SALVADOR E SOROCABA - Sem confete, glitter ou trio elétrico nas ruas. Pela primeira vez, Elielson Suplício (o Léo Fissura), de 47 anos, observou pelas janelas, abriu a porta, percorreu quilômetros e não encontrou vestígio de carnaval. Até acordou perdido no fuso, em Salvador. “Não chorei por fora, mas por dentro...”, diz o porteiro. É a primeira vez, que se tenha registro histórico, que o carnaval não acontecerá. E o cancelamento da grande festa popular, pela covid-19, atinge os demais polos turísticos da folia espalhados pelo País.
É rotina fora de época. Os circuitos mais tradicionais do carnaval de Salvador – o Dodô (entre os bairros da Barra e de Ondina) e Osmar (no Campo Grande) – amanheceram e anoiteceram sem foliões. Somente trabalhadores, clientes de lojas e bares, e praticantes de alguma atividade física transitaram pelos locais. A prefeitura cancelou o ponto facultativo para evitar aglomerações. Os shows estão proibidos na Bahia, por força de um decreto estadual.
“O dia acordou estranho. Estou feliz por ter saúde, e não acho mesmo que deveria ter festa, mas o coração está partido”, disse Léo Fissura. Ele costuma sair os seis dias – pois o carnaval abriria oficialmente na quinta –, para seguir o trio de Bell Marques. E para quem a festa significa sustento acordar sem planos de ir para a avenida, matar a sede e a fome dos foliões, foi ainda mais penoso. “Quase chorei”, diz a vendedora ambulante Derivalda Oliveira, de 57 anos, que trabalha há 15 no circuito Dodô.
Na quinta, um grupo de profissionais liberais como ela protestaram, na Avenida Tancredo Neves, contra a suspensão de eventos. Um estudo da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia mostrou que, sem a folia, R$ 1,7 bilhão deixará de circular na cidade e 60 mil trabalhadores ficarão sem renda. Na edição de 2020, 16,5 milhões de pessoas participaram da festa. Agora artistas como Ivete Sangalo, Claudia Leitte e Bell Marques farão lives para quem quiser adaptar a folia para dentro de casa.
Já em Pernambuco, além de cancelar o carnaval e o ponto facultativo, foi proibido o comércio nos centros históricos de Recife e Olinda. Blocos e bandas programaram lives para levar a folia ao público por redes sociais e canais de compartilhamento de vídeos. O plano inicial era produzir vídeos com até 50 carnavalescos, mas até isso foi restringido. Na quinta-feira o governo baixou norma limitando cada live a dez pessoas.
Blocos tradicionais, como o Homem da Meia-Noite e o Galo da Madrugada, já gravaram suas apresentações, que serão exibidas nas noites de domingo e segunda-feira. Já o Cariri, que está completando 100 anos, cancelou a live. “Respeitamos a preservação da vida, mas não aceitamos esse posicionamento tão tardio”, disse Hilton Santana, diretor de comunicação do bloco.
Como o comércio de rua e os shoppings vão funcionar segunda e terça, a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes em Pernambuco (Abrasel-PE) criou um festival gastronômico para atrair os foliões sem folia. “O turismo em Pernambuco teve uma receita de R$ 2,3 bilhões em 2020 e não sabemos o que vai ser deste ano, pois é uma situação inédita”, disse o presidente, André Araújo.
Minas
Já as ondas de foliões que desciam e subiam as ladeiras de Ouro Preto, cidade histórica da região central de Minas, vão ficar na saudade, pelo menos este ano. A prefeitura cancelou o ponto facultativo entre os dias 15 e 17 e o carnaval presencial, considerado um dos melhores do país, foi cancelado. No lugar, a prefeitura lançou o carnaval virtual ‘Beleza Pura’, em 2021. “Todos os blocos se dispuseram a contribuir conosco e fizeram lives que serão mostradas durante este período”, disse Felipe Guerra, secretário de governo do município. A prefeitura informou que já estuda um carnaval fora de época para movimentar a região, mas o evento e a data ainda dependem da situação da pandemia nos próximos meses.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.