Novas rotas do tráfico de drogas têm despontado no Amapá, no extremo Norte do País. Com a intensificação das fiscalizações em portos como o de Vila do Conde, em Barcarena (PA), o Estado passou a ser mais recorrido para o envio de cocaína e skunk para outras destinos, incluindo em países em África e Europa. Não à toa, tornou-se um dos principais epicentros da violência no Brasil.
A Polícia Civil do Amapá realizou no fim de junho a maior apreensão de drogas da história do Estado. Ao todo, 218 quilos de skunk, além de armas de fogo e munições, foram encontrados em uma balsa na cidade de Laranjal do Jari. É uma quantidade ainda pequena diante dos carregamentos interceptados no Amazonas e no Pará, mas dá a dimensão do avanço do tráfico por novas rotas.
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Especialistas ouvidos pelo Estadão defendem foco maior em investigações para combater o crime organizado e a violência policial. O Amapá lidera o ranking dos Estados com a maior taxa de homicídios – 69,9 para cada 100 mil habitantes em 2023 – e tem o maior índice de letalidade policial (23,6), segundo o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
A Secretaria de Justiça e Segurança Pública do Estado diz acompanhar a situação de perto e adotar ações para combater o tráfico e os homicídios, como integrar as forças policiais. Afirma ainda que, como reflexo disso, os crimes violentos letais intencionais caíram 34,2% entre janeiro e outubro, conforme ados oficiais. Foram 192 casos nesse período, ante 291 no mesmo recorte do ano passado.
“O que mais nos preocupa hoje é a tentativa de crescimento do Comando Vermelho (CV)”, afirmou ao Estadão o secretário de Justiça e Segurança Pública do Amapá, José Rodrigues de Lima Neto. Segundo ele, a facção carioca, vista como a maior força do narcotráfico na Amazônia, não tinha predominância no Amapá, mas busca aumentar a presença na região para enviar droga à Europa.
Estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) em parceria com o Instituto Mãe Crioula, divulgado na semana passada, mostrou que aumento da influência do CV, com monopólio da facção fluminense em pelo menos 130 municípios da Amazônia Legal, muitos deles em regiões de fronteira com a Bolívia, o Peru e a Colômbia. Além dos narcotráfico, o avanço do crime organizado também impulsiona crimes ambientais, com o garimpo irregular e o desmatamento.
Foram as facções, na leitura do governo amapaense, que puxaram a alta de homicídios nos últimos anos no Estado. Lima Neto aponta que as mortes têm sido influenciadas sobretudo pelo crescimento do CV e a disputa entre facções locais, que surgiram há pouco mais de cinco anos em resposta ao avanço de grupos maiores, como o Primeiro Comando da Capital (PCC), considerada a maior organização criminosa do País. São elas:
- Família Terror do Amapá (FTA), com cerca de 8 mil integrantes;
- Amigos Para Sempre (APS), com aproximadamente 4 mil;
- União do Crime do Amapá (UCA), com cerca de 2 mil.
Essas facções, apesar de já terem passado por momentos de trégua, têm protagonizado conflitos sangrentos recentemente. Há uma disputa intensa por Santana, onde fica o principal porto do Estado. A cidade tem hoje a maior taxa de homicídios do País (92,9) entre as cidades com mais de 100 mil habitantes, alta de 88,2% na comparação com o ano anterior. Além disso, é dona da sexta maior taxa de letalidade policial (25,1).
A região metropolitana de Macapá também é vista um ponto crítico. Por lá, o domínio é da Família Terror do Amapá, facção local aliada ao PCC. Em Santana, o grupo local até tem forte presença, mas é continuamente desafiado pelo interesse estratégico do crime organizado no porto. O resultado é um cenário sangrento.
“Há um confronto com os Amigos Para Sempre e tentativa de crescimento do Comando Vermelho, algo que tem nos preocupado”, diz o secretário. Já o grupo União do Crime do Amapá tem atuação mais concentrada no sul do Estado.
Nova rota
Para especialistas, Santana passou a ser explorada como nova rota do tráfico internacional, na tentativa de enviar dinheiro para outras regiões do Brasil e continentes que pagam mais caro pela droga que sai do Brasil para outros continentes, como a Europa. Eles afirmam ainda que trata-se de um movimento adotado em resposta a medidas vistas em outros portos do Norte.
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“As pressões dos sistemas de regulação e controle por parte da segurança pública no Pará se intensificaram a partir de Barcarena, sobretudo destacando o fato de que o porto foi apontado como o principal entreposto comercial do narcotráfico (no Norte) e de outros produtos ilícitos em direção à Europa”, afirma Aiala Colares Couto, professor da Universidade do Estado do Pará (Uepa).
“Portanto, há migração das atividades para o Amapá, considerando o porto de Santana e a estratégia que envolve a integração via Guiana, Suriname e Venezuela, o que possibilita mais articulação em rede nesse eixo norte da região”, diz ele, integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e presidente do Instituto Mãe Crioula.
Couto aponta também que a vulnerabilidade social e as desigualdades apresentadas no Amapá consolidaram-se como terreno fértil para a migração da criminalidade para o Estado, o que resultou na alta de homicídios por lá. Além da atuação violenta da polícia. “É um Estado que não foi incorporado de forma positiva dentro do processo de desenvolvimento regional. Todas essas condições potencializam o desenvolvimento dessa violência.”
Mortes pela polícia
Pesquisadores apontam que é impossível dissociar as taxas de homicídios da forma de atuar da polícia do Amapá – no ano passado, foram 173 óbitos pelas forças de segurança, praticamente um terço das mortes violentas intencionais no Estado. “Não há nenhum tipo de controle sobre a conduta policial eficaz e séria no Estado”, critica Marcus Cardoso, professor da pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Amapá (Unifap) e pesquisador da Universidade Federal Fluminense (UFF).
Segundo ele, os conflitos das facções de fato aumentaram nos últimos anos, mas esse cenário não deve chancelar atuação mais violenta da polícia – até porque, frisa, o Estado figura entre aqueles com maior letalidade policial há mais de cinco anos.
“Há um grande apoio popular à ação da polícia, sob o argumento de que é preciso combater o inimigo”, afirmou. “A investigação sobre os casos com fortes indícios de crimes de execução, que são registrados pelos PMs como resposta à injusta agressão, praticamente não existe no Estado”, acrescenta Cardoso.
Segundo Lima Neto, o Estado tem acompanhado a situação de perto e buscado integrar as forças policiais para combater o crime organizado de forma mais efetiva. Já sobre a alta letalidade policial, afirma que a queda nos homicídios deve puxar também a redução das mortes policiais.
“A redução dos crimes violentos (no começo do ano) refletiu também nas mortes por intervenções policiais, até em porcentagem um pouco maior. O que significa que o aumento no ano passado foi decorrente desse aumento também da presença policial nas ruas e do enfrentamento que foi feito às organizações criminosas”, diz o secretário. “Tenho certeza que, com a continuação das quedas dos crimes violentos, também haverá redução das intercorrências policiais.”
Lima Neto acrescenta que um dos motivos para isso foram melhorias nas prisões do Estado. “Diagnosticamos que a grande maioria das ordens e da organização dos ataques entre organizações criminosas vinha de dentro do sistema penitenciário.” Por conta disso, a opção por focar em medidas na área. O primeiro presídio de segurança máxima do Amapá, por exemplo, construído nos moldes de unidades federais, foi inaugurado em 2022.
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