Mesmo nesses dias em que dois brasileiros foram condenados à morte na Indonésia poucos se lembram. Mas um brasileiro já foi condenado à pena de morte aqui mesmo no Brasil durante a ditadura militar. Theodomiro Romeiro dos Santos foi condenado à morte por um tribunal militar em 1971 por ter assassinado o sargento da Aeronáutica Walder Xavier Lima no ano anterior, em Salvador.
Com a condenação ao fuzilamento em primeira instância, Theodomiro tornou-se o único brasileiro a ser condenado à pena capital no Brasil no período republicano. Três meses depois, sua pena seria transformada em prisão perpétua. Às vésperas da Lei de Anistia, em 1979, Theodomiro protagonizaria uma fuga espetacular para a Europa.
Um documentário sobre a saga de Theodomiro, hoje aposentado como juiz federal do Trabalho em Recife, aguarda liberação de recursos para ser finalizado.
A última execução de pena de morte no Brasil, do fazendeiro Manuel Mota Coqueiro, considerado um erro judiciário,havia acontecido no longínquo ano de 1855, ainda no no reinado de Dom Pedro II.
Theodomiro, estudante secundarista que militava no PCBR, Partido Comunista Brasileiro Revolucionário, matou o sargento Walder Xavier Lima em 27 de outubro de 1970 depois de ter sido preso com outros dois militantes no Dique do Tororó, em Salvador.
Surpreendidos por um jipe com militares e policiais federais,Theodomiro e Paulo Dantas da Silva foram algemados um ao outro, deixando uma das mãos livres. Num descuido dos agentes da ditadura militar, Theodomiro conseguiu pegar o revólver que estava numa pasta e atirou contra os agentes, ferindo o policial federal Amilton Notato Borges e matando o sargento.
Preso, foi torturado e levado para a prisão Lemos Brito, na capital baiana. O julgamento aconteceria em março de 1971 pelo Conselho Especial de Justiça da Aeronática, que evocou a Lei de Segurança Nacional para aplicar a pena capital. Theodomiro foi então sentenciado ao fuzilamento e Paulo Dantas à prisão perpétua.
A decisão aumentou o apetite do arremedo de Justiça Militar. No mesmo dia em que noticiava que Theodomiro o Estadão informava que a promotoria do tribunal da aeronáutica pedia a execução de mais sete acusados em outros processos.
Nem a ferocidade de uma ditadura militar raivosa por ter um de seus agentes mortos foi capaz de fazer com que a pena de morte fosse aplicada. Com o recente desaparecimento do deputado Rubens Paiva uma pena de morte só pioraria a repercussão negativa que a repressão violenta causava na imagem do regime.
Três meses após a condenação, o Superior Tribunal Militar (STM) julgaria o recurso da defesa a de Theodomiro e reformaria a sentença, convertendo-a para a prisão perpétua. A justificativa: o fato de o réu, apesar de culpado, ser menor de 18 anos à época do crime que cometera. O STM acolheu o voto do relator, o ministro Amarildo Lopes Salgado:
"... sua confissão é minuciosa, sem objetivo de inocência. Nem mesmo o advogado põe em dúvida isso. Entretanto, minha consciência jurídica não aceita que a um menor de 18 anos, à época do crime, sem antecedentes criminais, no período de imputabilidade incompleta, seja aplicada a pena máxima..."
Em 1975, o Superior Tribunal de Justiça reduziu a pena perpétua para 30 anos. Quatro anos depois, às vésperas da promulgação da Lei da Anistia, Theodomiro fugiria para o exterior e só retornaria ao Brasil em 1985, quando o país voltou ao regime democrático.
Documentário - A saga de Theodomiro renderia um filme. Foi o que pensou o produtor e diretor baiano Beto Sodré. Durante dois anos, Sodré dedicou-se a filmar depoimentos e pesquisar a trajetória do único condenado à morte do Brasil republicano.
Aprovada a captação de recursos pela Lei Rouanet, o filme idealizado por Sodré aguarda patrocínio para ser finalizado e distribuído. O que já está perto de se tornar uma saga tão longa quanto os anos que Theodomiro passou na prisão.
Memória, gente e lugares
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.