Decisões de Dino no combate ao fogo retomam protagonismo do STF na pandemia

Ministro toma posição ativa ao pedir celeridade do governo para conter incêndios, mas juristas e economistas questionam eficácia; procurado oficialmente, o gabinete não quis se manifestar

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BRASÍLIA — As decisões do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino que instam o governo a agir com mais celeridade nas ações de combate aos incêndios que assolam o Brasil e permitem que os gastos fiquem de fora das regras fiscais retomam o protagonismo que a Corte assumiu durante a pandemia de covid-19, embora sejam questionadas do ponto de vista da eficácia e podem ter repercussões para o aumento da dívida pública, apontam especialistas ouvidos pelo Estadão.

Juristas ouvidos pela reportagem dizem que a Corte tem se mostrado como “salvaguarda” na defesa de pautas ambientais e como “indutor” no enfrentamento do fogo, que afeta principalmente a Amazônia e o Pantanal brasileiro, mas há quem aponte “heterodoxia” nas ações do magistrado. Procurado oficialmente, o gabinete do ministro não se manifestou.

Dino é o redator de decisões que instam ações do governo no combate ao fogo pelo País. Foto: Gustavo Moreno/STF

Na noite desta segunda-feira, 16, o ministro da Advocacia-Geral da União, Jorge Messias, informou que Lula procurou o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, e fez a ele um apelo para que a Corte tomasse “todas as medidas necessárias” para priorizar o julgamento de ações que tratem de questões ambientais, tanto cíveis como criminais.

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Também na segunda-feira, durante a abertura da reunião do Observatório do Meio Ambiente e das Mudanças Climáticas, no Conselho Nacional de Justiça, o presidente do STF falou das providências que haviam sido tomadas pelo Supremo nas ações conexas à proteção ambiental e às queimadas e, dirigindo-se a todos os juízes do País, pediu tratamento de prioridade máxima aos processos envolvendo incêndios criminosos, realçando a gravidade desse fatos.

Em sua fala no CNJ, Barroso fez ainda um paralelo da situação com a chamada criminalidade do colarinho branco e afirmou que, antes, as pessoas só davam importância para a criminalidade violenta, a criminalidade tradicional, até que a sociedade se deu conta de que a lavagem de dinheiro, as organizações criminosas também eram altamente lesivas, aliás, mais lesivas. E frisou que os crimes ambientais também precisam de receber a mesma atenção da sociedade.

Protagonismo de Dino

Nas últimas semanas, Dino deu 15 dias para que a União mobilizasse o maior contingente de agentes das Forças Armadas, da Polícia Federal, da Polícia Rodoviária da Força Nacional e da fiscalização ambiental para conter os incêndios, cobrou informações da Advocacia-Geral da União sobre como o governo conduz o trabalho, mobilizou a convocação de bombeiros de Estados não atingidos com queimadas e autorizou o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a usar crédito extraordinário fora da meta fiscal para combater incêndios.

Nesse último caso, Dino deu autorização para o governo editar uma medida provisória (MP) apenas definindo o valor do crédito a ser destinado. Essa decisão impede que esses gastos voltem a ser limitados caso a MP caduque ou o Congresso não a aprove.

Tradicionalmente, o reconhecimento de estado de calamidade é feito pelo Congresso Nacional, por meio de projeto de decreto legislativo (PDL), como ocorreu no caso das enchentes do Rio Grande do Sul, em maio.

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A própria ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, sugeriu, em audiência no Senado realizada no começo deste mês, uma proposta similar. Ela falou que o Brasil deve criar uma legislação que permita a possibilidade de realizar gastos para a contenção da emergência climática que fique fora do teto de gastos.

Mas, nenhuma proposta neste sentido foi negociada pelo governo Lula com o Congresso, embora, como mostrou o Estadão, uma série de documentos incluindo ofícios, notas técnicas, atas de reuniões e processos judiciais mostram que a gestão petista tinha ciência do que estava por vir desde o início do ano.

Incêndio atingiu o Parque Nacional de Brasília, nos arredores da capital. Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/AgeNcia Brasil

As decisões de Dino ocorreram após acórdão em julgamento de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). Ele foi o redator após apresentar o voto vencedor. São, no total, três ADPFs apresentadas, respectivamente, pela Rede, pelo PT e por um bloco de partidos composto pelo PSB, PSOL, PT e Rede em 2020 e em 2021. Em suma, os partidos pediam ao STF que o governo do então presidente Jair Bolsonaro (PL) agisse com urgência para conter as queimadas do Pantanal e na Floresta Amazônica.

Como mostrou o Estadão, a área queimada no Brasil neste ano mais do que dobrou em relação a 2023. Desde janeiro, foram destruídos 11,4 milhões de hectares, uma alta de 116% em comparação a 2023, segundo dados do Monitor do Fogo, do MapBiomas, que reúne ONGs, universidades e empresas de tecnologia.

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O professor de Direito Constitucional Thomaz Pereira afirma que Dino age de forma “heterodoxa”, e reivindica um protagonismo para ele mesmo, quando a Corte poderia tomar essas decisões de forma colegiada, em conjunto com outros ministros.

“É possível achar que é heterodoxa que isso tenha sido feito pelo ministro Flávio Dino, como relator de ação que já foi julgada, que tem pedidos genéricos pela preservação da Amazônia e a partir disso ele próprio tomar decisões”, afirma. “Dino coloca o Supremo por iniciativa dele, não da Corte, numa posição de protagonismo em gerenciar uma crise que já está sendo gerenciada. Não é que não exista atores atuando neste caso.”

Juristas ligados ao Direito Ambiental veem as ações do STF com bons olhos. “O Supremo tem se mostrado uma importante salvaguarda para a defesa do meio ambiente”, afirma Nauê Bernardo, especialista em litígio estratégico no Observatório do Clima. “A postura do ministro Flávio Dino tem buscado garantir maior efetividade no enfrentamento da crise atual e na adoção de medidas de prevenção para o futuro”, diz Mauricio Guetta, consultor jurídico do Instituto Socioambiental (ISA).

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Economistas, por sua vez, apontam que as ações reduzem burocracias, mas também criam contabilizações paralelas à meta que fragilizam a busca pela redução do déficit primário, a diferença entre o que o governo arrecada e gasta, sem contar as despesas com a dívida.

“O governo expandiu muito a despesa obrigatória e quando surge uma emergência, ele não tem reservas para lidar com os custos da nova obrigação. O correto seria uma política de controle dos gastos, para ter recursos para lidar com emergências que sempre ocorrem”, diz Marcos Mendes, economista e pesquisador do Insper. “Por mais meritória que seja a finalidade, o fato é que vai agravar ainda mais o problema do déficit fiscal.”

Para o economista-chefe da Warren Investimentos, Felipe Salto, a decisão de Dino foi “correta”. “Nos casos de queimadas, que representam uma situação de calamidade e urgência, pode-se usar o crédito extraordinário e ele será apartado das regras fiscais (teto e meta do primário)”, diz o economista.

Ele também pondera que a previsão de espaço fiscal para contingências e imprevistos precisaria ser debatida “a sério” no Brasil. Salto dá como exemplo a proposta orçamentária do próximo ano, que contém uma reserva de contingência de quase R$ 40 bilhões. No entanto, todo esse montante deverá ir para as emendas parlamentares. “Não seria o caso de reformular esse conceito e prever uma reserva que, efetivamente, funcionasse como um recurso orçamentário para uso emergencial?”, questiona o economista.

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Nauê Bernardo também pondera que há outros prejuízos em jogo. ”Quando você olha para o fenômeno de incêndio, você tem agressão ao meio ambiente em todas as esferas. Tudo isso gera, se você olhar em uma perspectiva financeira, prejuízos ao País”, diz. “Acho muito importante levar em conta que essa fumaça causa muitos prejuízos à saúde das pessoas. Ou seja, ainda tem potencial para pressionar o sistema de saúde.”

‘Pandemia de incêndios florestais’

Em uma audiência no começo deste mês, Dino disse que o Brasil vive “uma autêntica pandemia de incêndios florestais”. De acordo com o ministro, os Três Poderes devem se mobilizar para enfrentar a crise assim como se mobilizaram na pandemia de coronavírus e nas enchentes no Rio Grande do Sul.

Rubens Beçak, professor-associado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, vê no Supremo um agente que retoma a importância assumida durante a pandemia no governo Jair Bolsonaro. “Acredito que o Supremo assumiu nos últimos anos o papel de aquele que é o fiel da balança constitucional de uma série de valores. Naturalmente, uma hora apareceria essa questão da defesa do meio ambiente. Acho que há, de certa maneira, um paralelo com a pandemia”, afirma.

Durante a pandemia, o STF tomou diversas decisões relacionadas, por exemplo, a atuação policial em favelas, proteção das comunidades indígenas, processo legislativo, direitos trabalhistas e pagamentos do Bolsa Família.

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Os incêndios que assolam o País ganharam outro contorno crítico com o incêndio que se alastrou pelo Parque Nacional de Brasília neste último domingo, 15. Até a noite da segunda-feira, 16, o incêndio tomou 2 mil hectares da área interna do parque.

A fumaça envolveu a capital federal de modo que algumas repartições públicas dispensaram atividades presenciais na segunda-feira. Foi o caso da Universidade de Brasília.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobrevoou a área no domingo e se reuniu com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, para discutir a situação.

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