RIO - O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sugeriu que cartórios suspendam as escrituras públicas de relacionamento entre mais de duas pessoas, as chamadas uniões poliafetivas, até a regulamentação do tema. A recomendação foi repassada às corregedorias estaduais até que o CNJ analise representação da Associação de Direito de Família e das Sucessões (ADFAS), que pediu, em liminar, a proibição do reconhecimento do poliamor.
“É apenas uma sugestão aos tabelionatos, como medida de prudência, até que se discuta com profundidade tema tão complexo que extrapola os interesses das pessoas envolvidas na relação afetiva”, disse a corregedora nacional, ministra Nancy Andrighi. Ela pediu às corregedorias do País informações sobre o número de escrituras firmadas para estabelecer as uniões poliafetivas a fim de conhecer o tamanho do fenômeno. Ela estuda discutir o tema em audiência pública.
Monogamia. Na representação ao CNJ, a advogada Regina Beatriz Tavares da Silva, presidente da ADFAS, argumenta que a Constituição reconhece a união estável entre duas pessoas como entidade familiar. “Essa expressão ‘relação poliafetiva’ é engodo. Deturpa esse tipo de relação, que é poligamia. A união estável e o casamento são monogâmicos. Se eles se reconhecem como família, o problema é deles. Mas não podem se intitular como tal. O direito não admite família poligâmica.” Regina defende que eles procurem outras formas de resguardar seus direitos, como fazer escrituras de imóveis conjuntas ou constituir empresas. “Não venham querer trazer para o âmbito do direito de família essa relação, pois a Constituição proíbe.”
A sugestão do CNJ para os cartórios é criticada pelo advogado Rodrigo da Cunha, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Ele prepara representação ao conselho em defesa das escrituras públicas de união poliafetivas. “Isso é um retrocesso. É continuar repetindo injustiças históricas no direito de família. Você pode não gostar de relações poliafetivas, mas tem de proteger quem gosta. O Estado não tem de entrar na esfera privada das pessoas.”
Até a Constituição de 1988 a união estável entre homem e mulher não era reconhecida e filhos tidos fora do casamento não podiam ser registrados. “Esses filhos existiam, mas eram considerados ilegítimos. É o que querem fazer agora com as relações poliafetivas: elas existem, mas fingem que não existem. O Estado laico não pode intervir nisso”, defendeu.
Cunha tem informações de que dez relações de poliamor foram reconhecidas em cartórios do País. No Rio, duas foram registradas no 15.º Ofício de Notas – uma entre três mulheres e outra entre um homem e duas mulheres. Em ambos os casos, houve escrituras públicas de reconhecimento da relação, testamentos de bens e estamentos vitais, em que as decisões sobre questões médicas são entregues aos parceiros.
Poliamor. O casal de músicos gaúchos Bardo e Fada está junto há 13 anos e tem duas filhas, Lavínia, de 11, e Mônica, de 7. Eles decidiram “abrir” o casamento após quatro anos de união. A ideia de se relacionar com outras pessoas foi de Bardo, de 33 anos, e enfrentou resistência inicial de Fada, de 32. Até que ela se apaixonou por Aline. E Bardo também. O relacionamento a três durou sete meses. Elas terminaram, mas Aline e Bardo continuam namorando. Fada agora namora com Leonardo Maciel, de 35 anos, a quem já conhecia desde 2012 de reuniões de “poliamoristas”.
“Estamos há um ano juntos. Os guris se respeitam e são muito amigos”, disse Fada. Ela diz que nunca pensou em legalizar o relacionamento, mas critica a recomendação do CNJ. “Não planejo fazer união estável. Mas para muitas pessoas isso é importante. As pessoas precisam aprender a respeitar as diferenças.”
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