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Desafio do apagão no TikTok: O que se sabe sobre elo entre a trend e a morte de menina argentina

Segundo especialista, é preciso estimular crianças a criarem senso crítico para não caírem em armadilhas não só no TikTok, como em outras situações

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Por Giovanna Castro
Atualização:

A polícia da Argentina investiga se a morte de uma menina de 12 anos ocorreu após a adolescente participar, na última sexta-feira, 13, do chamado Blackout Challenge, o “desafio do apagão”, no TikTok. A trend, como se chamam os conteúdos virais que circulam de forma natural na rede social e são repetidos milhares de vezes, estimulava jovens a provocarem o autossufocamento até o ponto de desmaio. O TikTok desativou a busca pelo desafio e emitiu comunicados de prevenção.

“Alguns desafios online podem ser perigosos, perturbadores ou até encenados. Saiba como reconhecer desafios perigosos para poder proteger sua saúde e bem-estar”, afirma o comunicado publicado pela rede social chinesa assim que se busca pela palavra-chave Blackout Challenge.

TikTok passou a mostrar mensagem de prevenção contra desafios nocivos na busca por Blackout Challenge. Foto: Reprodução/TikTok

Segundo apuração do jornal argentino Clarín, que noticiou a morte da adolescente Milagros, esta teria sido a terceira tentativa de autossufocamento da menina. Ainda conforme a imprensa argentina, a família diz que há vídeos no celular da garota em que ela aparece tentando a asfixia outras vezes.

Outras mortes

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A morte da garota não teria sido a primeira provocada por esta “brincadeira”. Apesar de a reportagem não ter encontrado vídeos sobre o desafio em si no TikTok, existem postagens de pessoas relatando outros casos e alertando os usuários da rede social sobre o perigo. Além disso, alguns processos judiciais já foram movidos contra a empresa por esse motivo.

A morte do menino britânico Leon Brown, de 14 anos, que foi encontrado asfixiado pelos pais dentro do seu quarto em agosto de 2022, é uma das mais mencionadas nos vídeos que circulam hoje na rede social. Na época, a mãe do adolescente, Lauryn Keating, afirmou ao jornal escocês Daily Record que alguns colegas do seu filho relataram que ele participou do desafio.

Em dezembro de 2021, a mãe de uma jovem chamada Nylah Anderson, da Filadélfia, nos Estados Unidos, processou o TikTok pela morte da filha, que teria participado do mesmo desafio. No entanto, em outubro de 2022, o juiz decidiu que a empresa era imune ao processo por causa da Lei Federal de Decência nas Comunicações, dos EUA, que protege os editores do trabalho de terceiros – ou seja, a postagem do desafio da rede social é considerada de responsabilidade do seu autor e não da rede social.

Em julho de 2022, as famílias de outras duas meninas americanas, de 8 e 9 anos, mortas em 2021, também entraram com uma ação contra o TikTok pelo mesmo motivo. O processo, que corre no no tribunal superior de Los Angeles, ainda não foi concluído.

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Segundo apurou o Clarín, nesse processo, a defesa da família da vítima Lalani Erika Renee Walton, do Texas, que morreu em 15 de julho de 2021, aos 8 anos, alega que a morte da menina foi “resultado direto da tentativa do desafio do apagão do TikTok”. “Ela acreditava que se postasse um vídeo dela fazendo o Desafio Blackout ficaria famosa, então decidiu tentar”, diz a família no texto.

A outra vítima nomeada no processo em tramitação é Arriani Jaileen Arroyo, de 9 anos, que vivia no Estado de Wisconsin e morreu em 26 de fevereiro de 2021. A família diz no texto que ela ganhou um telefone quando tinha 7 anos e “aos poucos ficou obcecada” em postar vídeos de dança no TikTok.

O que diz o TikTok?

O TikTok afirma que desafios envolvendo asfixia são anteriores à rede social, que foi lançada em 2016, citando um documento do Centro de Controle e Prevenção de Doenças norte-americano de 2008 que já relatava casos de mortes por um jogo similar, chamado de Choking Game, termo em inglês para jogo de estrangulamento.

“Sentimos muito pela trágica perda desta família (em relação ao caso ocorrido na Argentina). A segurança da nossa comunidade é prioridade e levamos muito a sério qualquer ocorrência sobre um desafio perigoso. Conteúdos dessa natureza são proibidos em nossa plataforma e serão removidos caso sejam encontrados”, disse a empresa ao Estadão.

A empresa se diz especialmente preocupada com a segurança das crianças que utilizam a sua plataforma e por isso disponibilizam “guias parentais” para ajudar os pais e responsáveis a conhecerem as ferramentas disponíveis no aplicativo e divulgarem dicas para um uso responsável da plataforma.

“O objetivo é de reforçar as diversas ferramentas disponíveis na plataforma que buscam proteger a integridade de jovens acima de 13 anos que usam o aplicativo”, afirma, ressaltando que a indicação de uso do aplicativo é de 13 anos+, o que permite que os pais usem controles no nível do dispositivo para impedir que seus filhos mais novos baixem o TikTok.

A empresa informou também que não possui uma função de bate-papo por vídeo, nem um grupo de vídeo. No depoimento da criança argentina, a família diz que ela participou por uma conversa por vídeo ao longo do desafio.

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Por que crianças caem nessas armadilhas e como protegê-las?

Segundo Wimer Bottura, psiquiatra presidente do comitê de adolescência da Associação Paulista de Medicina, diz que um dos motivadores que podem estar levando as crianças a repetir o desafio que incita o sufocamento é o prazer. “A hipóxia, como chamamos a falta de oxigenação no cérebro, leva a uma euforia, uma sensação de prazer muito grande na pessoa”, diz.

No entanto, o especialista alerta que é comum que crianças se interessem por desafios de maneira geral. Isso porque eles aguçam a curiosidade, um elemento essencial para a vida humana, mas que, na infância demanda cautela.

“A curiosidade é um motor importante para a vida. Ela leva a desafios, experiências e ao crescimento do repertório da pessoa“, diz. Por outro lado, “como repertório de informações da criança ainda é muito baixo, a intensidade da curiosidade dela tende a ser maior que a de um adulto”, o que as tornam mais vulneráveis a manipulações e riscos.

Dessa maneira, para Bottura, o caminho para evitar esse tipo de acidente é desenvolvendo o senso crítico da criança para que ela mesma se proteja desse tipo de armadilha. Ele relembra que desafios anteriores, como o da Baleia Azul, já causaram o mesmo risco e diz que este não deve ser o último.

“Temos que tomar cuidado com essa tendência nossa em buscar respostas no externo. Embora ele exista, seja importante e demande preocupação, o foco da nossa atenção deve ser o universo interno das pessoas, em por que uma pessoa se sujeita a esse tipo de risco e por que miliares de pessoas da mesma idade, na mesma circunstância, estão vulneráveis a isso”, diz.

O especialista defende o que chama de “efeito vacina” nas crianças. Isto é, estimular que elas criem seus próprios mecanismos de defesa contra situações de ameaça, em vez de tentar privá-las de qualquer risco, o que é praticamente impossível no mundo de hoje.

“Precisamos estimulá-las a desenvolver habilidades para trabalhar as informações que recebem, criando uma malícia que as ajude a avaliar as propostas que vêm de fora, de outros”, afirma. “Isso se faz com diálogo. Famílias que criam vínculo com a criança, escutam ela e pensam sobre o que ela diz, trazendo informações mais precisas, realistas e menos assustadoras, fantasiosas ajudam a criança a desenvolver um pensamento crítico”, diz.

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