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Todo o glamour do chocolamour

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Por Dias Lopes
Atualização:

Cinco receitas popularizadas em São Paulo no século 20 se espalham pelo Brasil. São o bauru do Ponto Chic; o arroz biro-biro; o creme de papaia do Rodeio; o beirute; e o chocolamour do Bambi. Todas fazem sucesso. Mas quem está na berlinda é o chocolamour - duas bolas de sorvete de chocolate, cobertura de farofa doce crocante, calda quente de chocolate e chantilly. Depois de permanecer fechado por oito anos, o restaurante Bambi reabriu, na Rua Jorge Coelho, 162, Jardim Paulistano, e seduz a clientela com a apetitosa sobremesa. Edgar Sader, o atual dono, garante ter vendido 15 mil chocolamours em apenas quatro meses. Foi um tio seu, o pâtissier libanês Fares Sader (1918-1970), quem lançou a especialidade em São Paulo, em 1953. A casa funcionava na Al. Santos, 59, no Paraíso. Formado em Beirute na requintada confeitaria do pai, com a morte dele Fares correu mundo. Esteve em Bagdá, Montevidéu, Caracas e, finalmente, instalou-se na capital paulista, onde se associou ao irmão mais velho, Louis Sader (1914-1991), que fundara o Bambi em 1951 e precisava de um grande pâtissier. Fares tinha senso de marketing. Afirmou que trouxera o doce de Beirute, sua cidade natal. Deu-lhe nome exótico: choc-mou-mud. Choc saiu de chocolate; mou, em francês, significa mole; mud, em inglês, é lama. Mas os garçons não conseguiam pronunciar o nome, nem a maioria da clientela. Choc-mou-mud virou chocolamour. Também cercou a sobremesa de mistério. Disse ser secreta a receita da farofa usada para cobrir a base de sorvete e impedir que a calda quente de chocolate a derretesse. Ninguém, exceto ele e ajudantes diretos, teria acesso à receita. Segundo o dono do novo Bambi, que é filho de Louis Sader e, portanto, sobrinho de Fares, o mistério se desfez quando um funcionário do antigo Bambi foi trabalhar no restaurante libanês Farabbud, da Al. dos Anapurus, 1.253, em Moema, e levou a receita. Os pâtissiers que não tiveram acesso a ela, porém, acreditam que a farofa leve açúcar, farinha de caju, castanha de caju pilada grossa, leite em pó integral e, o "pulo do gato": extrato de malte seco, do tipo encontrado no Ovomaltine tradicional. Na segunda metade da década de 80, o Bambi registrou a marca chocolamour no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi). Em seguida, acionou judicialmente os principais concorrentes que a reproduziam em São Paulo. A rede de cozinha rápida América se viu obrigada a trocar o nome do doce. Rebatizou-o de farofino. A churrascaria Esplanada Grill também foi processada, perdeu a causa e pagou indenização de R$ 25 mil. O Bambi acionou igualmente a extinta churrascaria The Place, sem sucesso. Voltou-se contra o restaurante Ecco e venceu o processo em primeira instância. Entretanto, por não pagar taxas obrigatórias, o Bambi perdeu a marca chocolamour. Hoje, ela pertenceria à sorveteria Sottozero, de São Paulo. Direitos à parte, a expansão da sobremesa se tornou incontrolável. Já é encontrada de Salvador, onde o Baby Beef Bahia oferece o baby chocolamour, à capital gaúcha, em lugares como A Torta Bistrô. Ao mesmo tempo, surgiram derivações. A palavra chocolamour também designa uma torta de sorvete e um coquetel à base de chocolate, leite condensado, morango, vodca e Schweppes citrus. Para arrematar, Fares, sempre na década de 50, inventou na Al. Santos um sanduíche antológico: o beirute. Abre-se um pão árabe, recheia-se com fatias finas de rosbife, rodelas de tomate, lâminas de mussarela e orégano e se corta em quatro partes. E até hoje inúmeros paulistanos lembram do quibe cru, michui, kafta, homus, steak siberiana e da salada de tomate que Fares fazia. Além de grande pâtissier, era cozinheiro de mão cheia. jadiaslopes@terra.com.br

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