Conflitos por terra alimentam violência armada no ‘Faroeste Amazônico’ sob inação estatal

Cenário se agrava enquanto poder público não avança com a regularização fundiária, uma vez que parte da Amazônia corresponde a áreas de conservação e terras indígenas ou terras não destinadas

PUBLICIDADE

Foto do author Guilherme Caetano

BRASÍLIA — Os conflitos por territórios e uso do solo vêm alimentando a violência armada na Amazônia Legal, sobretudo na tríplice divisa entre Amazonas, Acre e Rondônia. As disputas violentas deram à região a alcunha de “Faroeste Amazônico”, cada vez mais deflagrada ne medida em que o poder público não avança com a regularização fundiária.

A terceira edição do Cartografias da Violência na Amazônia, estudo elaborado pelo Fórum de Segurança Pública (FBSP) em parceria com o Instituto Mãe Crioula e lançado nesta quarta-feira, 11, mostra que o conflito por terra é o principal eixo que estrutura a violência na Amazônia Legal.

Alta da violência na Amazônia vem acompanhada de crescente degradação ambiental Foto: Gabriela Biló/Estadão

PUBLICIDADE

Embora a região tenha registrado queda de 6,2% nos homicídios entre 2021 e 2023, a interiorização da violência para zonas rurais e de floresta tornou municípios pequenos e tidos como pacatos em alguns dos mais violentos do País.

A guerra entre grupos armados por terra vem causando sofrimento em toda a região, mas a deflagração de disputas violentas no Faroeste Amazônico chama a atenção dos especialistas. Os conflitos se acirraram desde 2011, com o assassinato de Adelino Ramos, liderança local e assentado do Projeto de Assentamento Florestal Curuquetê.

Publicidade

Desde então, segundo os pesquisadores, as comunidades locais sofrem com a ação de grileiros que desmatam. Depois da devastação ambiental, que tem severos impactos na biodiversidade local, passam a utilizar a terra para a pecuária ou monocultura. “Neste processo, pistoleiros atuam a serviço dos grandes fazendeiros invadindo terras públicas da União como unidades de conservação e terras indígenas, levando a essa explosão de conflitos fundiários”, diz o estudo.

A pesquisa mostra correlação entre o desmatamento e a violência. Só três das dez cidades mais desmatadas na Amazônia Legal não constam no ranking das 100 mais violentas da região: Porto Velho (39,6 mortes por 100 mil habitantes), Lábrea (AM — 8,8) e Apuí (AM — 6,5) têm taxas de homicídio que as deixam fora da lista. As demais, Altamira (PA), São Félix do Xingu (PA), Novo Progresso (PA), Itaituba (PA), Colniza (MT), Pacajá (PA) e Novo Repartimento (PA).

O estudo aponta que as elevadas taxas de homicídios têm relação com uma “dinâmica de sobreposição de ilícitos” que passa pela exploração de commodities da floresta, como madeira, ouro e outros minerais, pescado e animais silvestres. Tratam-se de produtos lícitos em si, mas cujas práticas de exploração têm sido ilegais, realizadas em unidades de preservação e em territórios indígenas, por exemplo.

O cenário vem se agravando na última década com a chegada de outros negócios ilícitos, como o tráfico de cocaína, maconha, armas e pessoas — que se acirraram com a chegada e a concorrência entre si de facções do Sudeste, sobretudo o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho. Em 2023, houve 8.603 homicídios na Amazônia Legal, taxa de 32,3 mortes para cada 100 mil habitantes, 41,5% maior do que o índice nacional (22,8).

Publicidade

“Em suma, em todos os casos estamos falando de conflitos fundiários, isto é, de conflitos em torno do controle ou posse da terra, que têm produzido mortes e outras dinâmicas criminosas – como exploração sexual infantil, tráfico de drogas e armas e tráfico de pessoas – que ameaçam a sobrevivência dos povos tradicionais da região”, diz o estudo.

Bioma tem mais de 20 mil propriedades rurais irregulares

O documento também traz um levantamento de cadastro de propriedades rurais, apontando que mais de 20 mil imóveis estão localizados de maneira ilegal. Há 8,6 mil propriedades rurais sobrepostas a terras indígenas, segundo dados do Sistema de Cadastro Ambiental Rural (CAR). Outras 11,8 mil propriedade rurais estão em áreas de unidades de conservação, fenômeno intimamente ligado ao desmate.

Essa situação se perpetua na medida em que o poder público não avança com a regularização fundiária, uma vez que parte da Amazônia corresponde a áreas de conservação e terras indígenas ou terras não destinadas — isto é, sob responsabilidade estatal e sem uso definido, ficando suscetíveis à grilagem e ao desmatamento. Mais de 70% dos desmatamentos em florestas públicas não destinadas as transformam em pasto para gado, conforme o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).

“O controle do território é estratégico para que o crime consiga explorar economicamente cadeias de produtos (ilícitos). A gente percebe a importância da fiscalização, que caberia à União, e como essa fiscalização deveria incorporar um papel para as Forças Armadas, porque estamos ali abrindo mão da soberania nacional. Um dos elementos da repressão ao crime organizado passa pela retomada de territórios”, diz Renato Sérgio de Lima, diretor-presidente do FBSP.

Publicidade

PUBLICIDADE