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Por que o Comando Vermelho cresce e as milícias perderam espaço no Rio de Janeiro?

Disputas internas nos grupos milicianos impulsionam avanço da facção; quase 1/5 da área habitada da região metropolitana está sob domínio de alguma organização criminosa, diz estudo

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Foto do author Marcio Dolzan
Atualização:

Uma das principais organizações criminosas do País, o Comando Vermelho (CV) expandiu seu poderio no ano passado e já controla mais da metade das áreas que estão sob domínio de facções ou milícias na região metropolitana do Rio. É o que aponta a atualização do Mapa dos Grupos Armados, feito pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (GENI) da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pelo Instituto Fogo Cruzado, que compila dados sobre violência armada.

O novo estudo, divulgado nesta segunda-feira, 15, mostra ainda que o domínio desses grupos em regiões habitáveis do Grande Rio mais do que dobrou desde 2008, quando começou a série histórica.

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Os dados que demonstram a expansão do CV coincidem com informações apresentadas pelas forças de segurança do Rio ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mas os diagnósticos das autoridades para o fenômeno é diferente da avaliação dos pesquisadores.

Ao CNJ, os gestores da segurança pública do Rio declararam que as restrições impostas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a operações em favelas na pandemia fizeram o CV ampliar seu domínio territorial.

Já para Daniel Hirata, sociólogo da UFF e um dos responsáveis pelo Mapa dos Grupos Armados, as evidências indicam outras razões. Para ele, o avanço do Comando Vermelho está ligado a disputas territoriais e conflitos internos entre grupos milicianos, que vinham expandindo suas áreas na última década. De 2019 a 2022, a maior parte das áreas urbanas habitadas do Rio era controlada por milícias.

“Há insistência das forças policiais em responsabilizar o STF pelo avanço da criminalidade organizada, mas isso tem mais relação com posicionamentos no debate público do que efetivamente o que seria a matéria de um debate assentado em dados e evidências”, diz Hirata.

O mapa é atualizado anualmente com base denúncias coletadas por meio do portal Disque Denúncia, mantido pelo governo do Rio. Procurado pela reportagem, o Executivo fluminense não comentou o estudo até a publicação desse texto.

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Segundo os pesquisadores, desde 2005 mais de 700 mil denúncias que mencionavam milícias ou tráfico de drogas foram analisadas. Os registros permitiram traçar o movimento histórico de domínio de facções e milícias sobre mais de 11 mil sub-bairros, favelas e conjuntos habitacionais da região metropolitana do Rio.

A Liga da Justiça, que já foi considerada a maior milícia do Rio, expandiu seu domínio da zona oeste carioca até a Baixada Fluminense, segundo Hirata. “Em seguida à morte do Ecko (líder do grupo), há uma série de disputas que se intensificam cada vez mais”, diz.

Principal facção do Rio ampliou seu domínio territorial no ano passado e já ocupada mais da metade das áreas com presença de grupos armados Foto: WILTON JUNIOR

As milícias são grupos armados que formam um poder paralelo, à revelia das forças de segurança do Estado. Em geral, elas são formadas por agentes ou ex-agentes do próprio Estado, como policiais.

“Quando se prende uma grande liderança, há intensificação dos conflitos, porque, mesmo internamente, há disputa sobre a chamada sucessão. O Comando Vermelho percebeu que havia ali oportunidade para avançar”, avalia o sociólogo.

Áreas controladas por grupos armados no Grande Rio mais do que dobram

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A expansão do Comando Vermelho no último ano ocorre ao mesmo tempo em que outros grupos reduziram suas áreas de influência - o que reforça a tese de que foi provocada por disputas territoriais.

“As oscilações de domínio sempre fizeram parte do histórico da violência no Rio. Em 2017 e 2018 constatamos recuo dos dois principais grupos, CV e milícias. Em 2020 e 2021, crescem mais as milícias e há recuo do CV. Em 2022 e 2023, isso se inverte”, detalha Maria Isabel Couto, diretora de Dados e Transparência do Instituto Fogo Cruzado.

Em 2008, 8,8% da área urbana habitada da região metropolitana estavam dominados, conforme o Mapa dos Grupos Armados. No ano passado, já eram 18,2%. “E nada indica que a expansão será contida”, diz Maria Isabel Couto.

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No ano passado, ataques coordenados por uma milícia no Rio contou com incêndios em dezenas de ônibus; grupos milicianos triplicaram em 16 anos na cidade Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Apesar de perder o “primeiro posto”, as milícias foram as que mais se expandiram no período. Em 16 anos, esses grupos cresceram 204,6%. Comando Vermelho (89,2%) e Terceiro Comando Puro (79,1%), facção rival do CV, também avançaram bastante sobre as áreas urbanas.

Hirata lembra ainda que os números não demonstram apenas que facções do tráfico ou grupos milicianos estão presentes em quase 1/5 das áreas habitadas do Grande Rio. A presença dos grupos impacta diretamente na vida das pessoas.

As milícias, por exemplo, atuam em territórios de baixa renda, onde controlam ilegalmente ou cobram taxas extorsivas sobre serviços essenciais como água, luz, gás, TV a cabo, transporte e segurança, além do setor imobiliário.

“Há um conjunto de exigências, que passam por controle social, por controle da mobilidade, de mercados urbanos”, afirma.

Outro drama frequente de comunidades pobres são tiroteios entre traficantes e policiais, que resultam em vítimas por bala perdida.

Mapa mostra CV em quase todos os Estados

Mapeamento sigiloso feito pelo Ministério da Justiça e da Segurança Pública e obtido pelo Estadão mostra que há ao menos 72 facções criminosas nas prisões brasileiras. A análise leva em conta informações enviadas pelas agências de inteligência penitenciária dos 26 Estados e do Distrito Federal.

O relatório revela o alcance dos rivais Primeiro Comando da Capital (PCC) e CV, presentes em quase todos os Estados, e a pulverização de grupos locais - uma rede de alianças e tensões que frequentemente resulta em rebeliões sangrentas.

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Conforme o documento, o Comando Vermelho aparece em presídios de pelo menos 20 Estados e também domina 70% dos detentos integrantes de facções das cadeias do Rio.

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