O fato de essa ser uma coleção apresentada na São Paulo Fashion Week, deveria dizer muito mais.
Fato inédito no Brasil - mas não na Europa, em que a Moschino coloca à venda seus produtos durante o desfile - a mescla do fast fashion ao conjunto de elaboradas produções pode ter consequências sobre o futuro da moda como arte, como uma elaboração artística do nosso cotidiano que se mostra na passarela.
No tempo das nossas avós, ter aquilo que estava na moda a preços módicos significava fazer a própria peça em sua máquina de costura. Muitas mulheres sabiam costurar e tinham tempo para isso. Hoje, no nosso mundo maluco e acelerado, muitas das nossas atividades diárias foram terceirizadas e passamos a conviver com a industrialização dos produtos como algo natural, da moda à alimentação.
A compra de peças sazonais mal-fabricadas pode não fazer diretamente mal à nossa saúde e não ser um fenômeno tão grave como foi a precarização da alimentação, mas com certeza faz mal ao nosso orçamento e ao nosso guarda-roupa.
Como a grande maioria dos tecidos que compramos vem da China (às vezes mesmo quando adquirimos produtos de marcas bacanas) a vida útil desses itens é baixa; grande parte rasga sozinho num tempo muito curto. Além disso, o impulso de consumo torna as peças obsoletas em pouco tempo, já que a ideia é produzir coisas que imprimam sua efemeridade, que saiam de moda no curto prazo, a fim de que mais peças se tornem objetos de desejo.
A aceleração do processo da moda afeta gravemente o meio ambiente e também a vida de milhares de trabalhadores da indústria têxtil.
Democratizar a moda não é vender objetos duvidosos a preço de banana. Democratizar seria distribuir o valor gasto na produção entre diferentes grupos sociais.
Quando incentivamos o fast fashion enriquecemos apenas uma meia dúzia de grandes empresários, donos de grandes marcas. Isso não é democratização do dinheiro.
Quando compramos fast fashion vamos a favor de todo o processo de "colonização da moda"*, que marcou a entrada de grandes marcas mundiais em países estrangeiros, acabando com a produção local.
Quando compramos fast fashion incentivamos o trabalho em condições sub-humanas em países que não têm (ou têm muito poucas) leis trabalhistas. Isso não é democratização de nada.
Democracia não tem nada a ver com o fato de que você pode comprar mais itens e, por isso, descartá-los mais rapidamente. Democracia não é posse, mas direito. E se quisermos entender que temos direito a ter mais e mais coisas, de que vale ter objetos sem qualidade? Falar em democracia quando se fala do acesso a coisas propositalmente descartáveis parece mais um artifício para justificar a exploração do trabalho e da natureza, e para apaziguar os ânimos dos excluídos das altas esferas.
Mas ir contra tudo isso é mudar um comportamento muito intrincado na nossa cultura, que acredita que posse e felicidade são termos intercambiáveis.
Para citar Hector Babenco, muito se fala hoje de soluções políticas e sociais (de certo modo sobrevalorizando demasiadamente o sentido de ter), "mas se esquece da beleza".
A apreciação da beleza por si só, sem tê-la em nossas mãos, é hoje algo que beira o inimaginável.
* Essa informação devo a Renato Cunha, do blog Stylo Urbano.
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