A escritora Conceição Evaristo doou documentos do seu acervo pessoal para a Fundação Casa de Rui Barbosa, que fica no Rio de Janeiro. O convite foi feito pelo próprio presidente da fundação, Alexandre Santini, no último dia 22 de julho, quando a autora participava da primeira aula do curso Uma arrebentação das margens: a poesia de mulheres afro-brasileiras. A fundação é uma instituição vinculada ao Ministério da Cultura que tem como finalidade “o desenvolvimento da cultura, da pesquisa e do ensino”.
Ao aceitar o convite, ela se tornou a primeira escritora negra a ter um acervo depositado no Arquivo-Museu da Literatura Brasileira (AMLB) da Fundação Casa de Rui Barbosa. “O interessante não é ser a primeira, isso nos envaidece, não tem como ser mentirosa nesse sentido, mas o mais interessante é a gente abrir perspectiva para outras escritoras e escrirores negros”, disse Conceição.
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Integrante do Coletivo Nacional de Educação da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), Givânia Silva também acredita que o fato de Conceição ser pioneira deve ser um indicativo para outras presenças negras em instituições como a Fundação Casa de Rui Barbosa. “Temos um problema de apagamento das histórias, da vida e das memórias, sobretudo da população negra. Muitas Conceição Evaristos se perderam por conta de nossa cultura”, comenta.
A Fundação Casa de Rui Barbosa se comprometeu a aumentar a presença de mulheres no seu acervo. Dos 154 escritores com materiais no Arquivo-Museu, apenas 20 são mulheres e Evaristo é a única negra. “Ser a única é ainda estar no espaço da incompletude. Ao ser a única, você pode servir de exemplo e não sair dali”, afirmou a autora durante a abertura do curso. “Eu agradeço, mas com esse compromisso de lerem o meu texto e também pensarem em outras escritoras negras”, continuou.
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Valor histórico
Nascida na favela do Pindura Saia, em Belo Horizonte, Conceição Evaristo é ficcionista, poeta e um dos nomes mais importantes da literatura brasileira contemporânea. Seus textos já foram traduzidos para o inglês, francês, espanhol, árabe, italiano e eslovaco. Entre suas obras estão Ponciá Vicêncio, Becos da Memória e Insubmissas Lágrimas de Mulheres. Em 2015, a escritora recebeu o Prêmio Jabuti na categoria contos e crônicas pelo livro Olhos D’Água.
O Arquivo-Museu da Literatura Brasileira foi criado por Carlos Drummond de Andrade há cerca de 50 anos e é um espaço na Casa de Rui Barbosa. Itens como os óculos de Carlos Drummond de Andrade, manuscritos de Vinicius de Moraes e a máquina de escrever de Clarice Lispector estão entre as peças, que devem ser expostas no que virá a ser o espaço expositivo do museu.
Na ocasião em que aceitou ser doadora de alguns de seus arquivos, Conceição Evaristo não chegou a listar o que seria oferecido à instituição. Segundo a escritora, algumas peças de seu acervo vão para a Academia Mineira de Letras, da qual ela faz parte, ocupando a cadeira de número 40.
A escritora também contou que a maior parte das peças que compõem seu acervo pessoal será doada à Casa Escrevivência, criada por ela para guardar parte de seu material, além de ser um lugar de pesquisa, convivência e experiências literárias. O espaço cultural fica no bairro da Saúde, região portuária do Rio de Janeiro.
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Educação
Givânia vê, na inclusão do acervo pessoal de Conceição Evaristo na Fundação Casa de Rui Barbosa, uma forma de democratizar a informação para estudantes que não viram, durante seus anos de escola, autores negros sendo lidos ou trabalhados em salas de aula.
“A educação tem um papel fundamental, é primordial. Eu não acredito, como professora, que a gente possa mudar muita coisa na estrutura da nossa sociedade se a gente não tiver educação nesse lugar”, diz. “Esse gesto da Conceição é grandioso. Ela está cumprindo aquilo que ela disse: ‘Eles combinaram de nos matar, mas nós combinamos de não morrer’”, relembra.
* Conteúdo feito em parceria com a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), que tem como objetivo representar as Comunidades Quilombolas brasileiras em espaços institucionais.