Como é o programa que rastreia celulares roubados e que deve ser replicado em todo o País

Ministério quer ampliar iniciativa que conseguiu recuperar telefones no Piauí; recorrência de crimes faz com que Brasil tenha quase um milhão de telefones levados por ladrões a cada ano

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Foto do author José Maria Tomazela
Atualização:

Estudante de Música da Universidade Federal do Piauí, Letícia Feitosa teve o celular furtado quando fazia compras em um shopping de Teresina, em março. No aparelho estavam partituras e anotações de uma apresentação que ela faria na semana seguinte, além de dados pessoais e acesso ao seu banco. O telefone estava cadastrado no Protege Celular, programa do governo do Piauí que rastreia e identifica celulares furtados, e foi recuperado três dias depois, em um ponto de venda de eletrônicos usados.

Celulares recuperados aguardam os donos após devolução em delegacias ou por meio de operações realizadas pela Polícia Civil do Piauí. Foto: Divulgação/SSP-PI

Iniciado em janeiro de 2023, o programa do governo do Piauí resultou na recuperação de mais de 8 mil celulares até o fim de julho. Na comparação entre 1º semestre de 2023, com o programa ainda em fase inicial, e o 1º semestre deste ano, o número de celulares que voltaram às mãos de seus donos subiu de 925 para 3.808, segundo a Secretaria da Segurança Pública do Estado.

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O Ministério da Justiça e Segurança Pública prevê criar um protocolo nacional de recuperação de celulares baseado na experiência do Piauí. No País, são quase um milhão de aparelhos roubados e furtados por ano.

Estados são os principais responsáveis pelas políticas de segurança, mas especialistas defendem papel maior da União na articulação e no apoio técnico de combate ao crime. Diante da escalada da violência, a gestão Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tem sido cobrado a propor medidas. Pesquisa de abril mostrou que 42% reprovam o governo federal na área de segurança.

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O protocolo será uma nova fase, aprimorada e expandida, do programa federal Celular Seguro, que prevê a proteção contra golpes financeiros, inutilizando os aparelhos subtraídos. Já o programa piauiense objetiva recuperar o bem e devolvê-lo com os dados preservados ao dono. A ideia é ter o protocolo pronto até novembro.

Outro efeito positivo do Protege Celular é a redução de crimes, já que, além de não poder ser utilizado, o celular roubado ou furtado pode ser rastreado mesmo com a troca do chip. E o portador pode ser processado criminalmente. Na comparação entre o primeiro semestre de 2023 e o mesmo período deste ano, os roubos de celulares no Piauí caíram 39,2%. Já os furtos de aparelhos recuaram 13,2%.

Para especialistas, ações do tipo não devem ser as únicas no combate aos roubos, mas têm potencial de torná-los menos atrativos para bandidos. Além do valor do aparelho em si, os criminosos muitas vezes visam os smartphones como ferramenta para aplicar golpes virtuais. A facilidade de transferências de dinheiro via Pix ou outros aplicativos bancários pode multiplicar o prejuízo das vítimas.

Conforme o secretário, as pessoas que estão na posse de celulares furtados ou roubados podem se livrar do processo crime por receptação se comprovarem que adquiriram o aparelho de boa fé, apresentando o documento fiscal da compra. “Ir à delegacia para devolver já é um indicativo dessa boa fé e evita que a polícia vá atrás do portador”, diz o secretário da Segurança Pública, Chico Lucas.

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Principais inovações do projeto piauiense

O projeto piauiense tem o Cellguard, banco de dados com o número de identificação (Imei) de todos os celulares cadastrados pelos donos. Um aplicativo permite identificar e localizar o aparelho quando ele volta a ser usado.

A partir da identificação, a operadora de telefonia passa a enviar mensagens ao usuário alertando que o aparelho é fruto de roubo ou furto e deve ser devolvido a uma delegacia, sob pena do portador sofrer sanções legais. Se a devolução não acontece, a polícia é mobilizada.

O aplicativo Lupa Bot instalado nos celulares de todos os policiais do Estado possibilita consultas para verificar se um aparelho tem restrição de roubo ou furto por meio de uma foto do Imei. Isso facilita a localização de celulares subtraídos durante operações e buscas pessoais.

Após identificar onde estão os celulares, a polícia realiza operações em lojas físicas e virtuais de compra e revenda de aparelhos usados para reprimir o comércio ilegal. Desde o ano passado, foram ao menos 80 lojasautuadas e fechadas e 30 presos.

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Celulares recuperados aguardam os donos após devolução em delegacias ou por meio de operações realizadas pela Polícia Civil do Piauí. Foto: Divulgação/SSP-PI

Outros Estados

A Polícia Civil do Piauí mantém parcerias com as polícias de outros Estados para recuperar celulares levados para além das suas divisas. Já foram recuperados aparelhos que eram vendidos no Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Ceará, Maranhão, Pernambuco, Paraíba, Pará, Rio Grande do Norte e Roraima.

Inspirado no modelo do Piauí, o governo do Ceará lançou a plataforma Meu Celular e já teve mais de 12 mil usuários cadastrados, segundo a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social. Os primeiros 300 aparelhos recuperados foram entregues no fim de maio, entre eles o do psicólogo Clauberson Rios, de 46 anos.

Ele teve o telefone furtado na Praia de Iracema, em Fortaleza, na saída de um jantar em família. “Tinha só 20 dias que eu tinha comprado o celular. Fiquei muito frustrado; a gente trabalha para ter um bem. Até fiz um seguro, mas não cobriu o tipo de furto que sofri”, conta.

Segundo o secretário de Segurança do Piauí, antes de despertar o interesse do governo federal, o projeto já havia chamado a atenção de outros gestores. “Mais de 20 Estados foram procurar a gente para conhecer o projeto. Agora, com o protocolo nacional, o Ministério da Justiça e Segurança Pública toma a frente e ele deve ser estendido para todo o País”, diz Chico Lucas.

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Situação endêmica

No Brasil, a cada hora, 107 celulares são subtraídos de seus donos, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024. No ano passado, foram registrados 494,3 mil furtos e 443 mil roubos de telefones, sem contar a subnotificação, ou seja, os casos não registrados na polícia.

Além da pasta federal secretarias de segurança de onze Estados – Acre, Alagoas, Amapá, Amazonas, Bahia, Piauí, Rio Grande do Norte, Rondônia, Roraima, Sergipe e Tocantins – vão integrar o grupo de trabalho que, em 90 dias, vai elaborar o protocolo.

Para o secretário executivo do ministério, Manoel Carlos de Almeida, o roubo de celular é um problema endêmico. “A vida das pessoas está no celular hoje em dia: vida pessoal, profissional e financeira. E assim os crimes se multiplicam”, disse ele na quinta-feira, 1º, quando foi formalizada a intenção de elaborar o protocolo.

Quem já utiliza o Celular Seguro poderá fazer o bloqueio total, incluindo aplicativos, aparelho e chip, como ocorre hoje, ou escolher entre bloquear só aplicativos e chip, acionando o modo recuperação, que permitirá reaver o aparelho. No modo recuperação, o Celular Seguro será informado de forma automática pelas operadoras do sistema sempre que um novo chip for instalado no telefone roubado ou furtado, o que permitirá às ações das polícias, a partir da implementação do protocolo nacional.

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Por meio de consultas à base nacional de Boletins de Ocorrência do Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp) e da parceria do ministério com a Anatel, será possível ao cidadão verificar, de forma rápida, se consta alguma restrição para o aparelho que deseja adquirir.

O Celular Seguro permite que o usuário cadastre o número na ferramenta por meio de aplicativo disponível para Android e IOS (Phone). Até esta quinta-feira, mais de 2 milhões de pessoas haviam se cadastrado no sistema, lançado em dezembro, e 68 mil alertas de bloqueio foram disparados.

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