Serra Talhada, no sertão pernambucano, é terra do cangaceiro Lampião e considerada capital do xaxado, mas quer ficar conhecida por outro motivo: os esforços contra o aquecimento global. A cidade, de 90 mil moradores, foi a primeira brasileira de porte médio a assinar o Pacto Global de Prefeitos pelo Clima e a Energia.
O exemplo mostra que não são apenas os grandes centros urbanos que precisam agir e inspira mais municípios menores a buscarem medidas para reduzir a poluição atmosférica. Segundo o Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa do Observatório do Clima, 88% das emissões das cidades do País ocorrem em locais com até 100 mil habitantes (grande parte pelo desmatamento).
Os efeitos da crise climática já são visíveis. Segundo a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo de Pernambuco, a seca prolongada reduziu as terras destinadas à lavoura e à pastagem de gado e cavalos, levando à transição para rebanhos mais resistentes à caatinga, como bodes e carneiros.
Entre 2008 e 2018, com chuvas abaixo da média, Serra Talhada viu o setor agropecuário recuar 6,8% nesse período. Além da pecuária, a renda local vem da produção de mel e da agricultura familiar.
O primeiro passo adotado pela cidade foi um inventário das emissões de gases de efeito estufa. O setor de transportes (58%) e de energia (32%). Segundo o secretário municipal de Meio Ambiente de Serra Talhada, Júnior Moraes, foram criadas ciclovias e o parque de iluminação pública foi modernizado.
Houve ainda a abertura de novos espaços públicos verdes, como praças e parques urbanos. Além disso, há o incentivo aos cidadãos com desconto no IPTU de 50% para o uso de energia solar ou para quem planta uma árvore na residência.
“O inventário de emissões de gases de efeito estufa embasou a criação da Comissão Municipal pela Ação Climática de Serra Talhada, permitindo estabelecer metas e objetivos de mitigação, mas também de adaptação”, diz Sandino Lamarca, consultor técnico do Pacto Global de Prefeitos pelo Clima e a Energia.
O pacto é um movimento voluntário de prefeitos de mais de 13 mil cidades, que se comprometem a promover políticas públicas voltadas à adaptação climática.
As ações de enfrentamento à estiagem contaram com a formação dos moradores das zonas rurais de Serra Talhada para uma Brigada de Primeira Resposta a incêndios, também causados pela seca intensa.
A arborização também foi ampliada, dialogando com as estratégias de soluções baseadas na natureza (SbN). A partir do projeto “Arboriza Serra”, praças, escolas, prédios públicos e locais ociosos foram contemplados com o plantio de espécies nativas da caatinga, como o ipê-rosa, pau-ferro, pau-d’arco e canafístula.
Só com a adaptação em iluminação natural e o aproveitamento do sol sertanejo, Serra Talhada economizou 345 MWh em energia e reduziu mais de 156 toneladas de CO² no setor. Segundo Eduardo Tadeu, diretor executivo da Associação Brasileira de Municípios, os gastos com iluminação pública consumiam entre 3% a 6% do orçamento municipal.
As lâmpadas convencionais foram trocadas pelas de LED e o centro administrativo foi transferido para um novo espaço, com maior circulação natural de vento, o que reduziu custos com refrigeração.
Serra Talhada inspirou outras 15 pequenas municípios em todas as regiões do Brasil, todas signatárias do pacto global, a partir de um protocolo compartilhado com mais de 11 mil cidades signatárias em 142 países.
No interior de SP, árvores e energia solar
Uma delas é Cordeirópolis, a 160 km da capital e em um dos maiores polos cerâmicos do Brasil. É impactada pela alta emissão de poluentes com o trânsito diário de veículos que passam por algumas das principais rodovias do Estado, a Washington Luiz, Bandeirantes e Anhanguera, que cortam a área da cidade, além da ferrovia.
“Tomamos como referência o Plano Climático de Serra Talhada e identificamos que 60% das emissões na nossa cidade são decorrentes do consumo de combustíveis (transporte); 26% do setor energético e 14% em resíduos”, diz Joaquim Dutra, secretário de Meio Ambiente de Cordeirópolis, de 25 mil habitantes.
A localização do município em cabeceiras de bacias hidrográficas e o mapeamento dos impactos das mudanças climáticas nas principais fontes de renda local, que decorrem da indústria, comércio e transportes, levaram à adesão ao Pacto Global de Prefeitos. O plano climático local deve ser lançado neste ano.
Foram plantadas mais de 130 mil árvores nativas no entorno das nascentes; construiu-se uma nova represa de abastecimento; perfuraram-se poços artesianos e, para as escolas, Cordeirópolis também levantou um aporte de mais de R$ 1,5 milhão para implementação de energia solar. Segundo a prefeitura, ações de educação ambiental contínua nas escolas também já estão em execução.
As outras cidades de pequeno e médio porte que aderiram ao pacto são:
- Abaetutuba, Barcarena e Parauapebas, no Pará
- Brasiléia (AC)
- Cáceres (MT)
- Cariranhanha (BA)
- Formoso do Araguaia (TO)
- Francisco Morato (SP)
- Indiaroba e São Cristóvão (SE)
- Jandaíra (RN)
- Niterói (RJ)
- Sirinhaém (PE)
- Sobral (CE)
As prefeituras contam com o suporte técnico das equipes de Serra Talhada para o inventário de gases de efeito estufa e para a criar planos de ação climática. “Toda essa assistência técnica foi feita de forma gratuita”, afirma Lamarca.
Nesta rede, o objetivo é compartilhar ações direcionadas a cada município, mas também manter uma rede cooperativa nacional. O suporte técnico também forma gestores e cidadãos locais nos cálculos, ferramentas e sobre metas.
O movimento de prefeitos brasileiros pelo clima tem a cooperação da Associação Brasileira de Municípios, do Instituto Alziras, da Frente Nacional de Prefeitas e Prefeitos e do ICLEI Brasil.
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