Machado, não Casmurro (1)

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Por danielpiza
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Desde sua morte em 1908, cristalizou-se a noção de que Joaquim Maria Machado de Assis teria sido um homem melancólico, recluso, a exata encarnação do pessimismo ruminado pelos narradores de seus romances. Essa imagem é muito derivada de seus anos finais de vida, na rua do Cosme Velho, 18, no bairro das Laranjeiras, no Rio de Janeiro. Ali, naquele sobrado em forma de chalé, Machado passou os últimos anos sofrendo de muitas doenças e da profunda tristeza que o abateu depois da morte de sua esposa, Carolina, em 1904. Tinha convulsões e ausências por causa da epilepsia, tinha asma, dores de cabeça, insônia, tinha diarréias causadas por remédios como o tribomureto; enxergava cada vez pior, sobretudo à noite, e era muitas vezes obrigado a se alimentar de leite e biscoito, em função de um tumor na boca. Raros amigos o visitavam, e raramente ele saía de casa para ir à Livraria Garnier ou a reuniões da Academia Brasileira de Letras. Testemunhos como o de Manuel Bandeira, que ainda criança viu o "Bruxo do Cosme Velho" arrastando sua infelicidade pela rua, reforçaram o tom soturno dessa existência tardia.

A realidade, porém, era mais complexa. No dia seguinte à sua morte, houve um cortejo fúnebre numeroso, com colegas, autoridades e cidadãos se aglomerando pelas ruas do Rio. Nomes como Ruy Barbosa e Joaquim Nabuco discursaram em seu louvor; outros como Euclides da Cunha escreveram artigos de exaltação; a notícia saiu no Times de Londres. Aquele era, por consenso, o maior escritor brasileiro de seu tempo, quem sabe de todos os tempos, e desde os anos 1870, antes mesmo de escrever suas obras-primas, ele gozava de enorme prestígio no meio cultural brasileiro, tanto que havia sido eleito por unanimidade o primeiro presidente da ABL. Colegas de juventude, como Salvador de Mendonça e Arthur de Azevedo, recordaram a maneira espirituosa e falante de Machado nos tempos de jornalismo, seu modo educado de ironizar e brincar com os íntimos. Tratava-se também de um homem que, além de escritor consagrado, tinha conseguido vencer muitas barreiras ao longo da vida, chegando a ser um funcionário público de alto escalão (um "quase ministro", como diziam os amigos em alusão ao título de uma de suas peças), morador de bairro que hoje se diria "nobre", ainda que alugasse a casa de uma amiga baronesa. E, acima de tudo, de um homem que viveu 35 anos felizes ao lado de Carolina. O amor por ela era tamanho que a própria Carolina confessou a amigas - que depois contariam ao viúvo - esperar morrer depois dele, pois saberia o quanto ele sofreria caso ela partisse primeiro. Não espanta que, depois do baque de 1904, esse escritor que por razões óbvias não contava viver até quase 70 anos de idade tenha entrado numa espécie de depressão final.

Nascido numa época em que a expectativa média de vida dos brasileiros não passava de 40 anos, Machado, mesmo acompanhado pelas doenças desde cedo, excedeu em muito essa expectativa. Outro aspecto negligenciado de sua biografia é justamente o fato de que, numa sociedade ainda tão incipiente, com tantas mazelas à vista, ele não deixou de ter uma infância privilegiada, com oportunidades que eram negadas para mais de 80% dos brasileiros. Embora haja poucas informações sobre sua infância, excluídas as ilações feitas por biógrafos antigos, é comprovado que Machado era filho de pai e mãe alfabetizados. O pai, negro, nunca foi escravo; o avô havia sido alforriado. A mãe era branca, imigrada dos Açores, e ambos quando se casaram puderam ocupar uma casa própria junto à Chácara do Livramento, onde trabalhavam e onde Machado nasceu em 1839, batizado pela dona da propriedade. Não há informações consistentes sobre a formação escolar de Machado, mas não há dúvida de que ele teve acesso ao melhor, pois já o vemos aos 15 anos como poeta e, pouco depois, tradutor de francês. Até hoje, no entanto, a noção de que Machado teve uma infância completamente adversa é predominante.

Não que não tenha sofrido muito, em cada etapa da vida. Afinal, ficou órfão aos dez anos, e aos 15 deixou a casa onde seu pai vivia com a madrasta para buscar uma profissão no centro da cidade. Mas é fundamental notar que ele aproveitou as oportunidades que surgiram, e de modo ambicioso e perseverante. A mais definitiva dela foi a de ser aprendiz de tipógrafo, na Casa Paula Brito, cujo chefe foi o primeiro dos muitos padrinhos - pessoais e literários - que Machado teria até se estabelecer como homem de letras. Lá mesmo na tipografia começou a publicar seus primeiros poemas, de teor romântico, característico de quem lia Victor Hugo e Lamartine e admiraria Álvares de Azevedo e Castro Alves. Dois anos mais tarde já começaria a praticar outro gênero em que se daria melhor, a crônica, como jornalista político de A Gazeta do Rio de Janeiro e, depois, do Diário do Rio de Janeiro. Em pouco tempo era braço direito de Quintino Bocaiúva, escritor e ativista de renome. Outros padrinhos foram Manuel Antonio de Almeida, o precursor do romance urbano brasileiro com Memórias de um Sargento de Milícias, seu chefe na Imprensa Nacional, e José de Alencar, sua maior admiração literária, já então celebrado como romancista, dramaturgo e homem público.

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Não demorou muito, portanto, para que o menino da Chácara do Livramento estivesse no centro da vida cultural do Rio dos anos 1850, no Brasil governado pelo jovem rei Dom Pedro II. A intensidade da imersão de Machado nessa vida cultural, que naturalmente girava em torno da corte, costuma ser subestimada também. Periódicos dominados por folhetins e crônicas (como as de Alencar ou de Gonçalves Dias) se multiplicavam, assim como as festas e os bailes, e o gosto fluminense pela música - que deu à cidade a alcunha de "Pianópolis", tal o número de pianos que se encontravam nas casas de algum recurso - só era ameaçado pelo fervor que envolvia o teatro e a ópera. Estudiosos apontam a realização de até 200 espetáculos cênicos por ano na capital da monarquia, e cantores líricos vindos da Itália ou da França eram festejados como celebridades pelas ruas e nos jornais. Machado ia a grande parte desses espetáculos e, como crítico musical e teatral, escrevia sobre eles em diversas publicações. Mas não era apenas um observador: brevemente passaria a colaborar com os teatros como tradutor, adaptador e autor, além de ter passado um período como censor (parecerista) do Conservatório Dramático.

Extremamente integrado, até onde um artista consegue se integrar, Machado foi condecorado por Dom Pedro II e sua filha, Isabel, e durante a Guerra do Paraguai escreveu poemas e uma cantata em louvor ao genro do imperador, o francês Conde D'Eu, por sua ação militar - para lá de truculenta - na guerra contra Solano López. Machado começou a escrever pequenas peças "de salão", as chamadas comédias "de boulevard", que eram montadas para amigos e convidados nos salões da aristocracia. Participava de saraus, nos quais lia poemas como os que escrevia para sua amiga e atriz, Gabriela da Cunha, por quem parece ter alimentado paixão platônica. Por falar em alimentação, Machado freqüentava banquetes em regiões como o Carceler, do Hotel Globo, e se divertia com os amigos que ficariam por toda a vida como Joaquim Nabuco, Olavo Bilac, Raul Pompéia, Graça Aranha e José Verissimo. Fazia parte de uma geração intelectual que para muitos foi única na história do Brasil, pela quantidade de obras-primas que eles fariam até a virada de século.

Aquele era um Rio gregário, com uma classe média boêmia e crescente formada por comerciantes, advogados, médicos e por jornalistas e servidores como Machado. Sociedades de todo tipo eram fundadas. No Clube Beethoven, que chegou a dirigir, por exemplo, Machado e seu amigo pianista Arthur Napoleão se dedicavam não apenas à melomania, mas também a ler jornais estrangeiros e jogar torneios de xadrez. Outra agremiação a que Machado pertencia era a Sociedade Petalógica, devotada à mentira, que produzia textos de um humor que mais tarde faria papel fundamental na carreira de Machado como ficcionista. Nessa mesma época, por sinal, ele se beneficiava do aumento do número de jornais e revistas, como Jornal da Família e O Espelho, nos quais começou a escrever contos que não raro tinham como alvo o leitorado feminino. Com isso, Machado engrossava seu orçamento e fazia planos. Afinal, foi em 1867 que conheceu a mulher que transformaria sua vida, Carolina, irmã de seu amigo Faustino Novais, poeta português e membro da Petalógica.

Em 1869, depois de enfrentar alguma resistência da família portuguesa da Carolina, que não via com bons olhos sua união com um mulato sem nenhum patrimônio, eles se casaram. Promovido, Machado alugou uma casa na rua da Lapa e foi viver com sua amada, uma mulher três anos mais velha, muito culta e forte, que seria uma interlocutora essencial para o escritor de 30 anos, já respeitado como cronista e crítico, mas ainda sem ter mostrado seu gênio nem na poesia nem no teatro. Curiosamente, foi a partir desse momento que, tendo assinado um contrato com a editora Garnier, Machado passou a investir seus maiores esforços na prosa de ficção. Seu primeiro romance foi publicado em 1872, sob o sugestivo título de Ressurreição, e ele emendaria outros três no espaço de seis anos. Todos eram conversados e revistos por Carolina e, assim como os contos, foram bem recebidos pela crítica da época. A maior influência, sem dúvida, era dos romances urbanos de José de Alencar, como Lucíola e Senhora (não Iracema e O Guarani), o que títulos como Helena e Iaiá Garcia não deixam mentir. Como nas peças de teatro que via e traduzia, de autores como Alfred de Musset, o enredo era sempre em torno de um triângulo amoroso, com passagens cômicas mas tonalidade dramática, de um certo esquematismo moral na construção dos personagens.

Machado continuava sua ascensão, gradual e contínua, tanto nas carreiras como no prestígio, a tal ponto que em 1873 um jornal o destacou na capa ao lado de seu mentor José de Alencar como os dois grandes nomes das letras no Brasil. Mas nem tudo era sólido. O regime monarquista que defendia, depois do auge de poder atingido com a vitória no Prata, já começava a revelar as primeiras fissuras. Os mesmos militares que fizeram a campanha começaram a venerar as idéias de república e do positivismo, leitores fanáticos de Auguste Comte, e o movimento contra a monarquia começou a aflorar em cidades como São Paulo, entre os estudantes de Direito. Nem mesmo medidas como a Lei do Ventre Livre, que em 1871 determinara que os filhos de escravos não seriam escravos, serviram para aplacar os ânimos. Ao longo da década, Dom Pedro II perdeu a aura divina e passou a ser ridicularizado em textos e charges, que lhe deram apelidos como Dom Pedro Banana, por não administrar o governo e preferir fazer viagens e eventos culturais, além de barganhar com liberais e conservadores. O Brasil perdia o trem da Revolução Industrial, e seria o último país do Ocidente a proclamar a Abolição.

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O confronto se estendia ao campo literário. Em 1875, por exemplo, Machado viu seu ídolo José de Alencar, dez anos mais velho, e seu amigo Joaquim Nabuco, dez anos mais novo, travarem um embate verbal de várias semanas pelos jornais. Nabuco acusava Alencar de seu um nacionalista romântico; Alencar replicava que Nabuco era mais um desses jovens da elite que vão estudar na Europa e voltam de lá querendo copiar a última moda, como a literatura realista, sem adaptação à realidade local. Por uma ironia que ele entendia mais que ninguém, Machado escrevera sobre esse mesmo assunto dois anos antes, num ensaio depois tido como seminal, Instinto de Nacionalidade. Só que escrevera com menos extremismo e mais agudeza. Para ele, a literatura brasileira só amadureceria - só proclamaria sua independência - se abandonasse a polarização entre a corrente que prezava a "cor local" (índios, paisagens exuberantes, etc.) e a que imitava as escolas importadas (sem originalidade e sem aproveitar o manancial de temas e cenários do Brasil). Ele mesmo, podemos acrescentar, seria o responsável por mostrar o caminho na prática.

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Também na questão política ele ia além das paixões da hora. Depois da fase juvenil em que bajulou Dom Pedro II, de quem dizia ser um "homem honesto e esclarecido", Machado passou a ter uma visão bem mais crítica, cética, que por isso mesmo significou um salto de qualidade em suas crônicas. A demora em fazer a abolição e combater o atraso brasileiro, como na questão da alfabetização, corroeu os ideais do escritor, mas nunca o fez se bandear para o republicanismo. Como Nabuco, Machado acreditava que num país sem história, sem uma elite digna do nome, a monarquia era mais capaz de impor padrões civilizadores do que a república. Mas foi e sempre continuou sendo um abolicionista. Ao contrário do que se diz, sua obra é marcada por essa questão - e algumas crônicas dos anos 1880 são ironias contundentes à mentalidade escravocrata - e Machado teve a percepção de que os grupos de poder se alternavam sob distintos nomes, mas terminavam sempre agindo de modo semelhante, num regime acima de tudo oligárquico. Esse é o tema subjacente, por exemplo, de Esaú e Jacó, seu penúltimo romance.

Além das cisões intelectuais e políticas que descosturaram o figurino do Segundo Reinado em que cresceu, Machado confrontou também suas próprias dúvidas sobre o que fazer. Depois do quarteto alencariano, estava ciente de que ainda não atingira a "fineza de traços" que buscava para sua ficção. Sintoma disso foi a controvérsia em que se meteu ao criticar Eça de Queirós em 1878, provando mais uma vez que não foi o homem avesso a polêmicas que a posteridade pintou. Eça, afinal, já fazia muito sucesso, inclusive no Brasil, e Machado analisou O Primo Basílio de forma incisiva. Analisou também O Crime do Padre Amaro, indo além: mostrou as diversas semelhanças da história com a de Émile Zola, A Queda do Abade Mouret, que na segunda edição seriam retiradas por Eça. O que desgostava Machado era o naturalismo, o realismo levado ao extremo da minúcia fisiológica, a caricaturização sem sutileza dos personagens. Isso, porém, não significava que ele fosse a favor do formato convencional, romântico ou realista, em que o autor é moralista ou se finge de neutro. Machado estava procurando, de novo, um meio-termo inovador.

Todas essas dúvidas e questões estavam com ele quando adoeceu, em 1879, e foi obrigado a passar uma temporada de recuperação na estação serrana de Nova Friburgo. Tinha problemas sérios nos olhos (retinite), mas também estava magro - ou "cadavérico", como diria mais tarde. O trimestre de repouso e remédios lhe trouxe novas forças - e lhe trouxe também os primeiros capítulos de uma obra sui generis, diferente de tudo que ele já havia feito e de tudo que a literatura brasileira já havia feito: Memórias Póstumas de Brás Cubas. Publicado em livro em 1881, revelou uma técnica ímpar: uma narrativa que parece feita de fragmentos, como uma colagem em que os capítulos curtos contam a história em ziguezague, e ao mesmo tempo tudo é amarrado por um tom que jamais abandona a elegância. Metáforas se desfazem, como que zombando do próprio romantismo, e o humor e a reflexão tomam um espaço muito maior do que tiveram antes, com frases e aforismos memoráveis. O estilo bem comportado, quase maniqueísta dos romances anteriores dá lugar a uma escrita livre, inspirada na obra de Laurence Sterne, só que meio galhofeira meio melancólica, com uma agilidade e um antipuritanismo muito claros. O tema do adultério ganha outra dimensão com as confissões de um narrador dentro de seu túmulo que sonha resolver os problemas da humanidade e na verdade só pensa em si mesmo, e que termina sem ter concretizado nenhuma de suas ilusões.

É claro que a experiência de quase-morte vivida em Friburgo inspirou os temas e a inquietação formal do livro, mas o hábito de confundir Brás Cubas com o próprio Machado não se justifica. A última frase, "Não terei filhos, não transmitirei a nenhuma criatura o legado da nossa miséria", muitas vezes é citada como exemplo de misantropia e como a explicação para o fato de o escritor não ter tido filhos. Em realidade, Machado disse mais de uma vez que lamentava não ter filhos; provavelmente estava impedido de tê-los, por suas doenças (tais como entendidas em sua época) ou pelos efeitos colaterais dos remédios (como o citado tribomureto). E o "gran finale" de Brás Cubas é o último gesto orgulhoso de um homem que, ao fazer o balanço de sua vida, vê que só teve negativas, mas insiste no fato de que não ter tido filho foi positivo porque tal filho não desfrutaria de seu grande invento salvador, o emplastro que teria seu nome. Mordacidades contra a religião não faltam na obra madura de Machado, que recusou padre para extrema-unção porque seria hipocrisia.

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A partir dali, sua produção dobrou o cabo da genialidade e se manteve em alto patamar até o final. A década de 1880 é pródiga em contos magistrais como Missa do Galo, A Cartomante, Teoria do Medalhão e O Alienista, e foi durante sua segunda metade que Machado escreveu o romance seguinte, Quincas Borba, publicado em 1891. A mescla de narrativa empática e ironia iluminista configura um estilo único, que não se restringe ao ilusionismo da descrição direta, mas também não se prende aos jogos de linguagem; ele se mostra como um precursor do modernismo na combinação do contínuo com o descontínuo, do linear com o fragmentário. Foi com esse instrumental que Machado pôde enfim estabelecer uma leitura da sociedade que testemunhou de alto a baixo - ou melhor, de baixo a alto - em sua trajetória de vida. A maioria de seus romances se passa no Rio dos anos 1850-60, do Segundo Reinado, e mesmo aqueles que vão até os anos 1880 - os dois últimos, Esaú e Jacó e Memorial de Aires - o fazem como que para assinalar o fim de uma era, de um século. Cada vez mais maduro e cético, Machado descortinou o teatro social de seu tempo, em retrospectiva, e mostrou os falsos dilemas de um país que teima em não encarar por muito tempo seus problemas mais graves.

Como se não bastasse, Machado revolucionou a literatura e releu o Brasil lançando mão de questões universais, como que a cumprir o que pedia em seu Instinto de Nacionalidade. O conflito entre razão e paixão, entre espírito e matéria, entre essência e aparência - essa era sua maior preocupação filosófica. Em O Alienista, por exemplo, se voltou para o caso da ciência que pretende ter conhecimentos definitivos sobre a psicologia humana, não porque fosse contra a ciência, mas porque não conseguia vê-la ocupar o lugar da religião com a mesma pretensão dogmática, com a mesma pregação messiânica. Pois a maior vítima da inteligência de Machado é a ambição de totalidade, a crença num sistema fechado que resolva todos os problemas como se fosse uma fórmula. Ele, afinal, estava acostumado a tomar xaropes que, como se vê nos anúncios dos jornais da época, prometiam não apenas curar uma dor ou uma gripe, mas também "os males da alma". Machado não era contra o capitalismo, a ciência, o progresso, a erudição - como tantos acadêmicos brasileiros ainda parecem pensar. Ao contrário, era monarquista da escola inglesa, anti-absolutista, abolicionista e muito refinado.

Machado era, acima de tudo, contra o idealismo que se propõe salvar a humanidade, venha de onde vier - das igrejas, da arte, da medicina ou da política. Como Schopenhauer, poderia dizer que não era pessimista; as pessoas é que queriam acreditar que Deus fez o mundo da melhor maneira possível. Os outros, em suma, eram otimistas demais.

Continua...

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