O Supremo Tribunal Federal (STF) definiu nessa semana que a efetivação do divórcio não precisa ter qualquer requisito, a não ser a vontade dos cônjuges. A decisão foi tomada em torno da discussão da figura da separação judicial, que havia perdido a validade com uma emenda de 2010. O entendimento foi reforçado pelo plenário da Corte.
- O texto original da Constituição previa a dissolução do casamento civil pelo divórcio, mas exigia a separação judicial prévia por mais de um ano ou a comprovação da separação de fato por mais de dois anos. A Emenda Constitucional (EC) 66/2010 suprimiu a exigência, porém não houve alteração no Código Civil no mesmo sentido.
- O Plenário do STF entendeu que, com a alteração do texto constitucional, a separação judicial deixou de ser uma das formas de dissolução do casamento, independentemente de as normas sobre o tema terem permanecido no Código Civil.
O caso, que tem repercussão geral, chegou ao Supremo por meio do recurso de um cônjuge que contestou o mecanismo de divórcio direto. Prevaleceu no julgamento o voto proferido pelo ministro relator Luiz Fux. Segundo ele, a ação judicial foi extinta do ordenamento jurídico com a promulgação da emenda e não é mais requisito prévio para o divórcio.
Em seu voto, Fux disse que “a alteração da redação constitucional ensejou interpretações variadas na doutrina e posicionamentos conflitantes no Poder Judiciário acerca da manutenção da separação judicial no ordenamento jurídico, bem como a respeito da exigência de se observar prazo para o divórcio”.
Portanto, deve-se preservar o estado civil das pessoas que já estão separadas por decisão judicial ou escritura pública, por se tratar de “um ato jurídico perfeito”.
O que muda com a decisão do STF sobre divórcio?
Para o advogado Gustavo Chalfun, especialista em direito processual civil, a decisão do STF representa um grande avanço para o direito das famílias ao “eliminar do ordenamento jurídico esse instituto que já não mais subsistia na prática jurídica cotidiana”.
“Não há, em nosso entendimento, igual razão para manutenção de quaisquer condicionantes que retirem do indivíduo uma escolha, um poder de decisão, que cabe somente a ele”, diz Chalfun.
- A advogada especialista em Direito das Famílias e Sucessões Thatiana Biavati, sócia de Chalfun, afirma que a tendência é de que, cada vez mais, se prestigie a autonomia da vontade, a liberdade dos indivíduos e a intervenção estatal mínima nas questões patrimoniais e familiares.
“Nesse caso em específico, que, assim como se tem a autonomia de constituir a família, que se tenha de dissolvê-la. Decisões como esta reafirmam valores básicos que são sustentáculos de uma sociedade democrática, alinhando-se a um contexto atual e globalizado”, avalia Biavati.
O jurista Dierle Nunnes, professor de direito processual civil na PUC Minas e na Universidade Federal de Minas Gerais, avalia que a decisão do STF “pacifica o entendimento da desnecessidade de separação para pedir o divórcio”.
Segundo ele, a inovação trazida por ela é por fim a esse debate. “Ou o casal fica junto ou se divorcia. Estágio intermediário não tem mais.”
Ele explica que, com a separação judicial, vários efeitos do casamento já cessam, como o regime de bens.
“Por exemplo, a comunhão parcial. Quando você se separava judicialmente, se comprasse um apartamento, o imóvel era só seu.”
O especialista acrescenta que, com a emenda de 2010, esse sistema dual virou um sistema facultativo, se as pessoas quisessem se casar hoje e daqui a dois dias se divorciarem, podiam. “Mas ainda poderia ser um dual facultativo para alguns. Estamos casados, em crise, vamos dar um tempo, vamos nos separar durante um tempo, e se for bom assim nos divorciamos.”
Ele criticou a decisão do STF. “Desde 2010, não há discussão se a pessoa quer divorciar. Eu não vejo porque o Estado ingressar na livre escolha se o casal quiser se separar. Se eu quero escolher ficar nesse estado intermediário, o que o Estado tem a ver com a minha vida, no âmbito da minha autonomia privada de escolha?”.
O advogado Luis Cláudio Chaves, ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), explica que, com o fim da separação judicial, se o casal decidir se reconciliar, precisará de casar novamente.
E aquele cônjuge que precisa se separar enquanto o divórcio não é efetivado tem como alternativa jurídica entrar com uma medida cautelar pedindo uma liminar. “Esse pode ser o caso, por exemplo, de uma mulher que está sendo ameaçada pelo homem. Ele entra com uma medida cautelar pedindo o afastamento dele do lar”, esclarece Chaves.
Decisão do STF beneficia mais mulheres
Para a advogada Thatiana Biavati, a alteração votada pelo STF, embora simplifique o processo de separação para toda a sociedade, privilegia a mulher ao se levar em conta o contexto da sociedade.
“Muitas vezes o instituto da separação era utilizado por homens como forma de poder e gerência, por não quererem conceder à mulher o divórcio”, afirma.
Segundo ela, todos esses avanços são necessários e importantes, uma vez que diversas foram as legislações, destacando-se aí a Constituição Federal de 1988, que cuidaram de tentar implantar a igualdade entre homens e mulheres.
O advogado Dierle Nunnes concorda. “Evidente que, apesar de todo o avanço que as mulheres tiveram no mercado de trabalho, a tendência, o que prevalece, é a mulher estar em posição mais fragilizada em relação ao homem, seja de abuso psicológico ou econômico”.
Ele lembra que ainda é muito comum que, em função da maternidade, as mulheres tenham mais dificuldade de investir na carreira e muitas vezes acabem deixando seus empregos. “O casamento se deteriora, e a situação da mulher se torna mais complicada.”
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