Pintou uma desconfiança quando a notícia de que Bruce Springsteen havia ensaiado Sociedade Alternativa na passagem de som do show em São Paulo começou a circular. Apesar de a escolha mostrar que Bruce estava ao menos bem assessorado, era inevitável pensar que seria mais um daquelas números padrões que artistas gringos fazem para agradar a platéia local.
E como Bruce costuma fazer isso por todo lugar que passa - no Chile cantou uma música de Victor Jara - não foi difícil imaginar que seria apenas uma gracinha a fazer no palco, como aqueles que costumam dedilhar algumas notas e cantar as frases iniciais de Garota de Ipanema enquanto fazem uma pausa rápida no próprio repertório.
A noite chegou e logo os primeiros relatos de quem estava no Espaço das Américas começavam a dar conta de uma performance memorável da música, com direito à letra inteira do hino escrito por Raul Seixas e Paulo Coelho em 1974. Não demorou e vídeos começavam a pipocar no YouTube.
Os segundos iniciais com um arranjo calcado na percussão e a frase “Essa é pro Brasil” ainda não seriam suficientes para desfazer a desconfiança e até davam margem para imaginar que viria uma versão abatucada do clássico libertário de Raul. Mas o pé atrás foi embora quando o naipe de metais e o coro entrou com força. Bruce Springsteen não só decorou a letra como parece ter incorporado o espírito dela, embora sua performance seja mais alegre e não tão raivosa e debochada como as de Raul.
O número de abertura do show de Springsteen ganhou ainda mais força no show do Rock In Rio com a amplitude da grande platéia ao ar livre e o agradecimento nominal a Raul Seixas no início e no fim da canção, o que não havia ocorrido em São Paulo.
Uma digna homenagem de um roqueiro nascido nos Estados Unidos para outro nascido na Bahia, mas que às vezes parecia born in the USA.
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