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Crônica, política e derivações

Encontrando ALMA (I)

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ALMA - Uma Visita ao projeto ALMA no Deserto do Atacama

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Encontrando ALMA (I)*

Em 17 de maio de 2023, movido por curiosidade e paixão pela astronomia, recebi uma autorização especial para visitar o complexo astronômico ALMA na província de Antofagasta, município de Tucanao, a 50 quilômetros de São Pedro, no deserto do Atacama, Chile. O deserto é uma vasta região que abrange também regiões do Perú e alcança até 1.000 ao sul do Chile. Fomos recepcionados pelo coordenador de visitas do complexo, Danilo Vidal, quem nos proporcionou um envolvente e detalhado tour pelas instalações e uma extensa e didática explanação sobre o projeto ALMA, cujo custo atingiu U$ 1,4 bilhão.

Por condições climáticas adversas - sob a altitude de 5.200 metros as mudanças rápidas e extremas exigem monitoramento e precaução constantes -- não pudemos visitar a planície onde ficam instaladas as 66 antenas de alta precisão, destarte tivemos a rara oportunidade de visitar uma das antenas, a qual, na ocasião, encontrava-se em manutenção.

 

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Flagrante de burros selvagens na porta de entrada do ALMA  

 

Centro de Processamento de Informações ALMA  

 

Uma das Antenas de 12 metros de diâmetro em manutenção.  

 

Vista Geral dos Alojamentos    
Vista Geral dos Alojamentos    

 

O nome ALMA e os recursos humanos.

Radiotelescópios são instrumentos de observação astronômica capazes de captar um grande intervalo de ondas eletromagnéticas de rádio. Galáxias muito distantes, buracos negros e estrelas, geralmente não visíveis através de telescópios óticos emitem grande quantidade de ondas de rádio. O acrônimo A.L.M.A significa Atacama Large Millimeter submillimeter Array. A rotina de trabalho dos cientistas, pesquisadores, técnicos e pessoal de apoio é complexa. São cerca de 200 colaboradores permanentes que residem em alojamentos especialmente construídos no complexo, ainda que, desde o início da pandemia de SarsCov2, boa parte do pessoal trabalha de forma remota, geralmente a partir da capital chilena, Santiago.

ALMA é um projeto comum que conta com 21 Países em colaboração com o Chile (o Brasil participou inicialmente, mas retirou-se do projeto). Efetivamente são três grandes representantes que coordenam o projeto, o ESO (European Southern Observatory) representado por 16 países europeus, NAOJ (National Astronomic Observatory of Japan) representado por Japão e por Taiwan, e o NRAO (National Radio Astronomy Observatory) representados pelos Estados Unidos e Canadá.

Lugar

Quais foram os critérios da escolha da localização no Chile particularmente na planície de Antofagasta? E quanto à escolha do local para a instalação das 66 antenas em Chajnantor? Como a altura e o ar seco (baixíssima umidade) do deserto influenciam favoravelmente nas observações radio astronômicas das regiões mais frias e distantes do Universo?

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"O pior inimigo da astronomia não é a poluição luminosa, explica Danilo, mas a umidade." O vapor de água da atmosfera reage com a luz e a oblitera, portanto, "quanto maior a umidade relativa do ar, pior para a Astronomia", resumiu.O Atacama é o deserto mais seco do mundo, e quanto maior a altitude maior a pressão atmosférica e o ar se torna mais rarefeito, sendo que 90% do oxigênio encontra-se abaixo dos 3.000 metros de altitude. A altitude média da Cordilheira dos Andes é de 5.000 metros de altitude. Portanto a escolha da localização do projeto ALMA foi feita, principal ou especialmente, em função dessas duas virtudes geográficas: a baixíssima umidade associada à cordilheira dos Andes, a mais alta da Terra. O deserto do Atacama reuniu todas as condições de forma única e excepcional.

 

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Luz

O sistema operativo do ALMA, inaugurado oficialmente em 2013, foi concebido em função dos limites. Quais limites? A humanidade não poderia trabalhar com grandes números e cálculos de dimensões cosmológicas de forma artesanal, vale dizer, os recursos tornaram-se limitados quanto mais se avançava sobre as grandezas detectadas no cosmos. Para medir distâncias temos várias magnitudes e unidades de grandeza: quilômetros, metros, decímetro, centímetro, milímetro, chegando ao submilimétrico.

Apesar do fato, admitido pelo nosso atual conhecimento científico, de que a natureza complexa da luz escapa à nossa compreensão, entendemos razoavelmente algumas de suas propriedades: a luz é uma onda eletromagnética que se espalha pelo vácuo, é também uma partícula do espaço que transporta energia. Esta natureza dual da luz (onda-partícula, elétrica e magnética) tem uma amplitude de onda que, em geral, é mensurada em Hertz. O que podemos fazer é calcular o comprimento desta onda, também conhecidas por ondas hertzianas. Suas frequências são menores que as ondas de infravermelho, variando entre 300 GHz (3,0×1011 Hz) e 3 kHz (3,0×103 Hz).

O que captamos através da nossa visão, e chamamos de luz, é apenas um limitado espectro dela. A luz visível abrange apenas uma pequena fração do espectro eletromagnético na região de cerca de 380 nanômetros (violeta) até 770 nanômetros (vermelho) de comprimento da onda. O fenômeno luz real é maior do que podemos enxergar. Nosso cérebro é que transforma a informação que recebemos através dos olhos e interpreta cada espectro de luz como uma "cor". Quanto menor a frequência de onda, a energia também será menor. Elas se propagam no vácuo com a velocidade da luz (aproximadamente, 3,0×108 metros por segundo). O que os radiotelescópios fazem basicamente é "enxergar" e registrar a luz na faixa de ondas de rádio.

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Telescópios e radiotelescópios

 

Antena em manutenção.  
 

Geralmente o público leigo em astronomia não compreende por que os corpos astronômicos mais distantes não podem ser alcançados através da mera inspeção ocular, mas somente através da radiação emanadas destes corpos. Evidentemente, para o público não especializado, tudo que desafia o senso comum tem mais dificuldades em ser compreendido. Por exemplo, no caso dos radiotelescópios, por que lentes e espelhos foram substituídas por sofisticadíssimos detectores de ondas de luz? Vale dizer, seria muito importante ampliar as estratégias de comunicação para popularizar e divulgar as descobertas da radioastronomia.

Os telescópios comuns, mesmo os mais modernos, usam basicamente o reflexo e a refração. Quanto maior o tamanho do espelho de um telescópio mais fótons são capturados, e, portanto, acumulam mais informação. Quanto maior o diâmetro do telescópio mais captação de luz. Porém existem limites claros, já que mesmo se conseguíssemos produzir espelhos muito maiores, ainda não haveria tecnologia suficiente para a construção, por exemplo, de um telescópio com um espelho de 2 quilômetros de diâmetro.

Radiotelescopia e radio interferômetro

Exponho mais detalhes do que significa um radiotelescópio e a metodologia de um radiointerferometro, e quais as principais diferenças dos telescópios comuns, mesmo os mais sofisticados e, como surge a ideia do "Array".

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Isto significa esclarecer para o publico como se viabilizou a metodologia em função das limitações de construir telescópios com diâmetros suficientes para captar a incidência de ondas de luz/radiação dentro do espectro que o ALMA se propõe a captar.

O que cada unidade radioteleoscópica do ALMA consegue detectar é este espectro de luz milimétrica e submilimétrica. A expressão "Array" refere-se a um "conjunto ordenado de informações" que possibilita uma maior resolução angular e que funciona analogamente a uma lente grande angular criando o efeito de zoom. No ALMA este conjunto foi elaborado através da instalação de 66 antenas, 54 delas com 12 metros de diâmetro, distribuídas numa vasta região de 16 quilômetros. A "rede de radares"  encontram-se interconectados para, formando uma "unidade funcional", apreender informações vindas das regiões mais distantes e frias do Universo. Esta ordenação também conhecida por interferometria no caso do ALMA simula um "espelho" ou um "campo" de um diâmetro de 16 quilômetros, o que transforma ALMA no maior sistema de radiotelescopia do mundo.

Pioneirismo e protagonismo científico

O projeto ALMA teve um pioneirismo mundial ao assumir a coordenação para conseguir processar a primeira imagem de um buraco negro. Desnecessário explicar qual foi sua importância para a comunidade científica mundial, e para a ampliação do conhecimento em astrofísica e cosmologia. Especialmente na investigação científica sobre as origens do Universo.

Os achados do ALMA detém a impressionante média de um paper científico por dia, geralmente publicados nas principais revistas científicas peer reviewer no mundo e segundo Vidal, por sua liderança e capacidade de aglutinação e cooperação entre pesquisadores em relação aos fenômenos astronômicos ligados aos primórdios do Universo, ALMA também tem sido conhecido como "As Nações Unidas da Astronomia Mundial"

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Pode-se listar, a titulo de exemplo, algumas de suas principais descobertas e breakthroughs revolucionários do ALMA: formação dos discos planetários, nebulosas, berçários de estrelas, descoberta da Galáxia em espiral mais antiga já detectada (https://almaobservatory.org/en/press-releases/alma-discover-most-ancient-galaxy-with-spiral-morphology/2021), a descoberta da presença de oxigênio em galáxias de 13.2 bilhões de anos (https://alma-telescope.jp/en/alma10th/galaxy-formation). Em agosto de 2014, o laboratório conseguiu detectar uma importante molécula (acrylonitrile) na atmosfera da lua de Saturno, Titã, (https://alma-telescope.jp/en/alma10th/molecule) e ainda revelou os principais componentes químicos derivados do hidrogênio, na cauda de um cometa. E a investigação, acima mencionada, que resultou na mais célebre, ainda que segundo alguns, não a mais importante: foi através do projeto ALMA que liderou o processamento da primeira imagem já feita de um buraco negro. A fotografia, icônica, tornando-se um símbolo do poder de elucidação do projeto e de consolidação em seu papel na liderança da pesquisa sobre as origens do Universo.

Estudo das Galáxias em Espiral  
Primeira foto já processada de um buraco negro.  

Para qualquer que visite o projeto será inevitável fazer algumas reflexões e considerações filosóficas sobre os desdobramentos do projeto do ALMA acerca de outras prospecções e desdobramentos das pesquisas sobre a origem do Universo. Um aspecto aparentemente paradoxal que emergiu desta visita: constatar que a tecnologia avançadíssima para detectar os maiores fenômenos cósmicos e a sondagem do infinito, que pesquisa grandezas inimagináveis e que extrapolam nossa capacidade de representação matemática, dependem da detecção de um quase invisível, de aspectos da realidade que escapam à nossa senso percepção.

O cientificamente misterioso

 

Charge fixada na porta de um dos laboratórios  

Consta no site oficial do ALMA: "A derradeira questão da espécie humana: haverá vida fora da Terra?"  Chamar a a atenção para este tema incontornável é mais do que uma provocação, e a pergunta se reafirma através da evocação do paradoxo proposto por Enrico Fermi (1901-1954): diante de tantas probabilidades por que ainda não temos uma única evidência inequívoca de presença de vida fora da Terra até o presente momento?

Para quem teve o privilégio de visitar o lugar torna-se inevitável, quase obrigatório, recorrer a uma nova indagação: "Será que quanto mais tenta-se elucidar o Universo mais cientificamente misterioso ele se torna?"

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O público interessado em astronomia pode acessar o site oficial do ALMA para obter mais informações.

Agradecimentos especiais para  Silvia e Iael Rosenbaum, Hotel Explora, Projeto ALMA e Danilo Vidal

*Fotos feitas no local pelo autor.

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