O caos da segurança pública na Grande Vitória completou nesta quinta-feira, 9, seis dias, com o registro de 113 mortes, superando a média mensal registrada em todo o primeiro semestre de 2016. Sob pressão, com famílias sitiadas, comércio fechado e uma crise de desabastecimento que já atinge grandes supermercados da capital, o governo aceitou negociar com as famílias dos policiais militares aquartelados.
À tarde, mulheres de policiais militares envolvidos no motim se reuniram com representantes do governo para uma rodada de negociação. O grupo, que paralisa quartéis desde sábado, cobra um aumento de 43%, além de isenção total para os agentes, que se encontram de braços cruzados nos batalhões. À meia-noite, uma parte do grupo chegou a deixar a reunião, alegando que havia um impasse e o governo não propôs reajuste. O Estado disse que a negociação continuava.
O governador licenciado Paulo Hartung (sem partido) disse na quarta que não sucumbiria “à chantagem corporativa” e não pagaria “resgate”. A reivindicação, diz ele, custaria R$ 500 milhões. O governo, porém, voltou nesta quinta à mesa de negociação, em uma reunião que já durava mais de seis horas às 20h30.
No início da manhã, o secretário estadual de Segurança Pública, André Garcia, declarou que a situação “está melhorando”, mas admitiu que a sensação de insegurança deverá perdurar por mais alguns dias. “Mesmo com a presença da Polícia Militar (após o fim da paralisação), vai haver essa sensação de insegurança”, afirmou. “A PM vai precisar recuperar a sua imagem, que foi jogada na lama.”
Já o movimento de adesão de outras categorias está dividido. O Sindicato dos Policiais Civis (Sindipol) realizou assembleia nesta quinta e decidiu dar prazo de 14 dias para o governo do Estado apresentar proposta. Caso contrário, a promessa é de greve. A decisão, porém, não é unânime. “Isso é uma proposta do Sindipol. O que está valendo para a categoria é o que foi decidido ontem (quarta) no encontro das entidades unidas”, afirmou Rodolfo Laterza, presidente da associação dos delegados. Ele fazia referência à decisão de nove sindicatos e associações de abrir somente as delegacias regionais até decisão definitiva da categoria, em assembleia marcada para o dia 17.
Mortes e tanques. A expectativa de que a vida voltaria à normalidade foi frustrada logo pela manhã. Os primeiros ônibus começaram a circular, mas foram recolhidos às garagens por determinação do Sindicato dos Rodoviários, após a notícia de que o presidente do Sindicato dos Rodoviários de Guarapari, Walace Belmiro Fernaziari, foi morto a tiros em Vila Velha, na Grande Vitória.
À tarde, três carros de combate blindados do Corpo de Fuzileiros Navais patrulharam bairros do município de Serra, na Grande Vitória, considerado o mais violento do Estado. No bairro pobre de Carapina Grande, também em Serra, blindados foram aplaudidos quando passaram pelas ruas estreitas. Foi a primeira ação dos veículos militares na região metropolitana de Vitória.
Pelo menos 113 pessoas foram assassinadas desde o início do motim da Polícia Militar, segundo levantamento do Sindicato dos Policiais Civis. Entre os casos está o de Isabel Elias de Almeida, de 55 anos, que saiu de casa, em Cariacica, na Grande Vitória, na tarde desta quarta, para comprar chinelos. Ela foi atingida por bala perdida, quando um carro passou e atirou na direção de homens que corriam na rua.
Desabastecimento. Enquanto não se chega a um acordo, moradores enfrentam dificuldades para encontrar itens como carne, ovos e macarrão. Esta quarta foi mais um dia de estabelecimentos lotados, com filas para entrar nos supermercados e para o pagamento das compras. Algumas lojas interromperam o atendimento ao longo do dia por causa da superlotação.
O administrador Sebastião Guimarães, de 57 anos, comparou a situação de Vitória com a da Venezuela. “Estamos estocando alimentos, mas aqui também já estão faltando alguns produtos. Ontem minha mulher não encontrou carne.”
A falta de alguns produtos foi confirmada pelo subgerente do supermercado, Adélio Ramos. “Estamos com poucos funcionários. Os que vêm trabalhar é porque a gente vai buscar em casa, já que não tem ônibus nas ruas. Alguns fornecedores também não têm feito entrega.”
Outros Estados. Mesmo com promessa de reajuste de 10,22% mulheres de agentes da polícia fluminense convocaram para hoje movimento semelhante na frente dos quartéis cariocas, por meio de grupos de WhatsApp. Da mesma forma, familiares de PMs mineiros prometem uma manifestação nesta sexta na frente do 5.º Batalhão de Belo Horizonte.
ENTENDA A CRISE NO ESPÍRITO SANTO
Familiares e amigos de policiais militares no Espírito Santo começaram, na noite de sexta-feira, 3, a fazer manifestações impedindo a saída das viaturas para as ruas e afetando a segurança dos municípios.
Sem reajuste há quatro anos, os PMs reivindicam aumento salarial e melhores condições de trabalho.
O motim dos policiais levou a uma onda de homicídios e ataques a lojas. Com medo, a população passou a evitar sair de casa e donos de estabelecimentos fecharam as portas. Os capixabas já estocam comida.
Na segunda-feira, 6, a prefeitura de Vitória suspendeu o funcionamento das escolas municipais e deunidades de saúde.
Também na segunda, o governo federal autorizou o envio da Força Nacional e das Forças Armadas para reforçar o policiamento nas ruas de cidades do Espírito Santo. Apesar do reforço, o clima de tensão se manteve no Estado.
A morte de um policial civil na noite de terça-feira, 7, motivou uma paralisação da categoria na quarta, agravando ainda mais a crise de segurança no Espírito Santo.
Para tentar conter o motim, o governo criou na quarta-feira, 8, um comitê de negociação com representantes do movimento que impede a saída de policiais militares dos batalhões das principais cidades do Estado./ COLABOROU LEONARDO AUGUSTO, ESPECIAL PARA O ESTADO
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