PUBLICIDADE

EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

Por dentro da rede

Opinião|Mandic foi um empreendedor com visão de futuro

Morte do empresário pioneiro reforça a sensação de que o início da internet é uma época que se vai

PUBLICIDADE

Por Demi Getschko
Atualização:
Aleksandar Mandic foi pioneiro da internet no Brasil Foto: Kathia Tamanaha/Estadão - 29/10/97

Um “ano de cachorro” equivaleria a sete anos humanos. A rápida evolução da internet ocorre a passos de “anos de cachorro”. A grande atração dos anos 90 era o correio eletrônico: quem o usava era digno de consideração, e receberia uma resposta ágil, mesmo que seu contactado fosse uma sumidade de outra forma quase inacessível.

PUBLICIDADE

Ainda em tempos de Bitnet, resolvi acompanhar uma lista de acadêmicos brasileiros no exterior, a Brasnet. Com três sublistas de distribuição, EUA, Inglaterra e Brasil, para uma distribuição mais eficiente, eu, que a imaginava um grupo sisudo e circunspecto, encontrei lá um pessoal animado e bem-humorado.

Além de dicas sobre onde encontrar pertences para fazer uma feijoada nos EUA, a Brasnet tinha uma “rádio” via e-mail (!). A RUI, Rádio Uirapuru de Itapipoca, era tocada pelo “d.j. Mauro Pacatuba” (Mauro Oliveira, um cearense doutorando na UCLA). E a RUI transmitia até festa junina usando texto! Uma “pândega!”, diriam os antigos.

Mas enquanto o correio eletrônico se expandia entre os acadêmicos, existiam ainda outras formas de agregar interessados: as BBS (Bulletin Board System), usando linhas telefônicas, que contavam com um Sysop (o coordenador da BBS, usualmente seu dono) cuidando do funcionamento dia e noite. Os usuários ligavam para o tronco da BBS munidos de um modem e recebiam e enviavam recados aos demais membros, além de trocar informações e debater. Eram comunidades restritas e muito ativas. Sob a batuta do Sysop, formavam vínculos de amizade que perduram até hoje.

Das muitas BBS no Brasil, cito apenas duas: a CanalVip de 1986, talvez a mais antiga, com o Sysop Paulo César Breim (PCB), e outra, a Mandic de 1990, que ganhou notoriedade e importância nas mãos do Sysop Aleksandar Mandic. Assim que as BBS notaram a vantagem de conectarem suas comunidades a uma rede ampla, iniciou-se a atividade de “provimento de acesso”, com BBS atuando como provedores. Nos EUA a invasão da internet por usuários não acadêmicos já havia acontecido quando a populosa BBS CompuServ carreou milhares de usuários, mudando o cenário da internet.

Publicidade

Na semana passada perdemos o Mandic, personagem emblemática do “caos criativo” que a internet inicial vivia. Reforça-se a sensação de que é uma época que se vai.

A trajetória do Mandic está bem documentada em vários artigos, mas a figura humana nem sempre transparece nos textos. Ele era de movimentos não previsíveis, um “alvo móvel”, como numa das frases de que gostava: “pior do que mudar de ideia, é não ter ideia para mudar”. Desde o começo difícil e ousado até o sucesso obtido no final dos 90, passou ele por muitas fases diferentes. Chegou a possuir automóveis de luxo e até um pequeno avião, mas reavaliou seus objetivos, vendeu tudo e se limitou a um fusquinha azul, 72. Ao mesmo tempo em que mantinha uma sofisticada coleção de vinhos, ia comer em bares simples, desde que com comida e preço honestos.

Mandic foi, sobretudo, um empreendedor com visão do futuro que sempre apoiou a equipe técnica que tinha montado, e preservou seu clã de amigos. Permito-me um falso cognato com seu sobrenome: a avó paterna dele era de Corfu, Grécia. Em grego, “profetizador” é “mandis”, donde vem “cartomante”, aquele que adivinha vendo cartas. Se Mandic previu o futuro observando a rede (que é “dictyo”, em grego), poderia ter cunhado o neologismo “dictiomante”.

Termino com duas das inúmeras frases que tanto amava: “Se for mentir, seja breve” e “Pense grande! Afinal ninguém jamais falou de ‘Alexandre, o Médio’”.

*É ENGENHEIRO ELETRICISTA

Publicidade

Opinião por Demi Getschko
Tudo Sobre
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.