Apesar da detenção por policiais militares sob alegação não tinha autorização para escalar o Edifício Itália, a sensação ao presenciar a chegada do alpinista francês Alain Robert ao terraço após a façanha era de que não houve muito esforço para impedir a aventura.
Mesmo vigiado de perto por seguranças do edifício, o caminho estava livre, sem nenhuma barreira física que pudesse impedi-lo. Questionados, funcionários do restaurante de vista panorâmica onde fica o acesso para a parede diziam, algumas vezes com um sorriso maroto, que não podiam falar nada sobre o assunto.
Alain Robert subiu de elevador até o último andar e, segundo pessoas que almoçavam no local, antes de alcançar a cobiçada parede circulava por lá dando entrevista para uma equipe de TV estrangeira acompanhado de seguranças do edifício que estavam ali para impedir que fizesse a descida e a escalada de volta.
Foi como deixar um gato ao lado de um aquário de peixes sem tampa e esperar que o felino ficasse em posição de estátua: o francês teria aproveitado um descuido dos seguranças para alcançar a parede. Por estar calçando botas no estilo caubói - as sapatilhas especiais não foram usados e permaneceram amarradas na cintura - os seguranças imaginavam que ele não se arriscaria sem o acessório que costuma usar nas outras escaladas que faz por prédios em todo o mundo.
Livre acesso
A facilidade com que o alpinista entrou no prédio, no entanto, não foi um privilégio concedido ao ‘homem Aranha’ francês. Apesar de seu gigantismo, o cartão postal localizado na movimentada esquina da avenida Ipiranga com a São Luís mantém o clima acolhedor dos antigos edifícios do Centro e tem o acesso praticamente livre.
Coisa cada vez mais rara numa cidade onde o medo da violência faz proliferar a presença de seguranças intimidadores, catracas, crachás e fotos digitais dos visitantes, no Edifício Itália é possível ir direto para os elevadores sem ter que se identificar. No térreo, que é uma espécie de galeria comercial, seguranças monitoram a entrada e a saída das pessoas, mas raramente alguém é abordado.
O clima acolhedor continua nos elevadores, que - outra raridade - mantém ascensoristas, daqueles simpáticos que conhecem todos os funcionários das várias empresas diferentes de lá e puxam papo até mesmo com quem não costuma freqüentar o prédio regularmente.
Mesmo com a presença do Homem Aranha sendo o assunto do dia no entra e sai dos elevadores, o longo tempo que ele demorou na descida não foi suficiente para que alguém do edifício ou da polícia conseguisse chegar a algum lugar lá embaixo onde pudesse abordá-lo para impedir a subida de volta.
Era tanta a certeza de sucesso do francês em sua empreitada que o bem humorado aventureiro cuidadosamente deixou os seus óculos escuros de armação branca no telhado para recuperá-lo quando voltasse. E foi o que fez. Para então caminhar tranqüilamente sobre o telhado em direção aos policiais que o prenderiam.
Lembrança diferente do cartão postal
“Ele estava posando para fotos, se despediu como se fosse embora e aproveitou para descer”, contou a estudante Priscila Pescif, que comemorava o seu aniversário de 27 anos com a família no restaurante do terraço. Priscila chegou a conversar com o alpinista e contou que ele disse que estava aguardando o telefonema com aval de uma seguradora para realizar a empreitada.
A figurinista Marcia Nachbar e o cineasta Cesar Netto, outros dos poucos clientes que ainda estavam no restaurante no meio da tarde, pensaram se tratar de um cantor sertanejo quando viram o burburinho em torno daquela figura de cabelos compridos e bota. Informados pelo maître de que se tratava de um alpinista que tentava escalar o edifício, preparam as máquinas fotográficas e acabaram levando como lembrança algo mais que as tradicionais fotos da vista panorâmica do edifício.
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