.

Na petição de 298 páginas com 159 documentos, os advogados afirmam que o Estado suprimiu provas fundamentais para a defesa dos réus, impedindo que eles provassem as alegações de tortura. Conforme a defesa, a revisão criminal “visa a corrigir um enorme erro judiciário, de modo a reformar ou desconstituir as sentenças condenatórias transitadas em julgado, as quais foram contrárias às evidências dos autos” e “fundadas em elementos absolutamente falsos.”

Os defensores alegam que há quase 30 anos a defesa já havia denunciado a tortura imposta aos acusados e a subtração de prova dos autos. “O que existe de novo é o aparecimento das provas, ardilosamente retiradas do processo, e que possuem aptidão fática e jurídica para determinar que os fatos em julgamento não ocorreram como descritos na denúncia e nas decisões condenatórias”, informam os advogados.

No pedido de revisão, a defesa juntou fitas originais das confissões dos réus obtidas pelo escritor Ivan Mizankuk, autor de um livro sobre o caso Evandro. As gravações indicam que os policiais militares que prenderam os suspeitos os levaram para um local conhecido como “fortaleza”, que seria a casa do ex-ditador paraguaio Alfredo Stroessner, e praticaram torturas físicas e psicológicas para que confessassem o assassinato da criança em um suposto ritual satânico.

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Conforme os advogados, as novas provas confirmariam que o Estado cerceou o direito de defesa dos acusados, subtraindo provas dos autos – as fitas foram editadas e as gravações originais sumiram, sendo encontradas muitos anos depois por Mizankuk. O ritual de magia negra, segundo a defesa, foi arquitetado pelos acusadores. “Os acusados não registravam antecedentes criminais, eram pessoas inseridas dentro de seus respectivos contextos sociais, sem que houvesse qualquer traço de violência que os vinculasse a práticas de crimes violentos”, afirma a defesa.

Beatriz e Celina Abagge na época do julgamento. Foto: Maurilio Chelli/Estadão

A petição lembra que, quando o menino morreu, aquela região do Paraná vivia um contexto de sumiço de crianças, com 28 registros de desaparecimentos, “o que fez eclodir uma verdadeira caça às bruxas, regida não mais pela imparcialidade, mas pelo princípio inquisitivo”. Na época, a casa de Beatriz e de sua mãe foram apedrejadas e elas eram tratadas como “bruxas”. No ano passado, em carta assinada pelo secretário estadual de Justiça, Trabalho e Família, Ney Leprevost, o Estado do Paraná pediu perdão a Beatriz Abbage “pelas sevícias indesculpáveis cometidas no passado contra a senhora”.

Antes de ser julgada, Celina Abbage ficou presa 3 anos e 7 meses além de dois anos em prisão domiciliar. Beatriz, condenada a 21 anos e 4 meses, passou 5 anos e 9 meses no cárcere, enquanto Osvaldo Marcineiro, que pegou 20 anos e 2 meses de prisão, ficou preso mais de 7 anos. Já Davi dos Santos Soares foi condenado a 18 anos e 8 meses, cumprindo 4 anos e meio em regime fechado. No mesmo pedido de revisão, a defesa pede que os condenados sejam indenizados pelo Estado.

O Ministério Público do Paraná informou que o julgamento foi retirado da pauta por uma questão processual, para se definir se os três réus devem ter a revisão julgada pela mesma Câmara de desembargadores ou por mais de uma. Disse ainda que está acompanhando a questão.

Em imagem de arquivo, pais do garoto Evandro choram após julgamento. Foto: Joel Rocha

Para entender o caso

O desaparecimento

Evandro Caetano, de 6 anos, desapareceu em abril de 1992, em uma época em que várias crianças sumiram na região, gerando um clima de pânico social. Sua mãe permitiu que ele fosse sozinho à escola, a 150 m de sua casa. Cinco dias depois, o corpo da vítima foi encontrado com mutilações e sem as vísceras e órgão internos.

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As investigações

A Polícia Civil e o Grupo Águia da Polícia Militar do Paraná seguiram uma linha de investigação levantada por um ex-investigador de polícia, desafeto político dos Abbage, que apontou Celina, então primeira-dama da cidade, sua filha Beatriz e outras cinco pessoas como autores do crime em um ritual de sacrifício. Os acusados passaram a ser conhecidos como “bruxos de Guaratuba”.

A denúncia

Os sete acusados foram denunciados por homicídio qualificado, sequestro e ocultação de cadáver pelo MP do Paraná. Foi acatada a tese da investigação de que a criança teria sido utilizada em um ritual de magia negra para obtenção de benefícios materiais junto a espíritos satânicos.

Populares em frente à casa de acusados pela morte de Evandro. Foto: Carlos Ruggi

Julgamento e condenações

O primeiro julgamento de Celina e Beatriz, em 1998, durou 34 dias e é o mais longo da história da Justiça brasileira. No veredito elas foram consideradas inocentes, mas o júri foi anulado um ano depois. Em maio de 2011, dois dos acusados, Sérgio Cristofolini e Airton Bardelli dos Santos, foram absolvidos e os demais foram condenados. Celina, então com mais de 70 anos, não foi a julgamento devido à prescrição do crime.

Reviravolta no caso

Em 2018, o jornalista e professor universitário Ivan Mizanzuk investigou o caso e conseguiu os áudios originais do interrogatório das vítimas, expondo falhas na investigação e indícios de que a confissão dos acusados foi arrancada sob tortura. As descobertas foram descritas no podcast Projeto Humanos, de Mizanzuk, e serviram de base para o pedido de revisão criminal do caso.

Quem matou Evandro?

Caso o pedido de revisão criminal seja acatado pelo TJPR, as investigações sobre o assassinato do menino Evandro voltarão para a estaca zero. A hipótese é de que um serial killer estivesse agindo na região, já que outro menino de Guaratuba, Leandro Bossi, desapareceu na mesma época. O caso Evandro virou série de TV produzida pela Rede Globo e ganhou versões em livros, inclusive uma escrita pelas acusadas, Celina e Beatriz Abagge.

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