Ao menos três brasileiros foram vítimas de golpe a cada minuto em 2022, ano em que o País apresentou aumento de 37,9% nos casos de estelionato. Ao todo, 1,82 milhão de registros foram feitos em todo o Brasil. Proporcionalmente, o maior salto foi entre os golpes por meio eletrônico: mais de 200 mil registros de vítimas desse tipo de crime no País, aumento de 65,2% ante o ano anterior.
Os dados fazem parte do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), e se baseiam em números oficiais de secretarias estaduais e de outros órgãos de segurança. O levantamento foi divulgado nesta quinta-feira, 20.
Para especialistas, o aumento de usuários de plataformas digitais, como as de bancos e de aplicativos de mensagem, e a facilidade na prática desses crimes têm impulsionado esses casos nos últimos anos. A tendência ganhou força na pandemia. Esses delitos, afirmam, são mais vantajosos para os bandidos do que roubos, por exemplo, uma vez que não precisam envolver violência.
Os Estados do Rio de Janeiro e de São Paulo foram os que apresentaram os maiores crescimentos. No Rio, o total de golpes saiu de 71.145 casos em 2021, para 123.841 no ano passado, o que representa aumento de 74%. São Paulo, por sua vez, viu o índice aumentar 66,1% de um ano para outro. No Estado, 638.629 pessoas foram alvos de estelionato em 2022.
Maranhão e Bahia também tiveram altas bastante expressivas, acima de 50%. Ao mesmo tempo, nenhum Estado registrou queda nos índices.
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Quando são considerados os crimes de estelionato em relação ao total da população, a maior incidência de golpes foi registrada no Distrito Federal, em São Paulo e em Santa Catarina. Já os Estados da Paraíba, do Maranhão e do Amazonas têm as menores taxas do País.
Estelionato
Maiores taxas por 100 mil habitantes
- Distrito Federal - 1.832,3
- São Paulo - 1.437,7
- Santa Catarina - 1.249,7
- Paraná - 1.172,3
- Amapá - 1.035,6
Menores taxas por 100 mil habitantes
- Paraíba - 142,6
- Maranhão - 222,1
- Amazonas - 390,7
- Pará - 431,6
- Piauí - 433,9
Consulte a lista completa:
Para Samira Bueno, diretora executiva do Fórum, um ponto que chama atenção é que os roubos, de modo geral, têm apresentado queda. “Roubo a transeunte, a residência, de carga, a estabelecimento comercial: estão todos caindo. Houve crescimento de roubos de veículo e de celular, mas são crimes que estão voltando a tendências pré-pandemia”, diz.
Segundo ela, tem ocorrido uma substituição dos crimes patrimoniais, com a explosão de estelionatos. “É visto como aquele ‘crime que compensa’, pois é visto como muito fácil, uma vez que, em tese, não supõe violência.”
A pesquisadora aponta ainda que houve uma espécie de “profissionalização do estelionato” nos últimos anos, com os criminosos mapeando quem são as vítimas mais vulneráveis (idosos, por exemplo) e diversificando as narrativas para enganá-las.
“Além disso, é muito difícil para a polícia investigar. Em grande medida, não há nem preparo das forças policiais para lidar, inclusive por conta da velocidade com que esses crimes estão crescendo. As habilidades que você espera para um policial trabalhar com esse tipo de crime não são as mesmas que, em geral, repassadas nas academias de polícia.”
As habilidades que você espera para um policial trabalhar com esse tipo de crime não são as mesmas que, em geral, são repassadas nas academias de polícia.
Samira Bueno, diretora do Fórum Brasileiro de Segurança
Segundo ela, além dos obstáculos de investigação, também há dificuldades para a punição. “Os estelionatos, especialmente aqueles que se dão através de redes sociais, aplicativos e afins, são um dos grandes desafios do mundo, não só do Brasil”, diz.
Ela destaca que, de 2018 para cá, houve 326% de crescimento desse tipo de crime. Em 15 anos acompanhando índices de criminalidade no Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a pesquisadora diz ser um movimento inédito.
“Nunca vi nenhum crime com uma tendência parecida. Quando se olha a curva de crescimento, não há crime que tenhamos monitorado com uma tendência parecida. Realmente é algo que precisamos entender, estudar melhor e preparar melhor as forças policiais e o sistema de Justiça. É um crime que veio para ficar.”
Quando se olha a curva de crescimento, não há nenhum crime que a gente tenha monitorado que tenha tendência parecida com essa.
Samira Bueno, diretora do Fórum Brasileiro de Segurança
Crime eletrônico
Segundo o Anuário, estelionatos por meio eletrônico aumentaram em quase dois terços no Brasil. Em 2021, um total de 120.470 brasileiros foi vítima desse tipo de crime. No ano passado, os registros chegaram a 200.322.
Dois Estados contribuíram de forma alarmante para o aumento. Em Roraima, os registros de estelionato por meio eletrônico se multiplicarem mais de dez vezes - alta de 1.155,1% em 2022 ante o ano anterior. Goiás veio logo atrás, com 1.207,2% a mais de um ano para outro.
Estelionato eletrônico
Maiores taxas por 100 mil habitantes
- Santa Catarina - 844,1
- Distrito Federal - 553,1
- Espírito Santo - 398,5
- Rondônia - 375,2
- Mato Grosso - 252,9
Menores taxas por 100 mil habitantes
- Piauí - 7,5
- Paraíba - 10,2
- Amazonas - 10,3
- Acre - 18,4
- Sergipe - 19,6
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A comparação, porém, só pode ser feita entre 21 das 27 unidades da federação. Isso porque seis Estados não disponibilizaram esses dados: Bahia, Ceará, Rio, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul e São Paulo. A fraude eletrônica passou a ser tipificada no Código Penal só em 2021.
‘Eu me senti invadida, deprimida e revoltada’
A servidora pública aposentada Olga Soares, de Belo Horizonte, foi uma das vítimas de golpe. Em maio, transferiu R$ 3.250 a pedido da filha, médica, que havia solicitado a ajuda supostamente para pagar o aluguel do consultório. “Mãe, salva o meu novo número de trabalho”, apontava a mensagem.
Só horas depois, a mãe perceberia que a mensagem, típica de golpes dessa natureza, não vinha realmente de quem dizia ser. “Ela me questionou por que eu estava perguntando isso (da transferência), foi quando comecei a perceber. Eu tinha caído num golpe. Alguém hackeou o celular da minha filha e se passou por ela. E ainda viu o histórico de mensagens para conversar comigo como se fosse ela realmente, abordando o assunto do aluguel”, relembra.
“Eu me senti invadida, deprimida e revoltada. Como tem pessoas usando a inteligência para o mal!. E isso continua acontecendo com frequência, todo mundo tem um caso para contar”, lamenta ela.
Como se proteger
Ao longo dos últimos meses, o Estadão tem mostrado que fraudes eletrônicas se tornaram cada vez mais sofisticadas, o que ajuda a explicar a disparada de casos de estelionato. A conta não inclui o ‘golpe do amor’ ou parte dos ‘golpes do pix’, que por vezes são tipificados como roubo convencional ou até mesmo sequestro.
Entre os crimes de estelionato eletrônico está o que a Polícia Federal e a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) chamam de ‘golpe da mão fantasma’. Nele, os criminosos induzem a vítima a instalar um software que dá acesso ao celular. A partir daí, os fraudadores vasculham o aparelho, encontram senhas e utilizam o próprio aplicativo do banco para transferir valores ou fazer pagamentos.
Sequestro de contas de WhatsApp, clonagem de números e outras fraudes utilizando aplicativos de trocas de mensagens também são cada vez mais comuns. Saiba como se proteger:
- Nunca passe dados pessoais ou clique em links suspeitos;
- Nunca forneça acesso ao seu celular ou instale aplicativos que você não conheça. Além disso, baixe apps somente de lojas oficiais;
- Altere senhas de sites, aplicativos de bancos, e-mails e outros com frequência;
- Utilize sempre que possível a autenticação em dois fatores.
São Paulo diz adotar medidas
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo informou que tem adotado medidas para melhorar esses números. “Desde o início do ano, a atual gestão da Secretaria da Segurança Pública tem intensificado as ações preventivas e ostensivas para combater a criminalidade e tentar reverter os índices de 2022 apresentados pela reportagem”, diz o texto. “Houve reforço do policiamento, aumento e integração das ações de inteligência, valorização da carreira policial, aumento da transparência - com sistemas que disponibilizam relatórios de ocorrências para a população - e tratativas com o Poder Judiciário para monitoramento e fiscalização de reincidentes - um dos maiores entraves para a segurança pública.”
/COLABOROU ALINE RESKALLA, ESPECIAL PARA O ESTADÃO
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