A investigação que fez o procurador-geral da República ir até a Itália ouvir mafioso delator do PCC

Procurador-geral, Paulo Gonet foi à Europa e falou com Vicenzo Pasquino, preso que fechou acordo de colaboração premiada com autoridades italianas; defesa do delator não foi localizada

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Atualização:

Um grupo de procuradores italianos e brasileiros foi formado para investigar as ligações transatlânticas entre o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) com a ‘Ndrangheta, a máfia da Calábria, no sul da Itália. O grupo foi proposto pelo procurador nacional antimáfia italiano, Giovanni Melillo, após a decisão do mafioso Vincenzo Pasquino se tornar um colaborador da Justiça - a reportagem não conseguiu localizar a defesa do delator.

O procurador nacional antimáfia da Itália, Giovanni Melillo, em um evento do Ministério da Justiça italiano: proposta de força-tarefa sobre Paquino Foto: Reprodução / Estadão / Ministero della Giustizia

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Era começo de outubro quando um grupo de promotores e procuradores brasileiros encontrou Melillo em Foz do Iguaçu (PR). Dias depois, o procurador-geral da República, Paulo Gonet, desembarcou em Roma para conversar com os colegas italianos.

Também estava ali o promotor Lincoln Gakiya, do Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público de São Paulo. Gonet foi ao presídio onde está Pasquino, que decidiu colaborar com as autoridades italianas.

Melillo, Gonet e Galiya acertaram os primeiros detalhes da força-tarefa internacional. Ela terá a participação de um procurador do Ministério Público Federal (MPF), de Gakiya, representando o MP de São Paulo, e de um promotor do Rio de Janeiro.

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Na Itália, os brasileiros não estavam atrás só da delação premiada de Pasquino, mas também das provas obtidas durante a Operação Eureka, uma das maiores ações contra o crime organizado no mundo.

Ela envolveu, em maio de 2023, por meio da Europol, as polícias de Itália, França, Bélgica, Alemanha, Eslovênia e Espanha. E levou à decretação da prisão ou de medidas restritivas contra 108 acusados de pertencer às ndrine (clãs mafiosos) da Calábria, que movimentaram € 2 bilhões (R$ 36,5 bilhões). Também foram apreendidas 23 toneladas de cocaína.

No Brasil, a operação permitiu a prisão de Pasquino ao lado do chefão da ‘Ndrangheta Rocco Morabito. Os dois foram presos em 24 de maio de 2021 em João Pessoa, na Paraíba, em uma operação conjunta da Polícia Federal com a polícia italiana e depois extraditados para o país europeu. A reportagem não localizou a defesa de Morabito.

As várias faces do mafioso italiano Vincenzo Pasquino: a foto da polícia italiana e as fotos no Brasil com barba e com a máscara, durante a pandemia de covid-19 Foto: Polícia Civil / Reprodução / Estadão

Pasquino estava foragido da Itália desde 2019, após a Operação Cerbero, que o acusou de associação mafiosa em razão de suas ligações com o grupo da ‘Ndrangheta de Volpiano, no Piemonte, norte da Itália Ele era o principal intermediário da droga enviada da América do Sul para a Europa e estava ligado a Morabito, chefe da ndrina Morabito, um dos clãs da ‘Ndrangheta.

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Morabito foi apontado pela procuradoria italiana como “promotor, dirigente, organizador e financiador” da operação da máfia no Brasil e “responsável pelas principais decisões estratégicas e operacionais para o narcotráfico na América do Sul”.

Ele mantinha contatos com fornecedores de cocaína e com organizações criminosas, bem como intervinha nas disputas mafiosas para impedir assassinatos.

Pasquino e a lista de presos na Operação Eureka

Na lista de 86 acusados que tiveram a prisão decretada na Operação Eureka pela juíza de instrução Caterina Catalano, Pasquino ocupa o 10º lugar, logo depois do chefão mafioso Stefano Nirta, do clã Nirta.

Segundo a acusação, Stefano organizava e financiava a partir da Itália, por meio de contatos na América do Sul, o tráfico de enormes quantidades de cocaína até o Porto de Gioia Tauro. A polícia localizou depósitos em euros feitos por Nirta para os fornecedores sul-americanos. A reportagem não conseguiu localizar sua defesa.

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Trecho de documento escrito pelo procurador nacional antimáfia da Itália, Giovanni Melillo no qual propõe a Gonet a criação de uma força tarefa Foto: Reprodução / Estadão

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Pasquino teve a responsabilidade de abrir novos canais de droga para os calabreses na América do Sul. Entre outros crimes, Paquino foi acusado de ter enviado uma carga de cocaína escondida no motor de um contêiner frigorífico que saiu de Paranaguá com destino a Gioia Tauro. Outra carga com 644 quilos de cocaína foi apreendida em um navio de uma empresa da Costa do Marfim quando chegou ao mesmo porto italiano, vindo de Itapoá (SC).

Como os policiais haviam conseguido acesso ao sistema de mensagens criptografadas da máfia, foi possível encontrar as mensagens sobre o envio da droga que havia sido escondida dentro de um contêiner e, assim, determinar quem estava envolvido na operação.

Ao todo, a Operação Eureka detectou 140 operações de compra, oferta e venda de droga da América do Sul para a Europa e outros 16 crimes ligados a tráfico de armas, lavagem de dinheiro, assassinato e organização criminosa.

Além da droga que saía do Brasil, Morabito e Pasquino enviavam cocaína para Itália a partir de portos do Equador, Panamá e da Colômbia. Esse foi o caso de uma carga de 102 quilos de cocaína escondida em um carregamento de bananas, embarcado em Puerto Bolívar, no Equador, até o Porto Rodman, no Panamá, onde foi enviado a Gioia Tauro.

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Carabineiros italianos mobilizados pela procuradoria de Locri, na Calábria, para a operação contra a 'Ndrangheta Foto: EUROPOL

Na Colômbia, os mafiosos da ‘Ndrangheta contavam com a ajuda, segundo os investigadores italianos, de formações paramilitares ativas na área de Turbo, no Departamento de Antioquia: os integrantes do Clã do Golfo. Chamado pelos italianos de “organização paramilitar e narcoterrorista, o grupo foi chefiada até 2021 por Dario Antonio Úsaga, o Otoniel, um dos maiores narcotraficantes do mundo.

Além da ndrina Morabito, outros clãs da ‘Ndrangheta também se valiam dos contatos de Rocco Morabito na América do Sul, como os grupos Nirta e a Strangio, bem como a família Mammoliti. A reportagem não conseguiu localizar as defesas desses outros acusados.

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