Condenado a 181 anos de prisão pelo estupro de pacientes, o ex-médico Roger Abdelmassih, de 74 anos, obteve nesta quarta-feira, 21, autorização da Justiça para cumprir a pena em regime domiciliar. A juíza Sueli Zeraik de Oliveira Armani, da Justiça de Taubaté, no interior de São Paulo, concedeu o benefício ao preso por entender que está acometido de enfermidades severas, passíveis de agravamento no regime carcerário.
Desde o dia 18 de maio, Abdelmassih está internado em um hospital da cidade com broncopneumonia. Com a decisão, quando receber alta, ele vai para casa, mas deve usar tornozeleira eletrônica. Os advogados do ex-médico vinham tentando conseguir perdão judicial para o preso desde o ano passado. O indulto humanitário pode ser concedido a presos que têm doença grave permanente, com limitação severa nas atividades, exigindo cuidados contínuos, que não podem ser dados na prisão. O requerimento já havia sido negado em outras ocasiões.
Desta vez, Sueli voltou a rejeitar o benefício, mas levou em consideração laudos que indicaram o agravamento de suas condições de saúde nos últimos meses e autorizou a prisão domiciliar. Além de usar tornozeleira eletrônica, o ex-médico não poderá deixar a cidade sem autorização judicial. Ele pode, no entanto, deslocar-se para tratamento médico de urgência.
“Está evidenciado nos autos que o sentenciado em questão conta com 74 anos de idade, apresenta atualmente quadro de saúde bastante debilitada, necessita de cuidados ininterruptos, medicação constante e em horários diversificados, alimentação especial, vigilância contínua tanto da área médica como de enfermagem, exames frequentes e específicos. Além disso, é submetido a sucessivas e constantes internações hospitalares, o que se estende até o presente momento”, justificou a juíza. Segundo ela, a prisão “não reúne atualmente condições estruturais para suprir as carências atinentes ao quadro (de saúde do detento)”.
Procurados na noite desta quarta, os defensores de Abdelmassih não atenderam as ligações até as 20 horas. O Estado também não conseguiu contato com o Ministério Público Estadual (MPE), que acompanha o caso.
Em uma publicação no Facebook na tarde desta quarta, Vanuzia Leite Lopes, criadora da associação de vítimas de Abdelmassih, se disse decepcionada com a decisão judicial. “Estou aos prantos com o fato de o monstro Roger Abdelmassih ir para casa. Triste em saber que dinheiro vale mais que a honra.” Em outra publicação, Vanuzia afirma que as vítimas vão exigir que Abdelmassih volte para a prisão. “Isso não ficará assim, não. Suas vítimas estão doentes, mas vivas, e vamos lutar para que volte para a cadeia.”
“Não temo represálias. Nunca sofri ameaças, mesmo sendo uma das primeiras vítimas a aparecer, a mostrar o rosto e dar entrevistas”, afirmou Helena Leardini, que relatou ter sido beijada à força. “Vou continuar sem medo. Mas não vou ser hipócrita, dizendo que essa decisão não doeu”, disse ao Estado.
Helena destacou que a decisão partiu de uma juíza - uma mulher. “Os crimes que ele cometeu foram contra as mulheres . Depois de ser condenado a mais de 180 anos, cumpriu pouco mais de 2 anos de prisão. Isso é uma vergonha.”
Estupros. Especialista em reprodução humana, Roger Abdelmassih chegou a ser condenado em 2010 a 278 anos de reclusão por 48 crimes de estupro contra 37 pacientes, entre 1995 e 2008. Uma decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, porém, permitiu que recorresse da sentença em liberdade. Apesar da revisão posterior da sentença para 181 anos de prisão, por lei ele só ficaria preso por até 30 anos.
Inicialmente, foram registrados 26 casos de pacientes que acusavam Abdelmassih de estupro. Os relatos das vítimas diziam que os abusos aconteciam durante as consultas na clínica de fertilização do ex-médico.
Em 2011, com a decretação de sua prisão, ele foi considerado foragido. Três anos depois, acabou preso pela Polícia Federal em Assunção, no Paraguai.
Pena em casa é direito temporário
Para o criminalista Fernando José da Costa, a prisão domiciliar "é um dispositivo legal que não serve só para ele (Roger Abdelmassih), mas para qualquer detento". "O problema é que as pessoas confundem a figura do detento com os crimes por ele praticados. Não é porque o crime é mais ou menos grave que a pessoa pode ter ou não direito ao tratamento de saúde. Todos têm esse direito: o rico e o pobre, o condenado a crimes mais leves ou a crimes hediondos".
Costa, no entanto, destaca que o direito é temporário, ou seja, persiste enquanto houver necessidade, documentada por médicos, de tratamento. "Terminando essa necessidade, ele volta à prisão", diz. / COLABOROU JÚLIA MARQUES
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