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Nacionalismo e política externa: o que esperar do terceiro mandato de Lula?

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Por Geraldo Miniuci

"A era dos Estados nacionais acabou. Todos devem sentir que ocorreu uma mudança, que uma era se desvaneceu e que uma nova era está surgindo, em que as pessoas olharão para além das fronteiras de seu próprio país e trabalharão em fraternidade, em cooperação com outras nações para os verdadeiros objetivos da humanidade. Quem não percebe isso é um caso perdido [...]. Uma era de paz e cooperação só surgirá quando as ideias nacionalistas forem banidas da política. Aqui na Europa, começamos nessa direção construindo planos para a unidade europeia".Em tradução livre, assim se expressou Conrad Adenauer, nos anos 1950. Longe de ser um anarquista, Adenauer era católico, conservador e um dos fundadores da democracia-cristã alemã. Foi, no pós-guerra, o primeiro Chanceler Federal, cargo que, na Alemanha, corresponde ao de Primeiro-Ministro e que ele, de 1950 a 1955, acumulou juntamente com o de ministro das relações exteriores. Sua política externa tinha papel decisivo e determinante em sua estratégia política geral. Com a eleição de Lula, muito se fala do retorno do Brasil à cena internacional, não mais como pária, porém como um simpático protagonista. Com efeito, a eleição de Lula foi imediatamente reconhecida e festejada pelas principais lideranças mundiais, o mundo volta a sorrir para este país, que, ao que tudo indica, terá novamente uma política externa, algo que já não acontecia desde o governo provinciano de Dilma Rousseff. Mas, afinal, o que podemos esperar da nova gestão, no plano externo, a partir de 1º. de janeiro de 2023? A velha obsessão por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU? Como todos sabem, o sistema das Nações Unidas é dominado por uma oligarquia que se formou após a Segunda Guerra Mundial, e o Brasil de Lula nunca quis acabar com esse clube fechado, mas apenas fazer parte dele, adotando uma atitude arrogante, sobretudo em relação aos seus vizinhos na América do Sul. Afinal, por que apenas este país deveria fazer parte do Conselho como membro permanente, e não Argentina, Chile ou Colômbia? Por que não empunhar uma bandeira que sinalize uma reforma radical do sistema das Nações Unidas, que inclua a América do Sul no Conselho de Segurança? Por que o Brasil, antes de buscar para si um assento permanente, não envida esforços no sentido de realizar a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando uma comunidade latino-americana de nações, tal como prescreve o parágrafo único, do artigo 4º. da Constituição Federal? Por que não fazer da política externa o eixo da política interna, promovendo o desenvolvimentismo transnacional, e não apenas nacional, aproveitando a boa interlocução que Lula tem com os demais líderes da região? Depois disso, sim, a América Latina, unificada, e não apenas o Basil, terá mais legitimidade para reclamar da oligarquia que domina o sistema das Nações Unidas. Mas o nacionalismo e a arrogância que o acompanha são a marca do pensamento brasileiro, tanto à direita, como à esquerda. Bolsonaro surgiu não foi à toa, apenas reflete o que cala fundo na alma do cidadão médio deste país. À direita, estão os que se proclamam patriotas e que se apossaram da bandeira e das cores nacionais; à esquerda, os que se diziam envergonhados de serem brasileiros por causa de Bolsonaro e de todas as suas atitudes. Mas, só sente vergonha quem já sentiu orgulho. E esse orgulho, agora, foi resgatado. Assim como a bandeira e o seu verde-amarelo, tão caros aos nacionalistas que se vestem de vermelho."A Revolução Francesa", afirmou Adenauer, em discurso perante a Sociedade de Católicos Alemães, em 1952, na cidade de Bamberg, "deu origem ao nacionalismo que dominou cada vez mais o século anterior, tornando nacionalista o pensamento das gentes e dos povos", trazendo "sangue e lágrimas, destruição e ruínas em escala infinita". São palavras de quem viveu o Terceiro Reich e, como ele mesmo definiu, a orgia nacionalista que tomou conta da Alemanha. No lugar do universalismo cristão, "o nacionalismo", escreveu o abade Barruel, em 1798, "ocupou o lugar do amor geral [...] Foi, assim, permitido desprezar os estrangeiros, enganá-los e ofendê-los. Esta virtude foi chamada patriotismo". Em janeiro, o Brasil se despede de um líder que, ao colocar a Nação acima de tudo e Deus acima de todos, sustenta um discurso racionalmente sem sentido. Deus e Nação, frequentemente na retórica da extrema-direita, são dois conceitos incompatíveis. Assim como são incompatíveis socialismo e nacionalismo, combinação feita por Stálin, a qual igualmente resulta de um pensamento errático, infantil mesmo, em que se olha para um lado, mas caminha-se em sentido oposto. Resta-nos esperar que, tal como fez Adenauer com a Alemanha em relação à Europa, nos anos 1950, Lula coloque o Brasil no caminho de uma unidade latino-americana, na direção de um mundo menos narcisista, sem fronteiras, sem vistos ou passaportes.

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