O Comando Vermelho (CV) tem sido apontado como a facção criminosa responsável por ataques a empresas de prestação de serviços de internet e telefonia no Ceará nos últimos dias - em uma das cidades, 90% dos habitantes ficaram sem acesso à internet. Na quarta-feira, 12, uma operação da Polícia Civil prendeu 17 suspeitos de crimes contra companhias do setor e o governo montou uma força-tarefa para tratar da crise. O Ministério da Justiça e a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) dizem acompanhar o caso.
Segundo a Associação Brasileira de Provedores de Internet e Telecomunicações (Abrint), esse tipo de atuação dos bandidos já ocorria no Rio de Janeiro, no Pará e agora também migrou para o Estado do Nordeste.
Até agora, ao menos quatro municípios - Fortaleza, Caucaia, Caridade e São Gonçalo do Amarante, onde fica o Porto de Pecém -, foram alvos das ações criminosas.
Entre o fim de semana passada e o início desta semana, quase 90% dos pouco mais de 16 mil habitantes de Caridade estão sem acesso à internet. Cabos de fibra ótica das empresas de internet foram cortados pelos bandidos como uma forma de pressionar as empresas a pagarem o “pedágio” para a continuidade dos serviços na região.
Na segunda, 10, e na terça-feira, 11, um veículo caracterizado e uma loja de atendimento ao cliente de duas provedoras de internet foram alvos de tiros em Caucaia, na região metropolitana de Fortaleza. Em outras investidas criminosas, equipamentos de internet instalados na rede de postes, além de veículos com logomarcas de empresas do ramo e lojas de atendimento ao cliente foram alvos de incêndios e depredações.

A Polícia Civil do Ceará deflagrou na quarta-feira, 12, a operação “Strike”. A ação policial ocorreu, simultaneamente, em Fortaleza, Caucaia, Horizonte e São Gonçalo do Amarante. Ao todo, 17 suspeitos de crimes contra empresas de internet foram presos, incluindo o articulador dessas extorsões e ataques e o braço técnico do grupo, que operava um serviço de provedor. Roteadores e distribuidores de fibra óptica também foram apreendidos.
“Em razão dos ataques observados a provedores de internet e ao patrimônio dessas empresas, já vínhamos investigando essas organizações criminosas e intensificamos as apurações para identificar essas pessoas, indiciá-las e representar pelas prisões e buscas e apreensões”, disse o secretário da Segurança Pública e Defesa Social, Roberto Sá.

Entre os alvos da operação está um homem de 30 anos, que já tem extensa ficha de delitos por integrar organização criminosa, tráfico de drogas, associação para o tráfico, posse ilegal de arma de fogo e receptação.
O homem já se encontrava preso em Sobral, detido no último final de semana suspeito de envolvimento em um crime de homicídio em Fortaleza. Ele também é investigado por extorsão de empresas provedoras de internet e é apontado como um dos chefes do grupo criminoso. A identidade dele não foi revelada.
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Sequestro de equipamentos
Conforme Cristiane Sanches, vice-líder do Conselho de Administração da Abrint, os ataques começaram no Rio, na área da capital, além da região dos Lagos, e se intensificaram em 2021. A partir dessas duas localidades, a ação dos criminosos migrou para o Pará e o Ceará. Nos três Estados, as ações criminosas seguem o mesmo rito, segundo a Abrint.
“Inicialmente, esses grupos entram em contato com os provedores, com os donos dos provedores, e falam o seguinte: ‘você tem X dias para começar a me pagar. Se não pagar tanto por mês, ou seja, se eu não virar seu sócio a partir de agora, vou começar a atacar a sua rede.’ É uma forma de extorsão”, afirma.

Em alguns casos, a facção criminosa obriga as empresas provedoras de internet a exibirem o sistema de bilhetagem para, de posse dessa informação, identificarem as áreas mais rentáveis em cada região.
Além do porcentual exigido com base na arrecadação da empresa, a facção controladora do bairro ou da cidade nas quais as empresas operam também sequestra equipamentos. “Ele (o criminoso) tira a identificação dos cabos e fala que a rede daquela região passa a ser inteirinha da facção criminosa”, ressalta Cristiane.
Com isso, muitas empresas abandonaram o serviço em determinadas localidades “porque não valia qualquer tipo de embate”, complementa a representante da Abrint. Numa tentativa de mitigar riscos e reduzir prejuízos, diversas empresas, das menores às maiores, estão descaracterizando equipamentos, veículos, fechando lojas de atendimento ao cliente em regiões de maior vulnerabilidade e desobrigando os funcionários a trabalharem uniformizados e com crachá.
Conforme a associação, ainda não se sabe quanto essas ações custaram aos empresários. A Abrint solicitou reuniões com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) no intuito de pedir para que o órgão federal atue de forma mais firme no tema.
O órgão regulador disse manter “estreita cooperação com as forças de segurança locais para “garantir a integridade da infraestrutura de telecomunicações”. Também afirmou que dialoga com a Abrint e outras empresas do setor.
O Ministério da Justiça e Segurança Pública disse acompanhar “de perto a situação dos ataques de facções criminosas contra empresas prestadoras de serviços de telecomunicações no Ceará e reforça que atua em conjunto com as forças de segurança estaduais para combater essas ações criminosas”.
A pasta ainda reforçou que o combate ao crime organizado é uma das suas prioridades. “Identificamos que o Brasil já se encontra num estágio de máfia, não mais uma simples organização criminosa, é necessário atualizar a legislação para dar respostas mais adequadas para essa questão da criminalidade organizada”, disse o secretário nacional de Segurança Pública, Mario Luiz Sarrubbo, em entrevista ao Estadão em outubro.
Crime organizado lucra mais com produtos legais do que com droga
Estudo do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostrou que facções, como o CV e o Primeiro Comando da Capital (PCC), lucram mais com o comércio irregular de produtos legalizados - a exemplo de combustíveis, bebidas e cigarros - do que com a venda de drogas.
Conforme a pesquisa, as organizações criminosas movimentaram R$ 146,8 bilhões em 2022 com a comercialização de combustível, ouro, cigarros e bebida. A movimentação financeira do tráfico de cocaína no mesmo período foi estimada em R$ 15 bilhões.