Dez mil brasileiros vivem o ‘sonho americano mórmon’

No centro mundial da religião, ainda reside o veterano Cláudio dos Santos, de 101 anos, que embarcou para Salt Lake City em 1955

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Por Cláudia Trevisan
Atualização:

SALT LAKE CITY - Ser mórmon no Brasil de 1955 era integrar uma minoria de 500 pessoas, entre as quais estava Cláudio dos Santos. Naquele ano, ele decidiu se mudar com a família para Salt Lake City, o centro mundial da religião fundada nos Estados Unidos na década de 1820. Aos 101 anos, Santos é o veterano dos cerca de 10 mil brasileiros que vivem na cidade, a maioria dos quais integrantes da igreja.

Em 1955, ele embarcou com a mulher e os três filhos para Miami em uma Fortaleza Voadora, um avião militar de quatro motores usado na 2.ª Guerra Mundial. De lá, eles viajaram por uma semana de ônibus até Utah, o Estado do Oeste americano cuja paisagem árida e montanhosa foi um dos cenários preferidos para os clássicos filmes de cowboy hollywoodianos.

Santos ainda usa aplicativos e redes sociais para manter o contatocom o País Foto: Cláudia Trevisan / ESTADAO

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Santos tem dez netos, dez bisnetos e três tataranetos, todos vivendo nos EUA. Sua filha mais velha tem 80 anos. O filho mais novo está com 66. A religião foi o que levou o engenheiro aposentado a trocar São Paulo por Salt Lake City. “Naquele tempo, não existiam templos nem capelas no Brasil e muitos serviços da igreja não estavam disponíveis”, disse ao Estado.

Aos 101 anos, ele usa um iPhone, tem perfil no Facebook, lança mão do Dropbox para compartilhar vídeos e fotos e fala todas as noites por Skype com uma prima que vive em São Paulo. Com a expansão da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias no Brasil, cresceu o número de pessoas que seguiram os passos de Santos, grande parte deles movida por um misto de fé e busca do sonho americano. 

Opção. Alan Silva e sua mulher, Fátima, se mudaram com as duas filhas para Salt Lake City há 14 anos. Na época, ele trabalhava na Nextel e viu que teria dificuldades para pagar uma escola particular para a filha mais velha, que havia acabado de sair do jardim da infância. “Eu queria dar para elas uma vida melhor e a chance de aprender outra língua. Aqui elas teriam mais oportunidades”, disse Silva, em uma das seis capelas mórmons de Utah que têm serviços religiosos em português.

Segundo ele, o local costumava reunir cerca de 600 pessoas aos domingos até quatro meses atrás, quando a igreja decidiu criar mais duas unidades voltadas a brasileiros na região de Salt Lake City. Agora, o público varia de 200 a 250 pessoas. O português é a língua oficial da capela, que mantém tradições brasileiras como festas juninas.

A filha mais velha do casal faz um curso de higiene dental e a mais nova planeja estudar marketing em mídias sociais. Silva é chefe de manutenção em um edifício e Fátima trabalha como faxineira. O bispo Valdir Antunes, que também está há 14 anos em Salt Lake City, estima que a cada semana uma nova família brasileira chega à cidade, que tem um dos mais elevados ritmos de crescimento econômico e uma das mais baixas taxas de desemprego dos EUA.

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Donos de uma empresa que agencia jogadores de futebol no Brasil, Solange Cruz e o marido, Silvio, chegaram à capital de Utah em julho do ano passado, juntamente com o filho mais novo, Vitor. O mais velho, Edson, era missionário mórmon em Utah e havia sofrido um acidente jogando bola. A família já discutia a possibilidade de imigrar para os EUA e tomou a decisão para estar perto do filho na segunda cirurgia a que ele se submeteu. “Agora nós estamos planejando vender a casa que temos em Itu e abrir um negócio aqui”, afirmou Solange.

Igreja demanda dedicação plena

A igreja mórmon demanda de seus seguidores dedicação plena e um estilo de vida espartano, no qual a família ocupa posição central e o consumo de álcool, café e chá são banidos. A identidade da maioria dos moradores de Utah gira em torno da religião e abandoná-la é uma decisão drástica, que põe em risco laços familiares e de amizade.

Depois de passar pelo trauma do rompimento com a igreja, muitos ex-mórmons criaram grupos de apoio aos que seguem os mesmos passos. O abandono da religião se dá por vontade própria ou por decisão das instância disciplinares da igreja, que determinam a excomunhão de seguidores que contrariam os princípios da religião ou são considerados hereges.

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Em 2015, aumentou o potencial de conflito entre os que ditam a doutrina mórmon e alguns dos seguidores da igreja, com a proibição do batismo de crianças que vivem em famílias chefiadas por casais gays. A mesma determinação reiterou que a união entre pessoas do mesmo sexo é pecado sujeito ao julgamento da igreja.

A rejeição do homossexualismo pela religião causou reação entre pais mórmons de filhos homossexuais, que criaram grupos de apoio e decidiram participar da Parada Gay de Salt Lake City. 

A condenação dos gays antecede a proibição do batismo e é apontada por integrantes de organizações de pais como um dos fatores responsáveis pelo elevado índice de suicídio entre os jovens no Estado. Dados do Departamento de Saúde indicam que o suicídio entre pessoas de 10 a 17 anos está em alta desde 2011; e, em 2013, ultrapassou o número de mortes por causas não intencionais.

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