Depois de 20 anos do assassinato do jovem casal de namorados Liana Friedenbach e Felipe Caffé, o autor confesso dos crimes, Roberto Aparecido Alves Cardoso, conhecido como Champinha, será acompanhado por um comitê dos órgãos de controle. Na época dos crimes marcados por extrema brutalidade, incluindo sequestro, estupro, tortura e homicídios, em novembro de 2003, Chapinha tinha 16 anos. Desde então, ele é mantido sob custódia do Estado, e, desde 2006, está internado para tratamento da saúde mental.
Na última segunda-feira, 6, o governo de São Paulo e a Defensoria Pública definiram a criação de um comitê interdisciplinar para acompanhar o atendimento terapêutico que, segundo o governo, já é oferecido aos cinco ocupantes da Unidade Experimental de Saúde onde Champinha está internado. A unidade, administrada pela Secretaria Estadual de Saúde, foi criada para receber menores de 18 anos com transtornos de personalidade.
Conforme a Secretaria Estadual de Saúde (SES), o comitê foi instituído por resolução publicada no Diário Oficial do Estado e atende a uma pactuação com Tribunal de Justiça, Ministério Público e Defensoria Pública para que esses órgãos de controle passem a acompanhar os internados que estão sob responsabilidade da pasta na Unidade Experimental.
A equipe que integrará o comitê ainda está em formação. “A publicação permite maior transparência no acompanhamento desejado pelos órgãos de controle”, disse, em nota.
A Defensoria Pública foi autora da ação civil pública que resultou no acordo. No processo, os defensores alegaram que a unidade onde Champinha estava internado não oferecia acompanhamento psicossocial efetivo. A estrutura, com capacidade para 40 pessoas, tem segurança 24 horas, funcionários administrativos, de limpeza, e equipe médica incluindo enfermeiros e médicos, inclusive um psiquiatra. Agora, vai passar a contar com a supervisão do comitê.
A unidade tem a finalidade de abrigar internos com grau elevado de psicopatia que, além de oferecer risco à sociedade, apresentam risco de morte a outros internos convivendo no mesmo espaço. O tempo de internação é definido pela Justiça a partir de laudos médicos.
“Desde a inauguração da unidade há um plano terapêutico singular aplicado e acompanhado por uma equipe multidisciplinar. A SES disponibiliza aos internos a equipe médica, os medicamentos, bem como o acompanhamento clínico e psiquiátrico”, disse, em nota a Secretaria Estadual da Saúde.
O defensor público Daniel Secco, do Núcleo da Infância e Juventude da Defensoria, disse que a criação do comitê é importante porque agora vai permitir um acompanhamento que é obrigatório por lei. “A necessidade de acompanhar, avaliar e reavaliar as condições de saúde mental, ainda mais quando envolvem privação de liberdade, é um dever trazido pela legislação nacional e internacional. Isso não vinha sendo feito”, disse.
Segundo ele, a comissão vai avaliar se os tratamentos oferecidos a essas pessoas são adequados. “Isso é importante, foi uma decisão acertada”, disse.
Como foram os crimes
Em 2003, quando estava com 16 anos, Champinha foi detido com outros quatro homens acusados de matar Liana, então com 16 anos, e Felipe, com 19. Eles foram rendidos quando acampavam em Embu-Guaçu, na região metropolitana de São Paulo, levados para um cativeiro e submetidos a sessões de tortura antes de serem assassinados.
A jovem foi estuprada por Champinha, que a ofereceu também aos cúmplices. Apenas um deles não a estuprou. Ela ficou mais dois dias sendo abusada por ele até ser asassinada com golpes de facão, em uma trilha da mata.
Champinha foi condenado a três anos de internação na Fundação Casa – tempo máximo permitido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Antes do término do prazo, em 2006, o Ministério Público obteve da Justiça a interdição civil de Champinha, com base em laudos que o apontavam como psicopata, com transtorno de personalidade e leve retardo mental, sendo capaz de cometer atos irracionais.
Um laudo do Instituto Médico Legal (IML) diagnosticou “transtorno orgânico de personalidade” e recomendou sua internação psiquiátrica por ser “um indivíduo de alta periculosidade”. Outro laudo oficial, do Instituto de Medicina Social e de Criminologia (Imesc) apontou que o paciente tinha Transtorno de Personalidade Antissocial (TPAS), doença mental sem cura. O laudo afirmou que Champinha era extremamente impulsivo e não sentia culpa de nada.
Em 2007, ele chegou a fugir da unidade, mas foi recapturado no dia seguinte. Em 2019, a interdição foi confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). Nesse ano, ele participou de uma rebelião em que um funcionário da unidade foi feito refém. Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a decisão e determinou que Champinha continuasse recebendo tratamento na Unidade de Saúde Experimental.
Na época, foi cogitada a transferência de Champinha para a Unidade Prisional Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico de Taubaté, no interior, mas a lei só previa essa internação para adultos que cometeram crimes.
Os outros envolvidos na morte do casal foram condenados a penas de 124, 110, 47 e 6 anos de prisão, respectivamente, conforme o grau de envolvimento nos crimes. O caso causou grande repercussão e levou a movimentos para revisão da lei da maioridade penal no Brasil.
A reportagem procurou o advogado Daniel Adolpho Daltin Assis, constituído no processo como defensor de Champinha, e aguarda retorno.
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