BELÉM, BRASÍLIA E SÃO PAULO - Uma briga entre facções dentro do Centro de Recuperação Regional de Altamira (CRRALT), no sudoeste do Pará, deixou ao menos 58 detentos mortos, 16 deles decapitados, na manhã desta segunda-feira, 29. A maioria dos mortosno massacre foi vítima de asfixia. Segundo a Superintendência do Sistema Penitenciário do Pará (Susipe), dois agentes prisionais chegaram ser feitos reféns e foram liberados. No início da tarde, o motim estava encerrado.
A Susipe confirmou que os crimes foram resultado de um confronto entre duas facções criminosas que disputam território dentro da unidade prisional, o Comando Classe A (CCA) e o Comando Vermelho (CV). O massacre se iniciou por volta das 7 horas, quando líderes do CCA atearam fogo em uma cela que pertence a um dos pavilhões do presídio, onde ficavam integrantes do CV.
Como a unidade é mais antiga, construída de forma adaptada a partir de um contêiner, com alvenaria, o fogo se alastrou rapidamente e alguns dos internos morreram por asfixia. Os corpos ainda não foram retirados porque a temperatura no local estava alta.
Nenhum agente penitenciário foi morto.
O Grupo Tático Operacional da Polícia Militar foi ao local. A Polícia Civil, a Promotoria e o Juizado de Altamira também estiveram na unidade participando das negociações para a liberação dos reféns.
"Foi um ato dirigido. Os presos chegaram a fazer dois agentes reféns, mas logo foram libertados, porque o objetivo era mostrar que se tratava de um acerto de contas entre as duas facções, e não um protesto ou rebelião dirigido ao sistema prisional", afirmou o secretário extraordinário para Assuntos Penitenciários do Estado do Pará, Jarbas Vasconcelos.
Não foram encontradas armas de fogo no presídio, apenas estoques - facas improvisadas com material precário.
O secretário disse ainda que não havia qualquer indicativo do setor de inteligência da Susipe sobre o ataque e, por isso, uma transferência de presos não estava prevista. "Não tínhamos nenhum relatório da nossa inteligência sobre um possível ataque desta magnitude de uma facção contra a outra."
Vasconcelos viajou de Belém a Altamira acompanhado do titular da Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social (Segup), Ualame Machado; do comandante-geral da Polícia Militar do Pará, coronel Dilson Júnior; e do delegado-geral de Polícia Civil, Alberto Teixeira.
A facção Comando Classe A
O Comando Classe A é uma facção criminosa que nasceu no Pará há 11 anos e domina o crime na região. O grupo está sob comando de Luziel Barbosa, conhecido como Hebraico, preso em Altamira; e Lucenildo Barbosa, o Lúcio VK, que está foragido. A facção foi criada por Oziel Barbosa, conhecido como Tchile. Em 2016, Oziel foi morto em confronto com a polícia, deixando o comando do grupo para os irmãos Luziel e Lucenildo.
Transferência de presos
O ministro da Justiça, Sérgio Moro, conversou nesta segunda com o governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), e se comprometeu a transferir para presídios federais líderes de facções criminosas responsáveis pelas mortes no CRRALT. Dez dos 16 identificados como líderes de facções deverão ir para presídios federais.
O governo do Pará anunciou, ainda, no início da noite desta segunda, que outros 36 detentos serão remanejados para presídios do Estado.
No início do ano, alguns chefes do Primeiro Comando da Capital (PPC), incluindo Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, foram transferidos de Rondônia para a penitenciária de Brasília.
Saiba quem foram os mortos no massacre no presídio de Altamira
O governo do Pará divulgou na manhã desta terça-feira, 30, a identidade das vítimas no massacre:
- Adriano Moreira de Lima
- Bruno Whesley de Assis Lima
- Carlos Reis Araujo
- Deiwson Mendes Correa
- Deusivan da Silva Soares
- Efrain Mota Ferreira
- Eliesioda Silva Sousa
- Ismael Souza Veiga
- Jelvane de Sousa Lima
- João Pedro Pereira dos Santos
- Josivan Irineu Gomes
- Nathan Nael Furtado
- Natanael Silva do Nascimento
- Rivaldo Lobo dos Santos
- Evair Oliveira Brito
- Gilmar Pereira de Sousa
- Admilson Bezerra dos Santos
- Ailton Saraiva Paixão
- Alan Kart G. Rodrigues
- Alan Patrick dos Santos Pereira
- Alessandro Silva Lima
- Amilton Oliveira Camera
- Anderson dos Santos Oliveira
- Anderson Nascimento Sousa
- André Carlos Sousa Patrício
- Bruno Rogério Andrade
- Cleomar Silva Henrique
- Clevacio Soares Queiroz
- Diego Aguiar Figueiredo
- Diego Walison Sousa Reis
- Diogo Xavier da Silva
- Domingos Fernandes Castro da Silva
- Douglas Gonçalves Viana
- Edson Costa de Macedo
- Delimarques Teixeira Pontes
- Francisco Claudizio da Silva Ferreira
- Geidson da Silva Monteiro
- Hugo Vinicius Carvalho
- Itamar Anselmo Pinheiro
- Jeová Assunção da Silva
- João Nilson Felicidade Farias
- José Brandão Barbosa Filho
- José Francisco Gomes Filho
- Josivan Jesus Lima
- Josicley Barth Portugal
- Josué Ferreira da Silva
- Junior da Silva Santos
- Kawe Reis Barbosa
- Leonardo Dias Oliveira
- Luilson da Silva Sena
- Marcos Saboia de Lima
- Renan da Silva Souza
- Rogerio Pereira de Souza
- Sandro Alves Gonçalves
- Valdecio Santos Viana
- Vanildo de Souza Guedes
- Wesley Marques Bezerra
Arma encontrada dentro de TV no sábado
No sábado, 27, durante os procedimentos de revista para entrada de visitantes, agentes prisionais identificaram uma arma e munição dentro de uma televisão.
Segundo informações da direção da unidade, antes de entrar no bloco carcerário, a televisão passou por revista manual e por um raio X, que detectou a existência da arma e de munições.
O objeto foi trazido por Shirley Pedrada dos Santos, companheira do detento Ezequias Santana da Conceição. A mulher foi presa em flagrante, teve a carteira de visita suspensa e foi conduzida à delegacia de Altamira. Já Conceição vai responder a um procedimento disciplinar penitenciário (PDP).
Superlotação e falta de agentes penitenciários na unidade de Altamira
O CRRALT tem as condições do estabelecimento penal classificadas como "péssimas", segundo relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicado nesta segunda, dia do massacre. Entre os problemas, a unidade convive com superlotação e número baixo de agentes penitenciários para garantir a segurança do local.
Segundo relatório do CNJ, a unidade abriga 343 presos do sexo masculino, mais do que o dobro da capacidade, de 163 vagas. Já os agentes penitenciários, no entanto, somam 33. "O quantitativo de agentes no CRRALT é reduzido frente ao número de internos custodiados o qual já está em vias de ultrapassar o dobro da capacidade projetada", diz o CNJ.
Entre os presos, 308 cumprem pena em regime fechado e outros 35 estão no semiaberto. O Centro de Altamira, no entanto, não tem área separada para abrigá-los. Por causa da situação no presídio, alguns detentos chegam a receber autorização para dormir em casa.
Número de detentos no Pará é quase o dobro do número de vagas
Divulgado em junho de 2017, o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen) aponta que o sistema brasileiro enfrenta superlotação em todas as unidades federativas. Ao todo, a população prisional é de 726.354 pessoas para 423.242 vagas.
No caso do Pará, a população prisional é de 16.123 pessoas, quase o dobro do número de vagas (8.600), o que significa uma taxa de ocupação de 1,92 por vaga (a 11ª mais alta entre as 27 unidades federativas). A média nacional da taxa de ocupação é de 1,72.
O Infopen também aponta que o País teve 4,8 mortes por "causas criminais" a cada 10 mil pessoas privadas de liberdade no primeiro semestre de 2017. No Pará, a média foi de 21,8 para o mesmo período, a quinta maisalta entre as unidades federativas.
O governo nega superlotação no local. De acordo com o Estado, é prevista para dezembro a entrega de um novo presídio pela Norte Energia, responsável pela Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Também é prevista a nomeação de 485 novos agentes prisionais em agosto.
Rebelião deixou sete mortos em 2018
Em setembro de 2018, sete detentos morreram e outros três ficaram feridos em uma rebelião no CRRALT. Durante o motim, um grupo de 16 presos tentou fugir da unidade, sem sucesso.
Segundo a Susipe, detentos da cela 3, do bloco A, tentaram fugir do presídio pela janela de ventilação do local. Os agentes prisionais de plantão flagraram a movimentação pelas câmeras de segurança e acionaram a Polícia Militar, que impediu a saída.
Os presos, então, correram em direção ao bloco do semiaberto e atearam fogo na sala do gerador de energia e no galpão de alojamento. No motim, parte das celas e das grades da unidade, além da enfermaria e da secretaria, foram depredadas. Ao todo, 120 presos participaram do motim./ ANA PAULA NIEDERAUER, FELIPE CORDEIRO, FELIPE RESK, MARIANA HAUBERT, PATRIK CAMPOREZ, PRISCILA MENGUE E RITA SOARES, ESPECIAL PARA O ESTADO
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