Como os morcegos ouvem uma fruta

Análise do direcionamento do sonar dos mamíferos alados durante o voo demonstra que ele é utilizado de um modo bastante distinto da visão humana

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Por Fernando Reinach
Atualização:

Quando vamos abrir uma porta, nosso cérebro usa a visão para orientar nossos movimentos. Os olhos se fixam na maçaneta e os centros motores ativam diferentes músculos, de modo que nosso corpo se movimente em direção à porta e a mão toque a maçaneta. Mas como será que os morcegos usam a informação fornecida pelo seu sonar para voar no escuro em direção a um alvo? Foi descoberto que o método é diferente do que utilizamos para nos movimentar orientados pela visão.O estudo foi feito com uma espécie de morcego que se alimenta de frutas. Esse morcego emite dois pulsos sonoros a cada 100 milissegundos. Esses sons, ouvidos por nós como se fossem cliques, são emitidos pela boca em direção ao espaço que se localiza na frente do animal. Eles refletem nos objetos e são captados pelos ouvidos. Com base no eco captado pelos ouvidos, o morcego determina a posição dos objetos.Para estudar como o morcego direciona o sonar ao tentar se aproximar de um objeto (do mesmo modo que direcionamos nosso olhar em direção à maçaneta), foi construída uma sala totalmente escura, com dezenas de microfones instalados nas paredes laterais, no teto e no piso. Além dos microfones, as paredes continham detectores de radiação infravermelha.No interior da sala foi colocado um galho de árvore com uma fruta. O morcego, com um aparelho que emitia ondas de infravermelho preso ao corpo, era solto na sala escura e imediatamente voava até o galho e comia a fruta. Durante o voo até a fruta, a posição do morcego a cada centésimo de segundo era calculada por um computador que usava a informação captada pelos detectores de infravermelho. Além de saber a posição exata do morcego a cada instante, os microfones nas paredes detectavam todos os sons emitidos pelo sonar do animal. Como havia microfones por todas as paredes, o computador também calculava em que direção o morcego emitia cada clique durante o voo.O resultado dessas medidas pode ser representado em uma linha que mostra o caminho percorrido pelo morcego e pequenas flechas indicando, em cada ponto da linha, a direção em que ele emitia seus sinais de sonar. Se esses mesmos dados fossem coletados para uma pessoa se dirigindo a uma porta, obteríamos uma linha reta do movimento até a porta e pequenas setas indicando a cada momento que os olhos da pessoa estariam dirigidos em direção à maçaneta.Cliques alternados. No caso dos morcegos, os cientistas observaram que eles voam inicialmente em curva, emitindo sons em todas as direções. Em seguida, ao localizarem a fruta, o voo segue reto em direção ao alimento até o pouso. Mas a grande descoberta é que, durante o voo reto em direção à fruta, o sonar não fica apontado (emitindo cliques) diretamente para a comida, mas aponta num momento para a esquerda da fruta e em seguida para a direita, alternando um clique para cada lado. É como se, ao nos dirigirmos para a maçaneta, nunca olhássemos diretamente para ela, mas alternadamente para um ponto à sua esquerda e para outro à sua direita.Os cientistas acreditam que esse método otimiza a informação fornecida pelo sonar. A razão é simples. Se o sonar estivesse diretamente focado na fruta no momento que um dado clique fosse emitido, caso o eco do clique seguinte fosse mais fraco, o cérebro poderia interpretar essa diminuição na intensidade do eco de duas maneiras: "a fruta ficou mais à direita, tenho de corrigir o voo para a esquerda" ou "a fruta ficou mais à esquerda, tenho de voar mais para a direita". Mas, como o cérebro do morcego "sabe" que o clique número um estava à esquerda do alvo, se o clique numero três, que também deveria estar à esquerda, ficar mais forte, isso significa que o alvo se aproximou da direção do sinal. Isso remove a ambiguidade na interpretação do sinal de sonar, aumentando sua eficiência.Esses resultados demonstram que o morcego usa o sonar de maneira diferente de como usamos a visão. Mas, talvez, o mais importante é que esses resultados mostram como é difícil (talvez até impossível) para nós, humanos, imaginarmos o que se passa na mente de um morcego enquanto ele voa no escuro, "ouvindo" (seria essa a palavra correta?) a fruta que deseja comer. BIÓLOGO E-MAIL: FERNANDO@REINACH.COMMAIS INFORMAÇÕES: OPTIMAL LOCALIZATION BY POINTING OFF AXIS. SCIENCE, VOL. 327, PÁG. 701, 2010

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