Foi em 14 de abril de 1912, há quase 109 anos, que o Titanic, enorme e luxuoso navio de cruzeiro, em sua viagem inaugural, colidiu com um improvável iceberg. Por razões que a própria razão desconhece, fui rever dados do desastre do Titanic.
Há na internet vasta informação sobre este acontecimento, que já se esfuma no tempo, mas que era tema constante nas conversas que ouvia na juventude. Das 2.226 pessoas a bordo, apenas 703 sobreviveram (32%) e 1.503 pereceram. Com os botes existentes, talvez em número insuficiente, lançados ao mar ainda não totalmente lotados, o número de mortos foi grande. Outro navio, o RMS Carpathia, atendeu aos pedidos de socorro e apareceu horas depois para o resgate dos que estavam nos botes.
Os destroços do Titanic repousam a quase 4.000 metros de profundidade. Assim a própria localização do navio no fundo do oceano só foi conseguida no início dos anos 80. Encontrados os destroços, expedições tripuladas para recuperar material começaram anos depois, mas boa parte do navio hoje já foi reabsorvida pela natureza e agora integra o ambiente do fundo do mar.
Desde este naufrágio, o mundo viu duas guerras mundiais, diversas crises, revoluções, movimentos e revisões históricas, que afetam significativamente a forma de pensar e de agir.
O capitão do Titanic, Edward John Smith, 62 anos e oficial da Reserva da Marinha Real britânica afundou com o Titanic, seguindo à risca seu código de honra: “o capitão deve submergir com seu navio” ou, se houver forma de se salvar, que seja o último a abandonar o barco. Como contraste, cem anos depois, no naufrágio do Costa Concórdia defronte à costa italiana da Toscana, seu capitão Francesco Schettino escafedeu-se assim que pôde num evento com mais de 30 mortos… Ganhou repercussão a reprimenda que teria recebido de um capitão da guarda costeira, quando da evasão: “Vada a bordo, cazzo!!!” (vá a bordo, po**a!). A frase foi inclusive estampada em camisetas para o carnaval italiano daquele ano. Parêntese pessoal: quando cheguei ao Brasil em 1954, o navio que trouxe a família era o Anna C, da mesma Linea C do naufragado Costa Concórdia, uma empresa de transporte marítimo com mais de 150 anos de história. Algo parece ter mudado no código de honra e no comprometimento de alguns.
Em casos de desastres graves e com sérios riscos a vidas humanas, outro lema que se aplicava em 1912 era “mulheres e crianças primeiro”. Os dados disponíveis sobre os sobreviventes no Titanic confirmam isso (claro, há também um inevitável viés econômico: a porcentagem de mortos na primeira classe foi menor que a da terceira). Tem-se: dos 1.680 homens a bordo, sobreviveram 323 (19%), das 112 crianças, 56 (50%) e das 434 mulheres salvaram-se 324 (75%). Se olharmos os números da “primeira classe”, dos 171 homens sobreviveram 54 (32%), das 7 crianças, 6 (86%), e das 141 mulheres salvaram-se 137 (97%, com apenas 4 mortes). Finalmente, na “terceira classe” os números foram: dos 450 homens sobreviveram 59 (13%), das 80 crianças 25 (31%) e das 179 mulheres 88 (49%).
Como seria a avaliação popular destes comportamentos hoje, quando todos se metem a julgar todos, com a grande presença de redes sociais e dos “influenciadores”? Parece importante, especialmente em circunstâncias dramáticas, ter em conta valores e preceitos que se distanciem do mote de uma propaganda de cigarros dos anos 70: “o importante é levar vantagem em tudo”. Atitudes mais nobres, desprendidas e em benefício geral deveriam valer mais que o velho jargão “farinha pouca, meu pirão primeiro!” * É ENGENHEIRO ELETRICISTA
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