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Opinião|Como posso ser um líder mais inclusivo no meu dia a dia?

Propicie letramento, construa um ambiente seguro e lidere pelo exemplo. Aprofundar o conhecimento sobre a questão racial no Brasil é fundamental

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Por Liliane Rocha

Você percebe racismo no Brasil? Sim. Você é racista? Não. A famigerada pergunta que já foi feita por diversos institutos de pesquisas nas últimas décadas e que acaba tendo sempre o mesmo resultado: “O Brasil é racista, mas eu não sou”. Conclusão que evidencia a nossa dificuldade de reconhecer o racismo em nós mesmos e nas estruturas sociais.

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Como diria Dra. Fernanda Macedo, nossa advogada e consultora de Treinamentos Especialista na Temática Racial, o racismo é “um organismo vivo que se adapta a diferentes ambientes e se camufla para persistir nas estruturas sociais brasileiras”. Por isso, esse comportamento se torna tão fluido e, por vezes, sutil. E mais, “um fenômeno que se manifesta nas estruturas sociais de poder, com o objetivo de fazer a manutenção do racismo através de estratégias (legais, policiais e sociais).”

Lembro-me de uma situação que vivenciei recentemente. Estava em uma pousada, no interior de São Paulo, e precisava gravar um vídeo corporativo para uma empresa cliente. Para isso, estava maquiada, com uma roupa institucional e usando joias. Portanto, a roupa que estava usando não tinha nenhuma semelhança com a das funcionárias da pousada, que estavam todas uniformizadas.

Desci para o restaurante e, como as mesas não estavam arrumadas, decidi agradar meus familiares, colocando os guardanapos nos quatro lugares e sai para buscar as canecas para eles. Quando voltei, um senhor branco havia se sentado à mesa em que eu estava. Perguntei, o senhor quer sentar-se aí? A mulher dele imediatamente disse: “Eu te falei”. Ele, constrangido, saiu do lugar. Ou seja, um cliente branco, ao ver uma cliente negra colocando guardanapo e caneca na mesa, não lê o cenário e simplesmente tem a certeza de que ela está ali para servi-lo.

Liliane Rocha é CEO e fundadora da Gestão Kairós Foto: Felipe Rau/Estadão

Como diz Silvio de Almeida, ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania no livro Racismo Estrutural, “o racismo é sempre estrutural (...) um elemento que integra a organização econômica e política da sociedade”. É, portanto, uma manifestação recorrente e naturalizada em todos os espaços sociais, a todo o tempo.

E como eu digo no livro Como ser uma Liderança Inclusiva, “o preconceito e o racismo sempre se esconderão atrás de uma justificativa racional. Ninguém afirma ser racista, ao contrário, justifica (ou tenta) o seu comportamento com base em alguma premissa”. Ou seja, se eu perguntasse para aquele senhor se era racista, muito provavelmente responderia que não e que apenas estava distraído.

Este mesmo racismo estrutural, quando falamos de forma abrangente, é evidente no genocídio da população negra e jovem brasileira. Por exemplo, 75% dos homicídios no Brasil são de jovens negros, e, ainda, a população negra é a principal vítima de mortes decorrentes de intervenções policiais, com cerca de 83,1%.

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Negros também representam a maior incidência de problemas de saúde evitáveis. No mercado de trabalho, os números também não são bons, segundo o estudo Diversidade, Representatividade e Percepção - Censo Multissetorial da Gestão Kairós, apenas 17% da liderança (no nível gerente acima) das grandes empresas é formada por profissionais negros.

Tudo isto é resultado de uma série de ações racistas pequenas, individuais e sutis, que reverberam e se reproduzem nas estruturas e instituições. E, ao final do dia, se tornam dados alarmantes. Estrondosos. Ensurdecedores. Sempre responsabilizando “o outro” racista, figura distante e maldosa. E jamais olhamos no espelho, para dentro de casa em nossas pequenas práticas cotidianas como a daquele senhor, que ao ver uma mulher negra usufruindo do mesmo espaço que ele, compreende que ela só pode estar ali para lhe servir.

Se após toda essa reflexão você decidiu que quer ser uma pessoa e/ou uma liderança antirracista e mais inclusiva, então recomendo que siga estas orientações:

Propicie letramento: aprofundar o conhecimento sobre a questão racial no Brasil, orientar sobre como o racismo está presente em cada um de nós e de que forma o estamos reproduzindo, ainda que inconscientemente, é fundamental para qualquer organização ou liderança que busca ser antirracista. Quando se trata de uma empresa, o melhor caminho é contratar especialistas em diversidade racial e gestão empresarial para que possam compartilhar conteúdo de qualidade com todos os funcionários.

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Construa um ambiente seguro: é muito importante que as pessoas em qualquer contexto social e no âmbito corporativo saibam o que pode ou não ser feito e quais são as eventuais sanções quando a cultura corporativa é infringida. Neste sentido, é fundamental, por exemplo, que os profissionais saibam: 1) o que é racismo, 2) que racismo e injúria racial são crimes previstos em Lei no Brasil (Lei nº 14.532/2023) e, 3) caso tenha um comportamento racista, o profissional que realiza a prática discriminatória está em desacordo com o Código de Ética e Conduta da empresa, podendo inclusive ser demitido.

Fazer o que falamos e liderar pelo exemplo: como reforço no livro Como ser uma Liderança Inclusiva, citando Carolyn Taylor é fundamental colocar em prática o que aprendemos. Por exemplo, se você terminar de ler este artigo, gostar das ideias aqui contidas, mas continuar agindo exatamente da mesma forma que sempre agiu é possível que esta leitura tenha sido em vão. Porém, se ao terminar de ler, você se perguntar: “Como eu posso ser ainda mais inclusivo em meu dia a dia?” e que por consequência mude, ao menos, uma de suas práticas diárias, essa leitura foi extremamente útil, e o mais importante, será transformadora para você e todas as pessoas ao seu redor. Lembre-se de que o seu comportamento inspira outras pessoas.

Liliane Rocha é CEO e fundadora da Gestão Kairós, consultoria de Sustentabilidade e Diversidade, autora do livro “Como ser uma liderança inclusiva”, Conselheira Deliberativa do Instituto Tomie Ohtake e mestre em Políticas Públicas.

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Opinião por Liliane Rocha
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