Estamos presenciando mais uma vez aquilo que duas antropólogas da Unicamp, Danielle Ardaillon e Guita Debert, descreveram no livro Quando a Vítima é Mulher, de 1987, onde chamaram a atenção para o quanto que a vítima, em especial nos casos de violência sexual, é transformada em ré. Há uma verdadeira inversão da prova.
A vítima passa a ter sua vida e suas atitudes escrutinadas com objetivo de comprovar que foi ela que deu causa ou que motivou o crime. É muito triste constatar que em 2020 continua a haver a reprodução de padrões culturais discriminatórios que representam a violência estrutural de gênero contra a mulher, após tantos avanços na conquista dos direitos humanos das mulheres.
No caso (da jovem Mariana Ferrer), vemos lamentavelmente um recrudescimento do desrespeito à mulher. A argumentação do advogado e as fotos que exibiu buscam comprovar que a vítima não se enquadraria no conceito jurídico de “mulher honesta”, apesar de não haver previsão legal para tanto. É lamentável constatar que o próprio Poder Judiciário, ao absolver o réu, não tenha demonstrado respeito, reforçando os mesmos preconceitos. O cenário forma um ciclo de violência quando o papel do Estado seria o de garantir os direitos da vítima.
É PROFESSORA DOUTORA DA FACULDADE DE DIREITO DA PUC DE SÃO PAULO
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.