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Crônica, política e derivações

Consternações difusas

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Consternações difusas

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Paulo Rosenbaum

Dedicado ao dia que começa pela noite: o levante do Gueto de Varsóvia

Meu avô nasceu na Polônia e morava em Varsóvia na rua de Mila com a New Olipik, lugar onde se iniciou uma das revoltas mais significativas contra o exército nazista. Durou 3 semanas, 2 semanas a mais do que a resistência dos franceses à invasão da Alemanha.  Nachmann Wolf conseguiu sair alguns anos antes fugindo do clima anti-judaico da Europa, e nunca mais teve notícias de seus 5 irmãos, pai, mãe e demais familiares. Como tantos sobreviventes, preferiu emudecer em relação aos seus sentimentos. Provavelmente sua memória funcionava de modo seletivo, uma das maneiras para contornar o gatilho traumático do extermínio que vivenciou. Como Wolf faleceu quando eu era adolescente, nunca pude explorar bem tudo o que ele teria para nos contar.

Apesar da genial definição de Isaiah Berlin de que o judeu é alguém com senso histórico, isso não significa que saibamos introjetar afetivamente essa realidade. Por isso escrevo consternado, para buscar alguma auto-compreensão - afinal por qual outro motivo além deste os escritores escrevem?

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Meu manifesto se resume a uma consternação difusa. Ando consternado com os consensos malignos que foram sendo configurados pelo mundo. Por interesses de nações inteiras. Violenta e injustificadamente. Rápida e insidiosamente. Por maiorias moralmente entorpecidas por ideologias ambíguas e confusas. Nem Wilhelm Reich poderia imaginar - mesmo entendendo muito bem os fundamentos do nazismo e do fascismo -- que o fascismo vermelho iria tão longe quando se trata de demonização dos judeus. Sempre com o padrão ético duvidoso de uma indignação seletiva quando se trata de analisar a autodefesa de um povo permanentemente incompreendido pela história.

Também me pergunto até onde seria aceitável a legitima defesa e quais os seus limites. Mas a duvida instantaneamente se clarifica. Basta contemplar o volume de gente que se manifestou pelas ruas londrinas e norte americanas endossando explicitamente os atos dos inimigos da humanidade contra as pessoas inocentes no dia 07 de outubro antes mesmo que houvesse uma resposta ao massacre.

Basta observar o número de pessoas, que, no escuro de um estratégico anonimato, torcem pelo êxito do terror. Some-se a eles os que se afirmam neutros, quando a neutralidade é apenas mais um álibi quando o que está em questão é o senso básico de justiça e civilização.

Consternado quando os judeus - e também quem ouse defende-los - são cercados por multidões autoritárias e antidemocráticas dentro de campus universitários para impor sua liberdade de expressão às custas da mordaça alheia. Vale dizer, da permissiva liberdade com que andam impondo o cala-boca aos que discordam. Solidariamente, fico consternado com aqueles que se sentem ameaçados por discordar da arbitrariedade justificacionista. Notem bem que a tirania se aperfeiçoou quando os déspotas aprenderam a usar o "estou eleito" como escudo universal.

Consternado com o absolutismo que se instalou nos recintos que deveriam zelar pela segurança dos cidadãos. Consternado com a ideia de que nas próprias democracias ocidentais a intolerância contra os judeus tem sido naturalizada. Evidentemente nada se poderia esperar das ditaduras com sufrágios cosméticos de partido único quando os candidatos são escolhidos pelos líderes supremos, como é o caso do império dos ayatollas.

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Consternado com a postura quase hegemônica nos meios de comunicação nos veículos mundiais de imprensa condenando Israel sem que lhe seja concedido o direito à defesa. O número de exortações e palpites sobre o que a nação hebraica deve ou não fazer supera em muito os técnicos oniscientes no País do futebol.

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Consternado pela "naturalização" de um ódio ancestral que agora se fantasia com multiplicidade de nomenclaturas criativas, embora igualmente torpes, ora como antissionismo, ora como anti-israelense

É perturbador quando mobs,  passeatas, semi-linchamentos e apelos explícitos à eliminação de um País inteiro são classificados sob a rubrica "contra Israel" quando todos sabemos qual seria o nome honesto ao qual realmente corresponderia. Evidentemente, a única palavra que não pode ser abertamente assumida é "fazemos isso porque não gostamos de judeus". E é disso que se trata. Tema que, cogito, se transformou neste momento, no assunto mais relevante do planeta. E a irritação do mundo tem um diagnóstico, e poderia ser resumido: é porque agora os judeus aprenderam a se defender. Isso não significa incorporar a histeria e a paranoia e não reconhecer o apoio que os judeus e Israel tem tido por parte de alguns importantes agentes mundiais.

Afinal consternação não é melancolia, não é desolação, nem clima soturno. Minha consternação é um estado de perplexidade poética que encerra um detalhe, ela já nasceu difusa e ainda não encontrou um eixo que a manteria na rota da objetividade.

Por isso mesmo, apesar das toneladas de motivos, ainda não me ceifou um fio de esperança nesta véspera de Pessach. Se realmente não há mais luz no fim do túnel só restam duas saídas: ele precisa ser demolido ou o sobrevoaremos incólumes.

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