''''Congonhas era um campo verde, só se via barba-de-bode''''

Relato é de Jean Sanson, filha do engenheiro que projetou o chamado Campo de Aviação nos anos 30

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O engenheiro Louis Romero Sanson - um cidadão britânico que nasceu em Trinidad e Tobago, no Caribe, se formou em Caracas, na Venezuela, e viveu 45 anos no Brasil - era um sujeito de visão. Dono da Auto Estradas, empresa que construiu uma pista de asfalto entre Vila Mariana e Santo Amaro, a Washington Luís, foi ele também quem projetou o Campo de Aviação, que mais tarde receberia o nome de Aeroporto de Congonhas. Além dele, o Autódromo de Interlagos, o Clube de Campo São Paulo, o bairro de Cidade Dutra e meia dúzia de outros empreendimentos nas administrações dos prefeitos Prestes Maia e Faria Lima. "Meu pai era um homem de visão sobretudo porque, se tivessem executado à risca o seu projeto, Congonhas teria uma pista de 3 mil metros de extensão, hangares em terrenos rebaixados e nenhum prédio nas redondezas, tudo para dar mais segurança ao aeroporto", diz Jean Romero Sanson, a primeira mulher a participar de um vôo panorâmico sobre a capital, quando foi inaugurado o Campo de Aviação, em abril de 1936. Atualmente com 90 anos, ela era então uma jovem professora de piano e de hipismo. Jean se lembra da mesa coberta de papéis, lápis e réguas na sala de jantar de sua casa, que seu pai e um engenheiro amigo e sócio dele, Alberto Zargottis, manuseavam, até altas horas da noite, para riscar seus projetos. Louis Sanson trabalhou também com o engenheiro canadense A. Billings, com quem colaborou no projeto de uma usina hidrelétrica em Cubatão, ao pé da Serra do Mar. A primeira pista de Congonhas, ainda de terra, tinha 800 metros de comprimento e 30 de largura. "Ela ficou pronta em 20 dias e foi emprestada ao governo pelo meu pai, para receber aviões Junkers comprados pela Vasp na Alemanha", diz Jean. A pista era usada também pelos monomotores Paulistinha, que o norte-americano Orton Hoover começava a fabricar em São Paulo. No dia da inauguração, escoteiros do grupo Carajás, de Chácara Flora, foram convocados para fazer o policiamento do Campo de Aviação. "Como era um aeroporto particular, meu pai achou que podia pedir a ajuda da polícia estadual para cuidar da segurança." A construção de hangares abaixo do nível da pista, onde só se veria a torre de controle, refletia a preocupação de Sanson com a ameaça representada pelo crescimento do nazismo e com a iminência de guerra na Europa. "Meu pai optou pela região mais elevada de Congonhas, depois de examinar outro local, uma área mais baixa do bairro, onde fica hoje a Hípica", disse Jean. Além da pista principal, de 3 mil metros, o aeroporto teria mais quatro, menores. "Congonhas, que naquela época era um campo coberto de verde, onde só se via barba-de-bode, não deveria ter casas por perto", recorda a filha do construtor. Para ela, foi um crime permitir a construção de prédios ao redor da pista "porque a ganância imobiliária acabou comprometendo a segurança do aeroporto". Jean Sanson nunca estudou engenharia, mas acabou entendendo de aeroporto, estrada e urbanismo, de tanto ver o pai trabalhar nessas áreas. "Congonhas foi o local escolhido porque tinha ventos favoráveis e ficava numa colina alta e descampada", disse ela, ao justificar por que a região da Hípica foi preterida em 1936. Entre Campinas e Guarulhos, Jean não tem dúvida em apontar Viracopos como o aeroporto ideal para rotas internacionais. "Meu pai, que morreu em 1967, aplaudiu a construção de Viracopos (inaugurado sete anos antes), por suas excelentes condições de clima, ventos e localização." A distância não seria problema, pois o engenheiro Sanson sugeria um trem rápido, que poderia chegar a São Paulo em uma hora. Cidadã britânica - ela nasceu em Caracas e foi registrada no consulado do Reino Unido - Jean escreveu uma carta a Elizabeth II, falando dos projetos do pai, quando a rainha veio ao Brasil, em 1968. "Ela me respondeu, agradecendo minhas informações sobre o que um engenheiro britânico havia feito para o progresso de São Paulo."

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